O amor sempre acha um jeito

689 40 9
                                    

O bezerro saltitou alegre e ansioso de um lado para o outro dentro do curral, fazendo com que Antônio risse dos pulinhos desengonçados que ele dava, por pouco não se estatelando sobre a serragem recém trocada que cobria o chão. O animal tinha se recuperado bem e se desenvolvia normalmente, apesar das condições adversas sob as quais tinha nascido. A holandesa malhada havia aceitado docilmente amamentá-lo logo nos primeiros dias e isso tinha sido fator decisivo para a sua sobrevivência uma vez que uma doença havia se alastrado nos úberes da mãe poucos dias depois de seu nascimento.

Antônio estava sentado em seu banquinho a acariciar o enorme mosto para iniciar a ordenha, pensando nos dias que se haviam passado. Não se lembrava de ter um dia visto Matheus tão obviamente feliz e com certo pesar, do fundo do seu coração, temia o que poderia estar causando tal felicidade.

A prima e ele não se desgrudavam desde que ela e Bruno tinham chegado, e na maneira como o filho a olhava, via-se claramente o nascer de um sentimento.

Um impasse se desenrolava em sua cabeça, fazendo-o perder o sono e a concentração e, em dado momento, sabia que teria de ter com o garoto uma séria conversa.

No entanto, temia ter de arrancar dele um momento de felicidade em meio a uma vida, de certo modo, incompleta e aquilo o angustiava.

Nunca esquecia do olhar de tristeza e confusão que ele ostentava no rostinho pequeno quando foi encontrá-lo naquela fatídica noite no hospital. Um dos policiais, conhecido da família, tinha Matheus no colo e tentava consolá-lo enquanto, na sala de cirurgia, a vida de Alice abandonava seu corpo. Antônio correu para abraçar o filho e apertou-o com força. Tentou se manter forte, mas lágrimas de desespero e culpa teimavam em rolar pelas suas bochechas. A notícia do cirurgião soou vaga no rosto pesaroso, mas as palavras "ela não resistiu" entraram em sua cabeça como uma imagem perfeita em meio a um fundo desfocado.

Ajoelhado no chão do hospital com seu garotinho nos braços, Antônio desabou em um choro que levava embora parte de sua própria alma. Segundo o que Vicentino viera a lhe dizer dias depois, tinha uivado em gritos longos e tão cheios de dor e angústia que os estranhos que o olhavam no corredor não conseguiam se manter indiferentes, desabando eles também em prantos compadecidos.

Anos depois, o dia do velório, era lembrado apenas como um vulto. Um compilado meio borrado de sentimentos ruins. Ou uma página rabiscada em um caderno velho. Como se, em um ato desesperado de auto preservação, o cérebro houvesse apagado a lembrança do dia mais doloroso de sua vida pelo bem de sua sanidade. A única memória nítida que tinha daquele dia cinzento e chuvoso, por mais que forçasse, era a do irmão apertando seu ombro enquanto ele contemplava a cova em que a haviam sepultado, chamando-o para sair dali. Não se lembrava de sua amada esposa sem vida deitada no caixão, coberta de flores brancas e amarelas. Não se recordava de seus amigos, que vinham abraçá-lo enquanto ele se esvaía em lágrimas, desejando-lhe as condolências. Nem mesmo se lembrava do choro fino de Matheus ao seu lado durante todo o tempo. Lembrava-se, no entanto, de sentir-se fraco, impotente, culpado e, acima de tudo, vazio.

— Bom dia, pai. — Matheus tirou-o de seu breve devaneio. — Desculpe o atraso.

Antônio olhou para ele enquanto ordenhava seu animal premiado e apenas meneou a cabeça. Tranquilizando-o.

— Bom dia. Está tudo bem. — Antônio forçou um sorriso, tentando espantar as lembranças que, naquele dia, vinham fortes e constantes. — Será que o Miguel e o Gabriel têm muito trabalho para hoje?

Matheus deu de ombros enquanto trocava as botinas por um par de galochas.

— Eu não sei. Posso falar com eles se quiser.

Antônio anuiu, concordando.

— Tem umas coisas para fazer lá no plantio e vou precisar do Diego e do Bruno comigo, então vou te deixar sozinho aqui para resolver as coisas. Se você quiser chamar os garotos, é com você.

O fruto proibido ( Erótico )Onde histórias criam vida. Descubra agora