parte 6

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— CÍNTIA, VOCÊ TÁ TÃO MUDADA

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— CÍNTIA, VOCÊ TÁ TÃO MUDADA. Você é mesmo minha filha? — ele levanta e se aproxima, eu confirmo com a cabeça. — Aquela garotinha criativa e independente?

Independente? Nem tanto.

— Sou eu sim. — afirmo novamente com um sorriso sem graça no rosto.

Ele tenta sorrir mas parece tão surpreso que preferiu apenas me abraçar. Não retribuí de primeira. Olho nos seus olhos quando nos separamos. Ele continua a mesma coisa. Até o cheiro. As roupas, o cabelo, a barba levemente mal feita.

Me sentei à sua frente e ele segurou minhas mãos.

Rubens deixou minha mãe quando eu tinha sete anos. Eles brigavam muito, e o pior é que sempre era por minha causa. Amélia adorava nos culpar por tudo que dava errado com ela. Perdi as contas de quantas vezes ouvi eles gritando um com o outro, e minha mãe me pondo no meio da discussão.

Eu era muito nova pra me defender ou sequer entender o que tava acontecendo. Lembro que achava injusto e escondia meu choro no banheiro ou no travesseiro. Quando ele foi embora, disse que viria me visitar sempre, mas mamãe proibiu que eu tivesse contato com ele.

Com o tempo me acostumei. Tive que me adaptar aos novos namorados de Amélia. Foi ali que percebi que o problema talvez não fosse meu pai, porque ela continuou discutindo com os outros. A maioria acabou me vendo como a vilã da situação. Eu pedia atenção materna em horas "inoportunas".

Não importava o que acontecesse, a culpa era sempre minha. Às vezes me pego pensando no que meus padrastos diziam à suas novas parceiras sobre mim. Provavelmente fiquei conhecida como "a enteada demoníaca" e nem me dei conta disso.

Agora com meu pai na minha frente, não sei como agir.

— Você cresceu muito. — ele diz, me acordando de meus pensamentos.

— Que bom. E você...tá bem? — sinto minhas pernas tremerem um pouco.

— Eu tô levando a vida, né? É difícil quando se é um ninguém. Sabe, às vezes me pergunto o que ainda tô fazendo aqui. — ele fala numa naturalidade tão clara que eu me sinto 20% melhor.

— Eu sei como é. Passo pela mesma coisa. — digo sentindo uma ansiedade pra saber o que ele dirá a seguir.

— Sua mãe te infernizou muito durante esses anos? — ele mexe no anel prateado em seu dedo.

— Sim. — falo, quase o interrompendo. — Aconteceu tanta coisa, se eu contar você nem acredita.

— Eu sou paciente. Pode contar tudo e mais um pouco, querida. Vou ouvir. — ele sorri docilmente.

Caralho, em meia hora ele conseguiu ser mais atencioso do que minha mãe em anos.

Conto tudo pra ele na mesma hora. Ele presta atenção com uma expressão receosa e chocada.

— E agora tô aqui, me sentindo cada vez pior. Esses reencontros não me fizeram bem. — finalizo.

— Caramba, Cíntia. Eu sinto muito mesmo. — ele segura minha mão de forma acolhedora. — Na moral, sei que é sua mãe, mas eu espero profundamente que a Amélia apodreça no inferno.

Olho pra baixo e suspiro.

— A culpa é dela. Nunca vou conseguir esquecer o que ela me fez. — desabo em lágrimas.

— Querida, é foda mesmo. Sua mãe sempre foi essa rabugenta filha da puta. Não sei o que me deu na cabeça pra transar sem camisinha com ela. — ele estala os dedos e a coluna. — Que bom que nessa besteira, surgiu você. A melhor coisa que eu já fiz.

— Tá falando sério? — olho pra ele com tristeza, mas sentindo aquele amor de criança que tem um momento divertido com o pai.

— Claro que sim. Agora me conta: você se orgulha de ter o emprego dos sonhos?

— Muito. — sorrio, passando a mão no meu rosto.

— E eu me orgulho de você. Nem parece que você saiu da Amélia, sério. Uma garota tão forte, tão destemida. — ele passa a mão no meu cabelo, e eu me sinto acolhida, aceitada.

— Até que enfim você chegou. — Rayane levanta do sofá quando me vê abrir a porta. — Quem é esse?

— Esse é meu pai, Rubens. Pai, essa é a Rayane, minha amiga e filha da assistente social que praticamente salvou minha vida. — coloco minha bolsa na mesa e ajudo meu pai à se acomodar.

— Prazer. — eles falam ao mesmo tempo.

— Cíntia, mas que lugar legal. Bem bacana esse apê. — Rubens se joga no sofá e Rayane segura meu braço, me levando à cozinha.

— O que foi? — pergunto, cochichando.

— Do nada você encontra seu pai na rua? Eu nem sequer sabia que você tinha um. — ela resmunga de forma protetora.

— É mas eu tenho. Ele é legal, confia em mim. Acho que finalmente vou seguir em frente. Nossa conversa foi tão legal. Ele se importa comigo, Rayane.

— Ele vai dormir aqui? — ela arregala os olhos.

— Só hoje. Ele ainda não tem dinheiro pra hotel ou alugar alguma casa.

— Cíntia... — ela suspira em reprovação e eu a olho quase implorando. — Tá bom.

— Brigada. — abraço ela e volto pra sala.

— Vocês tem cerveja? E limão? — Rubens pergunta esticando suas pernas no sofá.

Reparo em seus pés descalços, ele fez questão de tirar até a meia.

— Eu vou ver depois. Agora pode me contar mais sobre você? — abraço uma almofada, curiosa.

— Sobre mim? O que mais quer saber, filha? — eu amo quando ele me chama assim.

— O que fez quando saiu de casa. Casou de novo? Teve outros filhos?

— Não. Eu não acredito em casamento. E filho só dá dor de cabeça, né? — ele gargalha e bagunça meu cabelo.

— Então só trabalhou?

— Digamos que sim. Fui mecânico por uns anos, depois tentei ser caixa de lanchonete, segurança de escola... — ele finaliza mas não finaliza a frase.

— E agora? Tá desempregado?

Ele fica triste de repente.

— Infelizmente sim. Como eu te disse, me sinto muito mal, filha. Não tenho coragem de fazer nada por mim mesmo. — ele passa as mãos pelo cabelo grisalho.

— Eu te ajudo. — apoio minha mão nas suas costas. — Sei como se sente. Mas eu tô aqui agora.

Ele lança um sorriso inseguro.

— Obrigado, querida. — ele me abraça forte e eu me sinto alguém de novo.

Será que Rafael gostaria de saber que eu reencontrei meu pai? Eu creio que nunca falei dele pro loiro. Acho que ele ficaria no mínimo surpreso.

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