Somos todos iguais...

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Mateo

Acordei com o som do meu celular, nem percebi que havia dormido, a dor que sentia em meu peito era constante, procurei em volta e não a vi, ela realmente tinha partido. Retirei meu telefone do bolso, esse número quase ninguém tinha, apenas fornecedores e clientes vips, levei um susto ao ver o nome que apareceu na tela.

- Alô? - falei receoso.

- Olá Mateo, fico feliz que tenha atendido, tenho uma proposta para te fazer.

- Depois de tudo o que aconteceu, você ainda tem interesse em fazer negócios comigo Conrado? - perguntei incrédulo.

- Claro, seu pai me ajudou quando mais precisei. Devo isso a ele.

- Qual sua oferta?

- Retomamos o acordo de onde paramos, assim que obtiver os lucros quero 50%. Oferta única, não vou alterar o valor. É pegar ou largar.

Eu infelizmente não tinha escolha, devia agradecer Conrado de joelhos pela oportunidade, pensei que o homem nunca mais olharia na minha cara depois da surra que lhe dei por causa de Amanda. Só de pensar em seu nome  queria chorar, mais uma vez estávamos separados, acho que nossa história nunca teria final feliz.

- Então homem, o que me diz? - Conrado perguntou me tirando do devaneio.

- Eu aceito. - falei sem pestanejar.

- Excelente, amanhã no jantar nós selamos o trato.

- Tudo bem, até amanhã amigo.

- Até. - ele respondeu encerrando a ligação.

Nem me lembrava desse maldito jantar,  o único dia do ano que os comandantes dos cartéis se uniam em "paz", a ocasião perfeita para formar alianças, eu não tinha clima para esse evento, mas era meu dever comparecer.

Raul ficaria surpreso quando dissesse que libertei Amanda, ele queria que a levasse ao evento, já imaginava a cara dele quando soubesse que ela não participaria dessa guerra ridícula. Valia a pena ir nesse espetáculo apenas para ver o desgosto no rosto do velho.

Eu definitivamente definhava em vida, meu amor tinha ido embora levando meu coração com ela. Sentia seu cheiro por toda parte, levantei-me com dificuldade do chão e peguei um dos livros dela no guarda-roupa, talvez se lesse algum a sentiria mais próximo de mim.

Amanda

Nem notei que havia anoitecido, a escuridão da noite invadiu a ampla janela do meu antigo quarto revelando o que eu sentia no âmago da alma, não sabia ao certo se minha decisão tinha sido correta, mas ver Mateo se autodestruir doía demais, e saber que meu pai não pararia enquanto um dos dois estivessem mortos também me machucava.

Levantei-me da cama e ainda sentia o perfume dele impregnado em meu corpo, ouso dizer que mesmo que tomasse vários banhos esse cheiro me acompanharia pelo resto da vida, foi assim nesses últimos dez anos.

Caminhei devagar pelo enorme quarto, mesmo com a luz apagada não pude deixar de notar que tudo estava impecavelmente igual. As paredes brancas constratavam perfeitamente com a mobília luxuosa, as janelas de vidro proporcionavam uma experiência magnífica quando o sol se punha, eu e Mateo costumávamos observar o pôr do sol todos os dias, era um ritual sagrado pra nós.

Aquela lembrança inundou meus olhos de lágrimas, caminhei apressadamente rumo a porta e sai. Corri pelos corredores como se alguém me perseguisse, assim que cheguei no jardim deitei na grama e deixei-a me abraçar como se me consolasse, eu sempre fazia isso quando era criança, lembro-me que papai me observava de longe e quando percebia que  tinha me acalmado se aproximava e me dava seu ombro amigo. Mesmo sendo um mafioso e eu nunca concordando com seu trabalho não posso negar que ele me deu amor. Fiquei encolhida por um bom tempo tentando organizar meus pensamentos, o plano não podia falhar, assustei-me quando ouvi alguns passos, alguém se aproximava em silêncio:

- O tempo passa mas as coisas não mudam não é meu bem? - papai disse com a voz carinhosa.

- Não mudam porque vocês insistem em continuar com essa maldita guerra. - falei em meio a soluços inconstantes.

- Infelizmente Amanda, as coisas não são como queremos e é nosso dever manter a ordem.

- Que ordem? Uma briga eterna que se estende a anos, o pivô dela nem está mais entre nós. A mamãe já morreu faz tempo pai, esqueça o ressentimento e encerre isso. Eu amo o Mateo, não é justo que nós dois  sejamos afetados por erros que vocês cometeram, estamos no meio dessa  guerra que nem mesmo  travamos. - disse desolada.

- Desculpe filha, mas o amor não leva ninguém a lugar nenhum, errei quando fui benevolente e deixei que Alberto saísse vivo dessa casa e sinto lhe dizer que não vou errar de novo. Você é jovem e vai se apaixonar novamente ,tenho certeza, o Lucas é um ótimo rapaz. Quem sabe vocês não se entendem?

- Eu prefiro a morte a ter algo com aquele escroto - falei com raiva.

- Cuidado com o que deseja, querida, convivendo juntos acabarão criando um vínculo, com o Mateo não foi assim?

- O Mateo é muito diferente do Matarazzo papai.

- Não é não, o amor cega as pessoas e mascara a verdadeira identidade de cada um,  nunca imaginei que sua mãe fosse uma víbora, mas ela era, no fundo, mafiosos ou não somos todos iguais, só pensamos nos nossos próprios interesses.

- Não concordo, Mateo é justo, se ele fosse como o Lucas eu provavelmente estaria morta, mas não, ele me libertou e agora  estou aqui.

- E é exatamente por esse motivo que a vida dele será poupada. Venha, essa conversa não vai nos levar a lugar algum, vamos entrar, está frio aqui fora e não quero que adoeça, Helena levará suas novas roupas até seu quarto, espero que goste. O jantar será servido as 20:00, pedi que fizessem seu prato preferido.

- Lasanha de frango. - falamos em uníssono.

Mesmo com a tensa situação consegui dar um breve sorriso.

Raul Gonzalez se aproximou e beijou minha cabeça com ternura, ali eu reconhecia apenas meu pai, o homem que me protegia e era apenas ele que eu queria ver. Será que realmente não enxergava o verdadeiro Mateo por amá-lo?

Aquelas palavras mexeram demais comigo, adentramos novamente para mansão silenciosa, papai foi ao seu escritório e eu subi para o quarto, necessitava urgentemente de um banho, abri a porta e me deparei com várias sacolas no chão e em cima da cama uma caixa prateada, se tivesse quinze anos me sentiria no paraíso, retirei a tampa da embalagem e me surpreendi, desdobrei o vestido vermelho de seda, tinha um decote cavado nas costas , era longo do estilo sereia e se adequaria bem a ocasião, uma peça impactante pra destruir o coração do homem que amo, só de imaginar a decepção no rosto de Mateo meu sangue gelou, eu seria a traidora e pela lei dos cartéis o traidor tem que morrer.

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