Fardo

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Com um tapa certeiro em seu pescoço, Victoria deu cabo do inconveniente mosquito que a sugava. Ela limpou a mancha vermelha na própria calça, constatando que o inseto havia bebido muito de seu sangue e seguiu Matheus que caminhava, alguns passos adiante, pela trilha que entremeava a mata que cobria o morro que ficava para lá da lagoa onde eles haviam passado a manhã.

A garota estava de bom humor e carregava, no estômago, o entusiasmo que aquela aventura podia lhe trazer. Havia suspense e mistério no ar depois da história que o primo lhe havia contado, achando que ela recuaria. Mal sabia ele que casos misteriosos a motivavam e atiçavam intensamente sua curiosidade.

- E não há pistas de como morreram? - Ela perguntou. - Nada mesmo?

Matheus deu de ombros, afastando, com um facão, um tufo de trepadeiras que haviam crescido e obstruído a trilha.

- Eu era muito pequeno. Não sei direito. Talvez o seu Ricardo saiba. - Se referia ao vizinho, dono das terras onde a família havia sido encontrada. - Mas ele não gosta que subamos até lá. De vez em quando a gente ignora o que ele diz e sobe do mesmo jeito.

Ela o mirou, curiosa.

- A gente, quem? - Perguntou.

Matheus parou e se virou para ela, estendendo a mão para ajudá-la a subir um degrau de pedras escorregadias.

- Eu, o Miguel e o Gabriel. - Ele segurou firmemente a sua mão quando ela ameaçou cair. - São filhos do seu Ricardo. Estudamos na mesma sala.

- Seus amigos? - Ficou curiosa, concluindo que pouco sabia sobre a vida de seu primo.

- Uhum. Vou te apresentar para eles, dia desses. - Os dois avançavam pelo caminho barrento, vestindo galochas. - Eles são gêmeos.

Eles avançaram parte do caminho, que seguia em ziguezague. Apesar da época fria, havia insetos suficientes para fazer Victoria ter de se bater de quando em quando e a quantidade de espécies de aves ali ainda era abundante. A mata nunca era realmente silenciosa. O farfalhar das copas das árvores e o coaxar de sapos e pererecas era constante.

- Do que acha que morreram? - Perguntou, a certo ponto.

Matheus permaneceu em silêncio por um momento antes de responder.

- Acho que foram assassinados.

Apesar de esperar aquela resposta, Victoria arregalou os olhos, sentindo o corpo se arrepiar em alerta.

- Credo! Acha mesmo? Por que?

- Tinha um cara querendo comprar essas terras um tempo atrás, antes de chegarmos aqui. - Ele parou, tentando parecer misterioso. - Nunca conseguiram provar nada. Mas acho que foi ele.

Victoria passou Matheus, tomando a dianteira enquanto ele ficava parado na trilha.

- Faz sentido. - Ela falou, sem diminuir o passo. - Se ele matasse o herdeiro, os velhinhos poderiam concordar em vender a terra por um menor preço.

- É o que eu acho. Só que ele não contava com o fato de meu pai e o velho Quila se conhecerem com o meu pai levando ele no hospital logo depois de encontrá-lo em um barranco, quase morto. Ele e o velho se dão muito bem desde então.

- Sério? - Ela perguntou, parando, ela mesma, e esperando que o primo se aproximasse. - Como foi essa história?

- O seu Quila diz que estava andando de bicicleta, um dia, e teve de se jogar da ribanceira para desviar de uma caminhonete que quase o atropelou. - Contava enquanto encenava usando as mãos. - Meu pai tinha pouco dinheiro na época e, na verdade, estava mais procurando emprego do que terras para comprar. Achou o velho quase morto e desceu o barranco para tirar ele de lá nas costas, num dia de chuva torrencial. Depois disso, ele trabalhou aqui por um tempo como peão e, assim que surgiu a proposta, ele não recusou. Comprou a fazenda.

Aquela história toda fascinava Victoria, que deixava sua mente viajar em teorias conspiratórias, montando um romance policial em seu mundo imaginário, onde ela capturava o assassino depois de uma intensa perseguição, brandindo um laço enquanto montava Canela, vestindo um traje de cowgirl. No fim da história ela e Matheus se beijavam apaixonadamente antes que ela partisse com seu pai, em direção ao sol poente com promessas de retorno.

- Acha que alguém mataria uma família inteira só para reduzir o preço de um pedaço de terra? - Ela ponderou, tentando encontrar furos em sua teoria.

Matheus permaneceu em um silêncio melancólico durante alguns passos, até que se virou para ela.

- Já vi matarem por menos, Vi. - Ela sabia que aquilo era sobre a sua tia, que havia morrido ao implorar pela vida de Matheus durante um assalto.

Ela permaneceu em silêncio por um longo tempo, sentindo-se culpada por sua pobre e insensível escolha de palavras. Levou tempo até que tomasse coragem.

- Me desculpa. - Ela avançou, abraçando o primo pelas costas. Sentiu seu coração acelerar. - Eu sinto muito, Matheus.

Ele se virou para ela e aceitou seu abraço, afundando o rosto em seus cabelos. Ela não fazia ideia do quanto de tudo o que havia acontecido ele ainda se lembrava, mas percebia quão sensível era ao assunto. Se surpreendeu ao ouvir um soluço, baixinho.

- Eu sei que sente, Vi. - A voz do primo estava trêmula. Ele fungou.

Eles permaneceram absortos no abraço um do outro, enquanto Victoria buscava palavras que servissem de acalento.

Nada do que ela dissesse poderia diminuir o fardo que era, carregar uma mágoa daquele tamanho.

- Eu também sinto a falta dela. - Ela se entregou ao pranto, tanto por sua dor pessoal quanto por empatia. - Lembro dela tão bem. Ela era tão linda.

Matheus permaneceu em silêncio, fungando e soluçando. Vê-lo daquela maneira fazia seu coração se partir e Victoria, por um momento, desejou poder pegar parte da dor para si. Não que pudesse. Naqueles momentos de desabafo, tudo o que podia fazer era deixar claro que estava ali para ajudá-lo a se erguer quando o fardo estivesse pesado o suficiente para levá-lo ao chão. Infelizmente, o fardo era dele e dele sozinho. Sabia que não se podia dividir aquele tipo de peso.

O fruto proibido ( Erótico )Onde histórias criam vida. Descubra agora