Capítulo Doze - A Noite dos Monstros

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  A vontade de Charlotte era sentar em um canto e esperar não ser notada, porém sabia que isso seria estupidez, ela ponderou por um momento, depois soltou o ar lentamente pela boca e começou a caminhar, se guiando pelos uivos, sempre que sentia estar perto demais, seguia em outra direção, o coração parecia querer explodir dentro do peito. A garota sentia como se seus pés fossem feitos de chumbo, quanto mais silenciosa tentava andar, mais parecia que os galhos e folhas secas no chão estavam dispostos a fazer barulho, a fazendo sentir a prata do colar fria em sua pele, que estava tão quente que aparentava estar febril, embora suasse frio e as mãos estivessem gélidas de pavor.

Char sabia, de alguma forma, que Eles não estavam mais na Floresta, que estavam espalhados nas Vilas, caçando. O que a fez começar a correr por entre o labirinto de árvores, ela sabia que deveria ter passado no máximo uma hora, porém parecia muito mais, os músculos de suas pernas estavam doloridos com o esforço que fazia para chegar a algum lugar mais protegido. Enquanto corria Charlotte recordou da primeira Lua Cheia de seus 14 anos, fora a última vez que se deixou dormir na Noites dos Monstros e a primeira vez que caminhou até Eles. Embora já tivesse passado por situações perigosas em relação aos Lobos sempre que adormecia nas noites de Lua Cheia, nunca havia andado para eles, não até aquela noite. Era uma lembrança com vários vácuos, mas desde que isso acontecera, sabia que jamais poderia dormir em uma noite como aquelas e era por isso que Harry ficava nas noites de Lua Cheia com ela, para evitar que adormecesse ou para lhe segurar caso ocorresse.

Quando tudo ocorrera, Charlotte estava em seu quarto dormindo enquanto sua mãe fazia a vigilância na sala. Sempre houve um grande vão nesse meio tempo, pois a única coisa que ela recordava era de estar do lado de fora de seu quarto, ainda ao lado da janela aberta e encarando os Lobos saírem da Floresta e um deles vê-la, começando a vir imediatamente em sua direção e ela ter gritado por Suzana, despertando completamente do torpor do sono enquanto escalava a janela novamente. Sua mãe chegara em seguida e atirou no Lobo que estava mais próximo, entretanto já havia atraído muitos outros, trancaram a janela da melhor forma possível e correram para o porão, que a fazia recordar mais de uma caverna no solo com uma porta extremamente grossa e pesada, onde sua mãe guardava armas e outras coisas que a menina nunca soubera ao certo do que se tratava.

Charlotte sempre achou, mesmo cética em relação a Deus, que de certa forma fora um milagre ter sobrevivido e nunca compreendeu ao todo o que ocorreu naquela noite, porém sempre que tocava na história com Suzana, ela ficava desconfortável e mudava de assunto, inicialmente Char achara que isso se devia ao fato de quase ter morrido, contudo, com o passar dos anos notou que havia mais que isso, algo que Suzana escondia a sete chaves, como metade de sua vida. Diante o pensamento Charlotte suspirou, não era hora de lembrar daquilo, precisava achar um lugar para se esconder enquanto os Lobos estavam longe e ela tinha um breve espaço de tempo para se sentir relativamente segura.

Char se arrependeu de ter tomado aquele caminho assim que entrou na pequena clareira. Sentiu a perna fraquejar e o estômago embrulhou, ela se virou para o lado, se deixando cair de joelhos e vomitou tudo o que tinha e não tinha no estômago, as lágrimas banhando seu rosto. O cheiro de sangue era enjoativo de modo doentio e a brisa trazia até onde ela estava. Assim que se sentiu mais calma, limpou a boca na manga da camisa e se colocou de pé, a capa farfalhando e inflando com a força do vento, Char se obrigou a olhar em volta, o homem estava com a barriga dilacerada e as vísceras a mostra, grande parte de seu corpo rasgado, mas não todo. O rosto deformado tornava impossível identificar qualquer traço, provavelmente fora o primeiro aperitivo daquela noite para os Lobos. E em meio a sua análise, Charlotte viu o cano brilhante na mão mordida, todavia uma das partes mais inteiras do sujeito. Era um revólver, notou, e se ela tivesse sorte também teriam balas, seu pai a ensinara a atirar quando tinha por volta de oito anos, era quase lei as crianças das Vilas saberem manusear uma arma para se defender dos Lobos, caso houvesse necessidade.

Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho (Livro Um)Onde histórias criam vida. Descubra agora