Capítulo Cinco - Tempestade

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Por dois dias de viagem, Char e Alfred não trocaram mais nenhuma palavra, mas ainda estudavam silenciosamente um ao outro. Ele fingindo não a notar e ela oferecendo o mesmo em troca, contudo sabiam sempre onde encontrar o outro e começavam a perceber como cada um agia em determinadas circunstâncias. Como o fato de Alfred simplesmente se desligar do mundo ao tocar e se perder na magia que a melodia lhe proporcionava ou em como Charlotte tinha fascínio pelo vento e pelas estrelas. Aparentavam não se ver, todavia estavam se enxergando mais do que nunca imaginaram fazer.

A caravana seguia pela estrada poeirenta e a menina bufou, puxando o capuz vermelho e escondendo o máximo possível de seu rosto, tentando evitar a poeira e a visão de Marília, que por alguma razão adorava provocá-la e tentava a todo custo chamar a atenção de Alfred, algo que não saia como parecia planejar.

-Você poderia me ensinar aquelas canções. —Marília dizia pela décima vez no dia para Alfred.

-Não vou ensinar as minhas músicas. —Esclareceu e apesar da suavidade, parecia começar a perder a paciência. —E chega disso Marília, você tá tão cansada de tentar quanto eu de dizer não. Já está ficando irritante.

A mulher bufou e Char a viu mexer na ponta do cabelo loiro de modo irritado, mas fechou os olhos e conseguiu que o capuz escondesse até seu nariz. Estava sentindo a necessidade de se alongar, contando os minutos para que a hora do jantar chegasse e eles encerrassem aquele dia de viagem exaustivo.

-Você é irritante e nada cavalheiro.

-Ótimo, então agora me deixa em paz. –O rapaz revidou, já sem paciência.

Charlotte prendeu o sorriso e se encostou o mais confortável que podia. Já se acostumara aos balanços, solavancos e trancos que a carroça dava repentinamente, que mesmo com a precisão de se alongar, estava quase dormindo quando Alfred começou a dedilhar seu alaúde, ele não tocara ao redor da fogueira nas últimas noites, todavia sempre tocava durante a viagem e ela notou que gostava da verdade que ele passava em suas canções. Charlotte o escutou tocar cinco músicas antes da caravana parar.

-Hora de montar acampamento. —Jonas alertou, mais a mérito de ter o que falar do que para realmente esclarecer o porquê haviam parado. —Parece que a menina dormiu.

Char havia desistido, graças as canções tocadas por Alfred, de sair para se alongar, estava confortável o ouvindo e sem vontade de contestar o que Jonas dissera, se achavam que ela estava dormindo, que permanecesse daquela maneira. Era a primeira vez que Charlotte podia dizer se sentir ela mesma em um grupo que não era o de seus amigos, já que não se importava minimamente em fingir.

-Deixe-a. —Alfred falou e voltou a tocar.

-Até parece que ele se importa com alguém. –Marília resmungou enquanto pulava da carroça.

Charlotte percebeu que todos os outros se afastaram da carruagem, menos Alfred e sua canção, contudo não o interrompeu de início, permitiu que ele finalizasse uma, que lhe dava uma sensação de felicidade, mas que parecia querer lhe fazer derramar algumas lágrimas, como uma lembrança muito boa, contudo que fazia falta. Era essa a sensação, uma boa nostalgia.

-Você toca bem. —Disse ela, sem nem mesmo se mexer, assim que ele iniciou outra. Alfred ignorou o comentário e continuou a tocar aquela música até o fim, quando terminou ele a encarou, percebendo que ela ainda tinha a metade do rosto encoberto pelo o capuz vermelho.

-Estava me questionando quanto tempo iria continuar a fingir estar adormecida e quanto tempo seu silêncio iria durar. —Falou ele e ela sorriu de canto.

Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho (Livro Um)Onde histórias criam vida. Descubra agora