Capítulo Vinte e Três - Sozinha

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O fim da tarde estava agitado do lado de fora da casa, Charlotte sentia isso, assim como ouvia as vozes frenéticas e nervosas, era noite de Lua Cheia. Ela estava andando de um lado para o outro no quarto, não poderia nem imaginar que horas eram aquilo, mas sabia que não estava longe da hora dos Lobos, logo uivos seriam ouvidos por todos os cantos e o odor de medo iria exalar por todo o Vale Vermelho, mesmo os moradores das casas de pedra, mais seguras que as comuns, eram inteligentes de temê-los.

-Char. —A voz a fez se sobressaltar e Alfred sorriu. —Calma, sou eu. –Charlotte respirou fundo e sorriu um pouco, finalmente encarando-o e se libertando das amarras que vinha sentindo durante todo aquele dia.

-Não conseguiu ficar longe de mim? –Brincou.

-Sabe que seus encantos me atraem. —Zombou e ela riu.

-Está quase na hora, não é? –Alfred se sentou em uma das cadeiras vazias e indicou a outra, a sua frente, para ela. Char suspirou, mas se ergueu da cama e se juntou a ele.

-Sim, pouco menos de três horas. —Char mordeu o lábio inferior.

-Vai ficar aqui? –Alfred viu os olhos verdes brilharem e lhe sorriu, era um desejo que não podia realizar.

-Não, não ficarei. —O fogo pareceu murchar e ele sentiu um gosto amargo na boca por causa disso.

-Entendo.

-Mas você ainda tem tempo o suficiente pra me falar o que está acontecendo entre você e Kyle. —O tom divertido de Alfred a fez sorrir e rolar os olhos.

-Não sei do que você está falando.

-Você sabe muito bem. —Assegurou, pegando um pedaço de queijo, o qual Kyle fez questão de colocar ali antes de desaparecer.

-Você quer mesmo saber, Alfred? —O tom foi debochado e divertido, enquanto o via comer.

-É por isso que estou aqui. —Brincou.

-E eu achando que era por minha companhia. –Char o viu fazer careta e bufar.

-Você está se achando muito, Chapeuzinho. —Ela riu do tom que ele usara. —Mas eu quero uma resposta séria agora. —O olhar dele confirmava o que lhe dizia.

-Pergunte.

-O que você tem?

Char pensou em milhares de respostas para àquela simples questão, contudo nenhuma parecia a certa ou suficiente. Ela estava jogando, mas havia algo, talvez a própria Lua Cheia, que lhe sussurrava que Alfred estava a seu lado, apesar de tudo que vinha escondendo poderia confiar no homem de olhos castanhos e que a fazia rir com facilidade.

-Eu ainda não sei em quem posso confiar. —Ela disse por fim e ele ergueu uma sobrancelha, a encarando fixamente.

-Não sei se é válido, mas se precisar de algo, eu estou aqui, Chapeuzinho.

-Está mesmo? –Alfred se inclinou sobre a mesa e sorriu para a menina de lindos olhos verdes, ele não estava fazendo uma promessa falsa, o sentimento era verdadeiro.

-Já te decepcionei uma vez, não quero fazer novamente. –Char sentiu um calor lhe subir pelo peito e sorriu para Alfred.

-Não prometa o que não irá cumprir, Alfred.

-Eu não costumo fugir a minhas promessas. —Assegurou e ela sorriu, vendo os lábios dele repuxarem mais nos cantos.

-Sabe de uma coisa que eu estou sentindo falta? —Questionou ela de repente, querendo mudar de assunto e ignorar o nó em sua garganta.

-Tenho que certeza que sei. —Respondeu sorrindo e se encostando na cadeira. —Música.

-Exatamente! —Confirmou. —Quando você trará seu alaúde para tocar?

-Quando Kyle permitir que você receba visitas. —Debochou e ela bufou, deixando a diversão desaparecer de sua expressão.

-Ele não é nem louco de proibir você de vir me ver novamente! —A raiva estava explícita na voz dela.

Charlotte ficou furiosa quando soube, ironicamente por meio de Christopher, que Alfred ficara três dias sem ir vê-la, desde o dia em que chegara ao Vale Vermelho, porque Kyle simplesmente não o queria em sua casa. Ela se enfureceu ao ponto de, literalmente, deixar o rapaz no canto da casa a encarando de boca aberta e olhos assustados.

-Ainda não entendo o que você fez para que ele fosse me pedir desculpas hoje. —Alfred falou rindo. —Kyle não é um homem de fazer isso.

-Eu só disse que se ele tentasse afastar a única pessoa em que confio dentro desse maldito Vale, ele se arrependeria amargamente. —Char recordava que fora uma briga bem pior, mas Alfred não precisava saber todos os detalhes. —Eu estou presa aqui, Alfred, mas não sou um objeto privado e Kyle tem que lembrar disso da próxima vez que achar ser meu dono e decidir com quem devo falar ou não. —Ela prendeu o cabelo em um coque. —Ele já me deve muito para querer aumentar essa conta comigo. –Alfred viu o gelo passar nos olhos dela, achava intrigante e interessante o poder daquele olhar, que ia de um fogo que incendiaria em segundos, para um que, na mesma velocidade, congelaria tudo.

-Não sei o que ele te deve, mas nunca vi alguém tão furioso ao dizer um "Ela quer vê-lo." —Alfred imitara a voz furiosa de Kyle e a menina gargalhou animadamente.

-Eu posso não saber em quem confiar Alfred, mas não desconfio de quem já me deu provas antes. —Eles trocaram um sorriso. —Kyle pode me ter aquecendo sua cama, mas não sou dele. –Alfred digeriu as palavras e sorriu pra ela.

-Eu não disse que vocês estavam juntos? —Char abriu e fechou a boca, notando somente naquele instante que dissera estar com Kyle, por fim deu de ombros.

-Bem, não creio que conseguiria esconder por muito tempo isso. —Falou por fim.

-Não sei o que você tá aprontando, Chapeuzinho, mas tenha cuidado, certo? —Char sorriu.

-Eu sempre tenho cuidado.

-Não minta tão descaradamente! –Eles riram e ficaram em um confortável silêncio.

-Alfred? —Ela chamou após um momento relativamente longo.

-Sim?

-Você sabe o motivo de eu estar aqui? –Char viu a cor sumir do rosto dele. Sim, Alfred sabia.

-Sei. —Ele disse, encarando a mesa e falando baixo.

-E?

-Eu gostaria que você também soubesse. —Passou as mãos no rosto, exasperado. —Mas eu não posso falar.

-Por que? —Era irônico como ela acreditava nele.

-Você ficaria com raiva se eu dissesse que também não posso revelar isso? —O sorriso que ele dava não trazia diversão, sim irritação.

-Eu vou confiar em você. —Ela decidiu e ele finalmente voltou a encará-la. Alfred sentiu uma angústia pesada lhe abater e baixou a cabeça, era uma terrível frase a que Char usara, pois sabia não ser digno daquela confiança toda.

-Eu...

-Eu sei que você está me escondendo algo, Alfred. —Ele ergueu os olhos e encontrou os dela, calmos e sábios. —Sei que você, assim como Christopher, sabe exatamente o que está acontecendo e como, assim como parecem se preparar para que quando eu descubra, as coisas desabem sobre vocês. —O fogo voltou a dançar nos olhos dela. —Eu só espero ser um forte motivo.

-Só posso dizer que Christopher está usando tudo o que pode para que você descubra o mais rápido possível.


Charlotte estava completamente sozinha no quarto, mas sabia haver alguém na sala, assim como já escutava os uivos ao longe e alguns bem perto. Mas pela primeira vez, desde que realmente compreendia o que os Lobos eram, não sentia um medo tão desesperador, pois ainda estava com a conversa que tivera com Alfred rodando em sua cabeça. Independentemente do que Kyle quisesse dela, o outro homem não parecia tão satisfeito.

Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho (Livro Um)Onde histórias criam vida. Descubra agora