Capítulo Dois - Inesperado

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Charlotte sentou na varanda da casa da senhora Ornet, acompanhada por ela e Harry, que estava ao seu lado. Os três seguravam xícaras de chá e comiam biscoitos amanteigados, quase que despreocupadamente, simplesmente analisando a situação e fingindo que acreditavam nas lágrimas que a maioria derramava, muitos ali só estavam fingindo se importar, mas o trio sabia que se sentiam gratos intimamente por não ter sido ninguém de suas famílias. Obviamente era um sentimento compartilhado por todos aqueles que permaneciam vivos, todavia Char não tinha paciência para fingir, não naquele dia, foi o que a fez manter distância de todos, mesmo que Suzana tenha pedido companhia para ir ao cortejo fúnebre.

-Jennifer era uma boa menina. —Amélia comentou vagamente e depois suspirou, percebendo como eram encarados.

-Parece que os bons tendem a ir mais cedo. —Char respondeu tão vagamente quanto a velha à sua frente.

-Bem, as vezes precisamos ser um pouquinho mais levados por isso, não é? —Amélia soltou um risinho. —A vida é curta demais, meus queridos, por tanto vocês devem aproveitá-la enquanto tem a possibilidade.

-Muito curta. —Char concordou e olhou para a direção que levava a Floresta, quase sentindo que algo a chamava de lá.

-Você parece preocupada, Charlotte. —Senhora Ornet não costuma chamá-la de Chapeuzinho no dia-a-dia, a não ser quando desejava zombar, ela sabia que a menina não era grande apreciadora do apelido, por isso tendia lhe chamar por seu nome quando tinham uma conversa séria.

-Somente... Pensativa. –Ela escolheu cuidadosamente as palavras, como de praxe.

-Imagino que deva ser frustração. –Harry comentou brincalhão.

-E por que? —A mulher riu quando Char perguntou, totalmente desinteressada, e viu Harry dar um sorriso.

-Porque você deixa que as pessoas coloquem muita esperança em você, menina. Em algum momento isso cansa e você sabe bem. —Amélia riu de novo ao soltar as palavras. —Já fui assim e é por isso que sei de onde vem toda essa frustração. –Char rolou os olhos e deu um gole no chá. –Mas sabe, eu realmente não suportava que todos me olhassem e só notassem a garota boazinha e gentil, esquecendo o resto.

-Realmente, as pessoas acabam esquecendo o quão inteligente e forte a Charlotte é, senhora Ornet. —Harry concordou. —Só veem a Chapeuzinho Vermelho.

-A menina que todos viram crescer, que é amável e inofensiva. —Char disse e depois bufou, mas deu um sorrisinho amável, fingindo e os dois riram. –Sou o exemplo de garota que todas as meninas devem seguir.

Apesar da fala mansa, era evidente o deboche e olhar intenso, que deixava claro o quão longe da realidade era aquela percepção rasa que os moradores de Ventanis tinham em relação a ela. Charlotte Brand era a pior pessoa a ser tida como exemplo de afabilidade, embora poucas pessoas tivessem esse conhecimento.

-Você é inteligente em deixar que vejam só isso. —Amélia disse. —Assim não colocarão expectativas que não devem em você.

-A intenção é essa. —Charlotte e Harry falaram ao mesmo tempo.

-Ser inofensiva e ingênua é o que me salva. –Ela comentou de leve. –Sem falar que assim eles só irão continuar a ver o que eu quero mostrar, nada além. –Falou com indiferença.

Amélia sorriu de canto, por viver sozinha os dois jovens acabavam passando muito tempo de seus dias em sua companhia, lendo seus diversos livros, comendo juntos e falando por horas a fio, aprendendo o que a mulher mais velha tinha a ensinar, sendo uma excelente conhecedora da cultura de Vonex. E não seria diferente naquele fim de tarde, mesmo com muitos chorando as onze mortes em Ventanis. Chá, biscoitos e conversas. Um típico dia entre eles.

Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho (Livro Um)Onde histórias criam vida. Descubra agora