7. Uma Garota Muito Simpática (Parte I)

715 93 32
                                    


A noite gélida da quarta-feira veio acompanhada de um céu desestrelado. Deitado em sua cama, o olhar fixo de Ronan trespassava o vidro retangular da janela, perdendo-se na imensidão escura enquanto a coberta de algodão lhe trazia o calor necessário para espantar o frio que vencia as quatro paredes de tijolos. Até devaneios virem lhe privar do sono preliminar, pois na tarde do mesmo dia, Dario e Nathalia foram encaminhados à coordenação da universidade por violarem as regras gravadas em suas mentes pela exaustiva leitura do manual de conduta.

Após liberado, Dario lhe contou o que havia acontecido: ele foi suspenso das aulas pelo resto da semana, recebeu uma advertência e teria de ajudar na limpeza das salas pela próxima semana enquanto Nathalia, por outro lado, ganhou a mesma suspensão e advertência, mas não precisaria ajudar na limpeza, pois diferente do amigo, ela não havia lançado uma conjuração não autorizada em um colega.

Após muito se perder em pensamentos sem nenhum sinal do sono vir, Ronan decidiu adiantar o dever de casa a ser cobrado na semana seguinte. Ele ergueu-se da cama, envolveu a coberta em si como se fosse uma capa e arrastou-a até a mesinha onde uma cadeira rangeu quando puxada.

Sentado e com os cotovelos encostados na superfície da mesa, Ronan encarou o papel amarelado. A pena em sua mão foi erguida e descida contra o tinteiro, mergulhando a ponta que retornou molhada após uma fração de segundos.

No papel amarelado, os espaços embaixo das perguntas formuladas pela professora Catarina Grivaldo foram respondidas sem que o livro guardado na mochila fosse retirado para consulta.

A pena ia para direita, descia e voltava, repetindo o ciclo algumas dezenas de vezes até não restar mais perguntas a serem respondidas.

A tampa do tinteiro cilíndrico foi fechada e a caneta, guardada junto das outras no canto da mesinha. O caderno permanecia aberto, e o rapaz, deitado na cama, envolto pela coberta.

O sol escaldante do verão chegou compensando a friagem da noite anterior. A janela fechada havia transformado o quarto numa estufa. O suor no rosto de Ronan assemelhava-se ao orvalho nas folhagens das campinas. O clima abafado o fez levantar mais cedo, largando a já desnecessária coberta na cama empapada de suor.

— O café está na mesa — a senhora Briggs anunciou.

— Já vou mãe — respondeu ao guardar o material na mochila.

Para hoje Ronan escolheu uma camisa cinza de gola abotoada, discreta como gostava, guardada no roupeiro próximo à porta. Estava trajado e pronto para estudar, mas antes, precisava forrar o estômago. Atravessou o diminuto corredor marrom que dava acesso aos quartos e a sala. Da sala foi reto à cozinha, ignorando o pai sentado na poltrona.

— Essa juventude não respeita os mais velhos — murmurou Hobb, para si mesmo.

Na cozinha a mãe espiava as redondezas pela janela. Em cima da mesa localizada no centro exato do cômodo, repousavam apenas frutas, vegetais e fatias de pão seco.

— Nhé — Ronan grunhiu baixinho.

— Para o almoço você pode comer no refeitório universitário.

— Sério mesmo?

— Serio mesmo. Agradeça o paizão por trazer carne estragada, farinha fedorenta e ovos azedos. Tive que jogar tudo fora, foi de doer o coração.

A voz de Hobb foi ouvida.

— Isso acontece quando fazemos uma boa ação, como sair para fazer as compras da semana.

— Nós já conversamos sobre isso Hobb, não quero te ver por aí mancando, ainda mais para comprar porcarias.

— Velha mal agradecida — resmungou baixinho.

— Eu ouvi isso dai.

— Nhêu ouí ixu naí — resmungou mais baixo, com a voz finíssima, debochadíssima.

— O que? — indignou-se Laura.

— Nada, nada. Eu não disse nada.

Ronan voltou o olhar para as frutas sobre a mesa, envolveu sua mão numa das maçãs, estudou-a e puxou.

— Será você o meu desjejum? — anunciou erguendo a fruta escolhida, selando seu destino inexorável.

Quando chegou à sala A-101, Ronan olhou com tristeza para a bancada, havia esquecido que Dario não compareceria pelo resto da semana. Desolado, sentou-se em seu lugar, na bancada vazia caso não fosse por ele. Infelizmente não poderia sentar perto de Jonas e César, pois os assentos da coluna à sua esquerda foram todos preenchidos.

O professor chegou e dessa vez não trazia nada além de um caderno. Felix não se deu o trabalho de acomodar-se na cadeira e, ainda sob o vão da porta, anunciou:

— A aula de hoje será no Centro de Treinamento.

Ronan pôde jurar ter visto um sorriso naquele rosto pálido.

— Professor — chamou a garota de cabelo castanho até o ombro, com um vestido verde muitíssimo semelhante aos de outrora.

— Pois não Anna.

Então esse é o nome dela.

— Não seria melhor escrever no quadro que a nossa turma não estará em sala? Para caso alguém se atrase ou coisa do tipo?

— Hmm, não! Deixe que os atrasados se virem. — concluiu com um sorriso malicioso.

Ele sorri sim.

A turma adorou a indiferença satírica do professor, mesmo que no fundo soubessem ser algo injusto, afinal, cada um dos presentes poderia ter se atrasado. Todos se levantaram e saíram da sala, Ronan pôde se juntar a César e Jonas. Os três seguiram o percurso numa conversa descontraída, conjecturando sobre as coisas mais fantásticas e mirabolantes.

Saindo do "Bloco A", a turma cruzou o pátio que separava os três prédios da esquerda dos outros três prédios semelhantes, rentes ao canto direito, reservados às turmas dos semestres finais.

Chegando ao centro do pátio o grupo seguiu para os fundos do campus, onde nenhum aluno da turma havia explorado até o presente momento. A expectativa foi aumentando conforme seguiram por um caminho estreito, delimitado nas laterais por árvores de tronco largo. Após mais de cinco minutos de caminhada, Felix virou-se para trás e anunciou aos alunos:

— Sejam bem vindos ao Centro de Práticas Arcanas, turma da sala A-101. Hoje aprenderemos o básico da manipulação do ar — disse com a voz de um narrador amador.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora