46. Aprendiza (Parte III)

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Compartilhar uma refeição com Ian foi uma experiência única. O cavaleiro mostrou-se entendido sobre a política por trás dos acontecimentos recentes e tecia especulações a cada abocanhada na coxa de galinha. Os dois estudantes pediram a mesma refeição, mas não abriam a boca cheia de comida mastigada para falar, culminando no seguinte comentário por parte do cavaleiro.

— Não precisam se portar como princesinhas, aqui ninguém irá julga-los pelo pragmatismo dos seus hábitos alimentares.

Aquele vocabulário não combinava nem um pouco com a situação, foi o que Ronan pensou duas horas depois, quando ele e Dario caminhavam a reta final, rumo à cabana surgindo entre os troncos dos pinheiros. O pequeno bosque terminou e o campo aberto os recebeu com o sol irritante das três horas, que aprenderam a detestar já no primeiro dia.

Mas a cabana parecia morta, vazia, abandonada ao acaso. Os dois concluíram sem falar uma só palavra que os demais residentes enfurnaram-se lá dentro, sem produzir um ruído sequer.

— Vou pedir para o desgraçado do Victor comprar umas montarias para nós.

— É uma boa ideia, mas você sabe cavalgar? — Ronan perguntou olhando-o com o canto do olho.

— Eu? Eu não. — Deu de ombros.

— Genial. — Bufou e ajeitou agitou a mochila do amigo em suas costas, cuja alça escorregou nos ombros durante o trajeto após revezarem a carga. — Espero que essa peregrinação tenha servido para alguma coisa. — E pôs-se em marcha até a cabana.

— Ronan — uma voz animada o chamou. — Cabeça de vento. — disse a mesma pessoa, mas não com o mesmo entusiasmo. Um vestido verde jade esvoaçou pela varanda. Ronan foi ao chão. Olhos castanhos o encaravam de cima e mãos fortes o seguravam pelo braço.

— Aproveitaram a viagem? — aquele sorriso fez o coração pular algumas batidas.

— Menos Anna, bem menos... — disse Dario, observando garota montada em seu amigo.

— Que foi cabeça de vento? — aqueles olhos se espremeram em malícia. — Tá com ciúmes é? Vou contar pra Nathalia, viu.

Ele levou uma mão ao rosto e resmungou:

— Por favor... me matem...

Anna levantou-se e estendeu a mão para ajudar o rapaz a ficar de pé.

— Encontraram todo o material na lista?

Ronan retirou a mochila das costas e entregou-a à Anna. Ela retirou os quatro volumes de dentro e analisou cada capa. Dario aproximou-se e entregou a lista para que ela fizesse a checagem.

— Tudo em ordem. Bom trabalho rapazes.

— E quem você pensa que é para avaliar nosso trabalho? — Dario inquiriu com o indicador levantado.

— Sou a aprendiza pessoal de um Sábio, e vocês? Meros ajudantes... — Simulou um desprezo com a voz, arrancando risadas do amado e um olhar desconfiado de Dario.

Anna devolveu os livros para Ronan, que pôs de volta na mochila.

— Pode levar pro Victor? — perguntou entregando a mochila para Dario.

— Vai você!

— Por favor? — implorou piscando de um olho.

— Agora eu entendi... vou sim, pode deixar. — Ele colocou a mochila em suas costas e partiu cabana adentro.

Um abraço inesperado espremeu os ossos de Ronan. Ele sentiu a cabeça de Anna repousar em suas costas.

— Ronan... — a voz carregava um pesar destoante da animação demonstrada anteriormente.

Ele sacudiu os ombros se desvencilhando dos braços da garota, que o encarou confusa. Então a segurou pelos ombros e mirou o olhar nos olhos perdidos dela.

— Esta tudo bem? Pode me falar, não conto para ninguém, juro.

— Estou com medo. — Ela abaixou a cabeça mirando o gramado pisado por seus pés.

— Mas por quê? Trataram um senhor com a perna aberta em carne viva?

Com a mão ela jogou a franja para trás, deixando a testa à mostra. Anna o encarou com a seriedade que testemunhou horas antes.

— Foi algo do tipo, Ronan, mas ainda mais assustador.

Ele envolveu-a em um abraço longo e apertado. Não disseram nada, apenas aproveitaram a companhia do outro. Até Vitória surgir pela porta da cabana.

— Meu casal favorito! — ela anunciou bem humorada. — Ronan, gostaria de treinar manipulação comigo e com o Dario?

— É claro que sim.

— Posso treinar também? — Anna perguntou ainda abraçada ao rapaz.

— Você não querida, o Victor quer falar contigo agora, imagino que irá lecionar mais uma de suas longas e tediosas aulas.

— Tá bom. Então eu já vou indo. — Voltou para Ronan. — Vejo você mais tarde. — Lábios se encontraram em um beijo de despedida. — Anna desmanchou o abraço e caminhou de volta à cabana.

Ronan partiu logo em seguida. Passou por Vitória, cruzou o corredor, a sala e viu pela porta de trás que Victor já conversava com a prima, ambos recostados na cerquinha de madeira que contornava o ambiente externo.

— Venha Ronan — disse Vitória assim que passou por ele.

O garoto seguiu o cabelo avermelhado da instrutora e sorriu ao passar por Anna. Desceu os degraus entre a varanda e a trilha. Virou à esquerda, onde por detrás dos pinheiros, uma planície o aguardava com Dario sentado de pernas cruzadas. Ronan Se aproximou sentindo a grama oprimida, esmagadas por suas botas.

Vitória não perdeu tempo.

— Então rapazes, que tipo de conjuração vocês gostariam de praticar hoje?

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora