Eu não sei

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- Ele está se recuperando bem. - afirmou o veterinário, retirando o termômetro do reto do bezerro. - Eu diria que está fora de perigo, mas, mantenham vigília. Ele ainda está frágil. Não deixe ele junto com a vaca por enquanto, exceto para a mama. E não se esqueça de amarrar as patas dela para ela não escoicear o pobre bichinho sem querer. Sabe que a Estrela é fogo... - ele parou e riu da piada sobre o nome da vaca em questão e sobre os corpos celestes, encarando Victoria e Matheus com o canto do olho. - ... Literalmente.

Victoria riu, levando a mão à boca, enquanto Matheus olhou de um para o outro, o rosto torcido em dúvida enquanto firmava as patas do bezerro.

- Na verdade, literalmente, mesmo, seria plasma. - o garoto respondeu, baixinho, voltando logo sua atenção para o animal que se debatia, ressentido.

O veterinário riu mais da correção de Matheus do que da própria piada. Cesar tinha em torno de cinquenta anos e seus cabelos, acinzentados pela idade, rareavam no topo da cabeça. Era um senhor simpático e dado a trocadilhos e piadas sempre que podia. Victoria gostara do homem assim que se conheceram, quando ele fez um comentário gentil sobre os cachos de seus cabelos.

O pequeno animal estrebuchou-se e levantou assim que Matheus desamarrou suas pernas. Escoiceou, saltitando desajeitado enquanto corria dentro do rancho, para longe das pessoas, encostando-se contra o anteparo que o separava da mãe, que comia no cocho, e ali pareceu sossegar.

- Não deixe de dar as vitaminas que indiquei. Você sabe. Até o meio da semana ele já deve estar cem por cento. - ele fez algumas anotações em uma prancheta e se virou para sair do rancho, enquanto limpava o termômetro com um lenço desinfetante.

Os dois acompanharam o senhor até o seu carro. Victoria ouviu Dalila ladrar, estridente, ao provocar Penumbra, enquanto o cão ranzinza parecia querer descansar ao sol.

- E entregue isso ao seu pai. - ele entregou o papel no qual vinha escrevendo ao garoto, que anuiu e levou-o ao bolso traseiro da calça. - Diga-o que pode deixar para o mês que vem, quando for renovar as vacinas do cachorro.

Matheus anuiu, observando Cesar a entrar no carro e dar a partida.

Após fecharem a porteira, quando ele passou por ela, os dois caminharam pela estradinha de terra. Victoria caminhava próxima de Matheus. O ar gelado daquela manhã não abrandara tanto com o surgir do sol e, depois que haviam terminado os afazeres, Victoria começou, gradativamente, a sentir seus efeitos, primeiro nas pontas dos dedos.

- Está frio hoje. - ela constatou. - Ontem estava tão gostoso.

Matheus a encarou por um momento e, depois a puxou contra si, abraçando-a pelo ombro. Ela olhou em volta, vendo seu Quila a mexer em algumas roseiras que beiravam a varanda. Matheus pareceu não se importar que ele os visse daquela maneira, então, ela se deixou relaxar.

- Então, me fala sobre a sua teoria. - o garoto pediu, enquanto caminhavam.

- Hm, Bom. - ela começou, incerta. - Eu acho que D.D. é o aplicativo onde ela usa aquele usuário e aquela senha.

- Hã... - Matheus resmungou, como que pedindo para ela continuar. - Certo. Eu não conheço nenhuma rede social com esse nome. Que dia ela faz aniversário?

Victoria deu de ombro.

- Eu não sei direito. Acho que em setembro. Por que?

- A data da senha. - ele respondeu. - treze de abril de dois mil e... onze.

Victoria riu e olhou para ele, incrédula, percebendo o semblante no rosto do primo mudar à medida que ele mesmo percebia o absurdo que havia pensado.

- Só se ela tivesse dez ou onze anos, gênio. - Ela o encarou por algum tempo, até que ele riu. No entanto, logo seu sorriso se desvaneceu.

Ele balançou a cabeça, parecendo descartar uma outra ideia que havia surgido.

- Não acho que a senha seja importante, Matheus. - ela o tirou de mais um devaneio. - Mas, descobrir que tipo de acesso ela nos dá.

Ela levou a mão ao bolso e pegou seu celular, fuçando-o enquanto Matheus a guiava pela estradinha.

- Sério. Não tem nenhum aplicativo com esse nome. - constatou, frustrada. - Poderia ser um e-mail. Mas também não tem nenhum provedor que eu conheça com esse nome. Ah! Qualé. Eu queria saber mexer melhor nessas coisas. - suspirou. - por um acaso você não sabe fazer essas coisas de hacker, né?

Ele se separou dela quando se aproximaram demais da casa.

- Eu não. Por que eu saberia?

- Ué. - ela encolheu os ombros. Gostaria de continuar no abraço do primo para aproveitar do seu calor por mais tempo, mas, contentou-se com a distância, pelo bem de seu pequeno segredo. - Por que você é todo cheio de talentos.

Matheus a fitou, desconfiado. Um sorriso de canto de boca indicava que ele suspeitava que ela debochava dele.

- O que foi? Você é! - os braços se cruzaram sobre a barriga. - Você sabe fazer de tudo um pouco.

- Não sei não. Não sei fazer bolo... - ele começou a enumerar, contando os dedos. - Não sei fazer acrobacias, não sei cantar ópera, não sei comer sushi com o pauzinho...

- Ué... - ela tinha um sorriso debochado no rosto e lhe deu uma piscadela quando o interrompeu. - precisa tirar o pauzinho para comer?

Matheus parou por um momento, encarando-a, incrédulo e, então, estapeou a própria testa, desatando a rir da piada inesperada.

- Deus do céu... - ele falou entre risadas. - Quem é você? Você só pode estar doente.

Victoria riu junto dele, o que acabou por atrair o olhar e um sorriso do seu Quila, enquanto ele podava folhas amareladas das roseiras. Eles se afastaram da casa em direção ao rancho, rindo.

- Eu acho que peguei do Seu Cesar. - ela cutucou o ombro do primo com uma cotovelada. - E o que mais não sabe fazer?

Ele permaneceu em silêncio enquanto seus passos avançavam. Quando já estava distante o suficiente da casa, Matheus parou e a virou para si, segurando-a pela mão.

- Hm... Percebi que não sei ser feliz sem você aqui.

Victoria estacou. Sentiu sua boca ficar seca e suas mãos tremerem e suarem. Sentiu medo, anseio, segurança e insegurança. Ela não conseguia desviar o olhar do de Matheus, tampouco conseguia obedecer ao que seu cérebro ordenava. "Fuja daqui!" ela ouvia de si mesma. Ela e o primo haviam tido momentos intensos por várias vezes naqueles dias, mas, ainda assim, não estava preparada para aquilo.

- Matheus, eu... - ela queria ter palavras para responder com uma gracinha, mas a vontade de gracejar havia sumido. - eu...

Ele mesmo desviou os olhos dos seus quando a tensão entre os dois pareceu pressionar de todos os lados como a água no fundo do abismo. Victoria ainda estava boquiaberta. Baixou a cabeça, timidamente. Um movimento que, talvez, já não combinasse mais com ela.

- Eu não sei de muitas outras coisas, mas, eu sei quem pode ajudar a desvendar o mistério do aplicativo.

- Ahem! Sério? - ela pigarreou, tentando, desesperadamente, livrar-se do sentimento surpresa. - Pois me diga logo.

Ele revirou os olhos nas órbitas.

- Bom, eu já vi ele desbloqueando alguns sites e programas proibidos na escola como se fosse a coisa mais corriqueira a se fazer. Ele entende tudo de computador.

- Fala logo, Matheus! Está me deixando curiosa.

- O bom é que ele é nosso vizinho. Quer ir lá agora?

Victoria anuiu, freneticamente.

- Eu vou te bater, garoto. - ela cerrou o punho, em ameaça. - Quem é essa pessoa?

- Tá bom, tá bom... é o Miguel.

O fruto proibido ( Erótico )Onde histórias criam vida. Descubra agora