Capítulo Sessenta e Quatro -Temores e Única Ordem

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Charlotte sentou ao lado de Alfred, encarando um espaço vazio a frente, tudo menos os olhos do rapaz, precisava organizar as ideias antes de expor qualquer pensamento. Era difícil não conseguir se expressar com facilidade, sempre odiara não conseguir dominar sua mente, achava até idiota o fato de não ser dona do próprio raciocínio, contudo vinha tendo dificuldades nos últimos tempos, bloqueios em seu entendimento do que passava em sua própria cabeça, por tanto tornava a concentração mais complicada e deixava seus sentimentos mais livres e consequentemente mais selvagens.

-O que está atormentando sua mente, Char? –Ele questionou de modo delicado, vendo a dificuldade que ela estava em se expor.

-Eu não sei ao todo. –Ela foi franca. –Mas muitas mudanças repentinas, minha mente está cheia de imagens que eu não reconheço, cheia de nomes e rostos que nunca vi... –Ela respirou fundo. –Eu não sei mais o que eu tô sentindo, Alfred, a verdade é essa, a única coisa que eu ainda sei, é que eu tenho sentido medo dessas mudanças e do que vejo. –Alfred segurou a mão delicada da menina entre as suas, a fazendo suspirar, mas não o encarar, Charlotte parecia querer esconder o que estivesse em sua mente.

-Qual a mudança que você mais teme? –Alfred foi tão gentil que ganhou o olhar dela, que suspirou e tocou levemente o rosto dele com a mão livre.

-Temo me perder, Al. –Ela foi honesta em cada movimento e respiração. –Temo perder minha própria essência ao entrar nesse mundo que me aguarda e ao me tornar o que preciso pra salvar os Feiticeiros. É isso que mais temo, me perder. –Alfred ponderou enquanto ela baixava a mão.

-Não sei se é de grande ajuda, mas você pode me falar qualquer coisa, sabe disso não é mesmo? Você não está sozinha, Charlotte. –Ela deu um sorriso triste. –E se você se perder, eu ajudarei a reencontrar a verdadeira Charlotte.

Char realmente estava preocupada em se perder, em se quebrar ao permitir que a ira da mulher de olhos cor de gelo a dominasse, ao deixar que toda a fúria que vinha crescendo dentro de si mesma a tomasse e ela machucasse alguém que amava, porque sabia que iria ferir pessoas para salvar os seus, só se assustava com quem seriam esses indivíduos e quão fundo teria que entrar na sordidez de sua mente para se juntar a toda a sujeira e imoralidade daqueles que precisava derrubar. Charlotte sempre guardara essa parte mais obscena de si mesma, sabia que determinadas perversidades deveriam ser contidas, contudo ao aceitar o dever que lhe foi proposto, ao descobrir quem era e de onde vinha, sabia que teria que abrir mão de parte desse controle e deixar sair o que sempre ocultou, deixar a mostra a verdade mais cruel e desprezível de sua mente, deixar a Anciã selvagem e atroz sair para o banho de sangue que previa que se seguiria no momento em que abandonasse a familiaridade em que se adaptou dentro do Vale Vermelho ou do Vilarejo dos Anciãos.

-Eu conto com isso, Lobinho. –Ela encarou Alfred. –Eu realmente espero que no momento necessário você me pare, independente de como terá que fazer. –Alfred sentiu o frio gélido da autorização de matá-la subir por sua coluna, a boca ganhando um gosto amargo e corrosivo. Isso o fez respirar fundo.

-Char...

-Alfred, eu preciso dar uma única ordem a você. –Ela disse diretamente, os olhos verdes fixos nos dele, o que fez o homem não querer escutar.

-Charlotte...

-Alfred. –Ela o cortou e ele cerrou os dentes.

-Eu não posso deixar você me dar uma ordem que eu sei que pode machucar você. –Ele informou seriamente. –Você entende isso, não é? –Char sorriu, ergueu novamente a mão e acariciou a bochecha do rapaz.

-Isso não vai me machucar, mas libertará você.

-Como? –Ele ficou confuso.

-Minha ordem é simples, Alfred. –Ela o encarava abertamente, despida de qualquer máscara que sempre usava para esconder seus desejos. –Eu preciso que você nunca ouça minhas ordens, eu preciso que você sempre pense por si mesmo, não pelo impulso de obedecer, eu preciso de você sendo você, não um Cavaleiro cego que me segue sem questionamento. –Alfred se surpreendeu com a ordem. –Eu quero você sendo simplesmente você, Alfred. Minha única e exclusiva ordem é que você não me siga por dever e nem faça o que não desejar. Minha ordem é que você nunca ouça minhas ordens de maneira cega só por ser seu dever.

Filhos do Império - Chapeuzinho Vermelho (Livro Um)Onde histórias criam vida. Descubra agora