Capítulo 2 - O nascimento de Mariane

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Depois de encontrar o lugar ideal, teria que fazer uma transformação, dar um up no visual, comprar roupas que mostrassem mais meu corpo e destacassem minha beleza, escolher um nome, encontrar um apartamento para me preparar nos dias em que fosse trabalhar. O último passo, mas não o menos importante era ter um cartão de visitas, uma marca, algo que chamasse atenção.

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Já fazia um mês desde que eu decidira começar uma vida dupla. Durante esse tempo fui à academia todos os dias e estava vendo o progresso no meu corpo, a definição. Não poderia mais me descuidar, pois, a partir daquele momento, meu corpo seria meu instrumento de trabalho até concluir o curso, e me tornar médica, ou, quem sabe, até antes disso.

Peguei o contato que tinha no site de acompanhantes de luxo para saber o que era preciso para me cadastrar.

Engolindo qualquer vergonha que poderia sentir, liguei, falei com o atendente, que se identificou como Mauro.
Depois de alguns minutos de conversa ele ainda teve audácia de falar:

-- Se a senhora não fizer o perfil do site, teremos que devolver seu dinheiro.

-- Tenho certeza que faço o perfil desse e de qualquer outro site. Não sabia que acompanhante tinha que ter perfil, mas pode ficar tranquilo. - Eu deveria ficar calada, mas foi mais forte que eu, já estava ali, ligando, vulnerável, o que mais eles queriam? Eu pagaria pelo serviço deles, não estavam me fazendo nenhum favor.

No fim das contas, o atendente deu todas as informações e ainda me passou o telefone da melhor fotógrafa que o site tinha. Ela tinha referência, por já ter fotografado várias das meninas.

O cadastro era simples, nome, idade, perfil, algumas fotos, o que fazia (as posições e manobras sexuais que topava fazer), se atendia casais, homens, mulheres, etc.

O preço era fixo, R$500 a hora, fora o motel. Para ser cadastrada, eu teria que pagar uma quantia também de R$500 por mês ao site. Era um verdadeiro "cabaré" virtual, ofereceriam meu corpo em troca de dinheiro, tal qual uma roupa numa vitrine, que você olha, admira, deseja, compra e usa.

Eu seria um pedaço de carne e, daquele momento em diante, venderia meu corpo, minha imagem, meu tempo. E tudo em que conseguia pensar era em fazer de tudo para aguentar essa barra sem pirar.

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O meu cartão de visitas seria meu próximo passo. Optei por fazer uma tatuagem nada convencional para uma garota de programa: um dragão todo colorido nas costas.
Fui ao tatuador, escolhi a arte e fiz a primeira sessão. O desenho ficaria todo pronto em pouco mais de um mês.

A cada sessão, a dor me fazia refletir se era mesmo aquilo que queria. Eu gostaria que tudo fosse diferente, queria poder escolher de verdade, e, não, ser levada pelas circunstâncias.

Na mudança de visual investiria pesado.

Escolhi Carlos Alexandre, o cabeleireiro mais badalado de Recife. Depois de muitas tentativas, consegui uma hora com ele.

-- O que você quer mudar?

-- Quero clarear os cabelos e preciso de um corte com mais movimento e que me deixe mais sexy.

-- Eu sei exatamente o que você precisa, amore, deixe comigo.

Essas foram as únicas palavras de Carlos, ele me virou de frente para ele e de costas para o espelho e começou minha transformação.

Uma hora depois, eu estava olhando para aquela mulher no espelho, e ela não se parecia comigo. Ficou mais bonito do que poderia imaginar, tinha acertado em cheio ao procurar o Carlos, ele realmente fazia jus à fama.

Minha única dúvida era: depois de passar por isso tudo, será que eu ainda iria me reconhecer?

Depois de sair do salão, fui às compras, roupas, sapatos, esmaltes, calcinhas, soutiens, lingeries e uma lente de contato castanha. Sim, uma lente, faria parte do personagem que eu iria criar.

Já havia alugado o pequeno apartamento, e minhas compras iriam direto para lá, não queria levantar suspeitas em casa.

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A mentira nunca é a melhor opção, mas o que poderia fazer? Iria dizer o que?

"Mãe, a gente ta sem grana, e eu vou virar michê. Mas não se preocupe, vou usar camisinha e ganhar muito dinheiro. Com um pouco de sorte posso sair dessa em pouco tempo"

Claro que não! Nunca poderia contar a meus pais. Meu pai teria outro infarto e passaria dessa para uma melhor. Eu precisava mentir, e a mentira tinha que ser boa e convincente.

Arquitetei por um bom tempo a desculpa. Repeti tantas vezes na frente do espelho, que estava tão convincente ao ponto de minha mãe dificilmente suspeitar.

-- Mãe, lembra do professor que está me orientando no projeto de iniciação científica?

-- O que tem?

-- Ele me ofereceu um trabalho no hospital universitário, vou ajudá-lo nos plantões de sexta, sábado e domingo, só chegarei à noite no domingo. O salário é muito bom para uma estudante, vai dar pra ajudar aqui, em casa. Ele está me oferecendo um pagamento muito bom.

-- Juliane, não sei, quando a esmola é muita, o santo desconfia. Quais as intenções desse homem?

-- Mainha, por favor, né! Ele é um homem idôneo, casado, tem idade para ser meu avô. -Esperava que ela não fizesse mais perguntas.

--Sendo assim, graças a Deus, minha filha, eu já não sabia mais o que fazer. Seus irmãos estão me ajudando, mas a situação difícil, e ainda tem os remédios do seu pai.

-- Não se preocupe, mainha, nossa vida vai mudar, e é para melhor.

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Todo ator precisa de tempo para criar o seu personagem, e eu já tinha tempo o suficiente para definir os traços da minha. Já tinha pensado em tudo, aparência, cheiro, voz, etc.

Saí da ultima sessão de tatuagem na sexta-feira, dia de "plantão". Fui direto para o apartamento criar minha personagem, já tinha escolhido o nome: Mariane.

Já tinha tudo que precisava para colocar em prática o plano. Comprei um chip de celular que não tinha relação comigo, nunca seria identificada através dele. Ninguém poderia jamais ligar o número à minha pessoa.

Agora só faltavam as fotos e o cadastro.

Vesti-me com uma lingerie vermelha, coloquei a lente de contato, soltei o cabelo e me olhei no espelho. Virei de costas e vi o dragão, a malhação estava me fazendo bem, o contorno do meu corpo estava deslumbrante.

Por fim, coloquei um vestido, e, naquele momento, nasceu Mariane.

Naquele momento tinha traçado meu destino, e, a partir do momento em que jogamos uma carga no universo, temos que estar preparados para arcar com isso.

Eu sabia que um dia Mariane poderia me causar problemas, mas era um risco que precisava correr, precisava daquilo tal qual uma planta que precisa do sol.  Estava ciente de que para cada escolha há uma consequência, porém, não tinha volta.

Tratei de ligar para a fotógrafa e marcar as fotos para a outra semana, no sábado. Agora era só esperar.

Ela havia marcado de me pegar próximo ao meu apartamento, às 3h, e me levar para fazer as fotos na praia do Paiva.
As fotos iriam me custar R$500, o preço de um programa. É bom esse plano dar certo, caso contrário, estou perdida.

Minha poupança está quase zerada, então tudo tem que dar certo. E, em se tratando de positivismo, nós, sagitarianos, somos os melhores.

Continua...

O que há dentro do dragãoOnde histórias criam vida. Descubra agora