Pelúcia Velha

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— Ai! — Victoria levou o polegar à boca, largando a faca sobre a tábua. — Droga!

Matheus, de maneira automática, levou a mão à de Victoria, mas, se interrompeu e a soltou, ante o olhar surpreso de Bruno.

— Se cortou, princesa? — ele olhou, preocupado, para a filha, deixando o peixe que terminava de descamar e eviscerar e seguindo até a pia para lavar a mão.

Victoria tirou o dedo da boca e o pressionou para checar a profundidade do ferimento.

Matheus a analisava, medindo seu semblante de dor, concernido.

— Me deixa ver. — Bruno segurou a mãozinha de Victoria entre as suas depois de secar as mãos na camiseta. — Não foi nada.

Ele pegou um guardanapo de cima da mesa, enrolou o polegar de Victoria e o pressionou, levando-o à boca para depositar um beijo.

Matheus correu até um armário e tirou de lá um pote de plástico, depositando-o sobre a mesa. Bisbilhotou-o, espalhando caixas de medicamentos sobre o tampo de madeira e, quando achou a caixa de curativos, se apressou em entregá-lo ao tio.

— Deixa que eu termino de cortar isso, Vi. — Falou, enquanto Bruno enrolava um curativo adesivo sobre o corte.

— Foi profundo, essa porcaria. — Victoria parecia constrangida e irritada.

O fato de a madrasta conhecer seu segredo, obviamente, a impedia de prestar atenção em o que quer que fosse.

A bem da verdade, Sara parecia tão afetada quanto a própria enteada. Havia, inclusive, se retirado para o quarto. Viera na cozinha apenas para tirar algumas fotos, mirando Victoria com o canto dos olhos, de maneira desconfiada e ressentida, não a direcionando palavra alguma.

— Pressiona aqui. Você vai ficar bem. — Bruno consolou a filha, depositando-lhe mais um beijinho. — Não é como se suas tripas fossem sair por aqui.

Victoria revirou os olhos e sorriu, meneando a cabeça.

Matheus tomou o espaço que Victoria usava para cortar os temperos para o caldo que seu pai pretendia fazer e se pôs a trabalhar.

A garota se encaminhou para o quarto, deixando Bruno e Matheus a sós na cozinha.

O garoto se sentia nervoso com a proximidade. O tio o observou por alguns momentos enquanto cortava os temperos.

— Então, campeão, o que fizeram hoje.

Matheus sentiu o sangue fugir de seu rosto enquanto as pernas pareciam amolecer.

Ele respirou fundo, tentando mandar o máximo possível de oxigênio para suas pernas para não cair.

— Hoje? — perguntou, nervosamente. — O que fizemos hoje? O que eu e Victoria fizemos hoje?

Bruno ergueu uma sobrancelha ante a reação do garoto, que sentia estar prestes a desmoronar.

— É, Matheus! — o tio deixou escapar uma risada. — O que fizeram hoje? Estão o dia inteiro juntos. Devem ter feito algo divertido.

Matheus temeu a possibilidade de Bruno desconfiar.

— Não, não... — ele negou, meneando a cabeça. — Nada de divertido.

Bruno torceu a boca, claramente desconfiado.

— Não fizeram nada de divertido? — ele inquiriu, incrédulo.

— Bom... Andamos a cavalo! — o garoto falou depressa. — Fomos à lagoa, vimos uma cobra... — Bruno ergueu uma sobrancelha enquanto o garoto enumerava os feitos com meneios de cabeça. — Então, andamos de pedalinho na lagoa grande, voltamos, limpamos a baia da Canela, voltamos para casa para almoçar, pegamos a trilha e subimos o morro. Comemos tucum e, então fomos ao...

Matheus arregalou os olhos, censurando a si mesmo por quase ter contado sobre a invasão às terras dos vizinhos, uma vez que, naquele momento, aquilo não parecia ter sido tão proibido quanto outras coisas que haviam feito.

— ... à chapada no topo do morro. — ele batia com a faca sobre a tábua com força, sentindo a mão tremer. — Então, descemos de volta pela trilha e chegamos em casa.

Bruno o observava, sério.

Ele balançou a cabeça positivamente, torcendo o rosto em um semblante de admiração.

— Se isso é o seu conceito de "nada de divertido", quero andar com você um dia. — Ele riu, se voltando ao que estava fazendo antes. — Um tempo no campo pode fazer bem a Victoria.

O garoto suspirou, aliviado, tentando controlar a intensidade com que seu coração pulsava.

Ele terminou de cortar os temperos em silêncio, matando os assuntos que o tio puxava com respostas curtas e vagas.

Victoria, depois de algum tempo, voltou pelo corredor. Matheus percebeu que ela havia trocado o curativo por um com estampa de gatinhos e, apesar de não parecer completamente tranquila, sorria, trazendo algo felpudo num abraço.

— Eu esqueci de te entregar isso antes. — Ela vinha vindo em sua direção e, à medida que se aproximava, a pelúcia que ela trazia nos braços se tornava mais e mais familiar.

Matheus arregalou os olhos, boquiaberto, quando ela estendeu o brinquedo para ele.

Ele sorriu, atingido por uma onda de nostalgia.

— Magoo? — Ele segurou o coelho, que tinha um semblante irritado e cheio de personalidade. — Não acredito que guardou ele.

Ele sentiu um par de lágrimas se formar sobre as pálpebras inferiores e ameaçar escorregar por sobre as maçãs do rosto, mas, espantou o sentimento com uma gargalhada.

— É claro que guardei, né, seu bocó. — Victoria deu-lhe um tapinha divertido na testa. — Você esquece as coisas por aí.

Bruno se virou para observar os dois e sorria, tão saudoso quanto os próprios.

Antônio veio vindo do corredor. Havia saído do chuveiro e sorria ao perceber o que estava acontecendo.

— Esse coelho está tão sujo quanto eu me lembro dele. — Ele explodiu em uma gargalhada. — E ainda deve estar tão fedorento quanto, também.

Os jovens o encararam, claramente ressentidos e, então, desataram a rir também.

Matheus olhou para o tio e, então, para o pai e, tomado, repentinamente, por uma violenta e insuportável onda de saudades de sua mãe, que havia partido, se atirou contra a prima, abraçando-a e desabando em um pranto silencioso.

— Obrigado. — Sua voz saiu tremida e sussurrada. — Muito obrigado

A pelúcia o inundara de lembranças, trazendo à tona dores e prazeres de uma outra época a qual nunca fora capaz de superar.

— Está tudo bem, Matheus. — Victoria parecia surpresa com a sua reação.

O silêncio se abateu sobre a família.

De olhos fechados, o garoto sentiu os braços de sua prima se apertarem ao seu redor e, logo depois, as mãos fortes do tio e do pai a lhe afagarem a nuca e as costas.

Talvez, eles não entendessem a real importância daquele singelo e antigo brinquedo. Talvez, eles não se lembrassem de quantas vezes sua mãe o havia ponteado para que sua vida útil fosse prolongada. Talvez, ele não despertasse neles as mesmas memórias que despertavam em sua mente jovem. Mas, ele sabia que eles eram capazes de entender o tamanho de sua perda.

Era indescritivelmente bom e intenso tê-los de volta ao seu redor. O garoto aceitou as carícias, permitindo-se um momento de fragilidade diante daqueles que o faziam se sentir seguro e que compartilhavam com ele o carinho por quem já não estava mais ali.

Capturado por um movimento breve em sua visão periférica, ele espiou por sobre o ombro de Victoria, em direção ao corredor que levava ao quarto dos adultos, para ver os olhos exóticos de Sara a espiar por através da porta entreaberta.

Havia, em seu semblante, um sentimento o qual ele não soube definir. Ela não se aproximou.

O fruto proibido ( Erótico )Onde histórias criam vida. Descubra agora