Compartilhar uma refeição com Ian foi uma experiência única. O cavaleiro mostrou-se entendido sobre a política por trás dos acontecimentos recentes e tecia especulações a cada abocanhada na coxa de galinha. Os dois estudantes pediram a mesma refeição, mas não abriam a boca cheia de comida mastigada para falar, culminando no seguinte comentário por parte do cavaleiro.
— Não precisam se portar como princesinhas, aqui ninguém irá julga-los pelo pragmatismo dos seus hábitos alimentares.
Aquele vocabulário não combinava nem um pouco com a situação, foi o que Ronan pensou duas horas depois, quando ele e Dario caminhavam a reta final, rumo à cabana surgindo entre os troncos dos pinheiros. O pequeno bosque terminou e o campo aberto os recebeu com o sol irritante das três horas, que aprenderam a detestar já no primeiro dia.
Mas a cabana parecia morta, vazia, abandonada ao acaso. Os dois concluíram sem falar uma só palavra que os demais residentes enfurnaram-se lá dentro, sem produzir um ruído sequer.
— Vou pedir para o desgraçado do Victor comprar umas montarias para nós.
— É uma boa ideia, mas você sabe cavalgar? — Ronan perguntou olhando-o com o canto do olho.
— Eu? Eu não. — Deu de ombros.
— Genial. — Bufou e ajeitou agitou a mochila do amigo em suas costas, cuja alça escorregou nos ombros durante o trajeto após revezarem a carga. — Espero que essa peregrinação tenha servido para alguma coisa. — E pôs-se em marcha até a cabana.
— Ronan — uma voz animada o chamou. — Cabeça de vento. — disse a mesma pessoa, mas não com o mesmo entusiasmo. Um vestido verde jade esvoaçou pela varanda. Ronan foi ao chão. Olhos castanhos o encaravam de cima e mãos fortes o seguravam pelo braço.
— Aproveitaram a viagem? — aquele sorriso fez o coração pular algumas batidas.
— Menos Anna, bem menos... — disse Dario, observando garota montada em seu amigo.
— Que foi cabeça de vento? — aqueles olhos se espremeram em malícia. — Tá com ciúmes é? Vou contar pra Nathalia, viu.
Ele levou uma mão ao rosto e resmungou:
— Por favor... me matem...
Anna levantou-se e estendeu a mão para ajudar o rapaz a ficar de pé.
— Encontraram todo o material na lista?
Ronan retirou a mochila das costas e entregou-a à Anna. Ela retirou os quatro volumes de dentro e analisou cada capa. Dario aproximou-se e entregou a lista para que ela fizesse a checagem.
— Tudo em ordem. Bom trabalho rapazes.
— E quem você pensa que é para avaliar nosso trabalho? — Dario inquiriu com o indicador levantado.
— Sou a aprendiza pessoal de um Sábio, e vocês? Meros ajudantes... — Simulou um desprezo com a voz, arrancando risadas do amado e um olhar desconfiado de Dario.
Anna devolveu os livros para Ronan, que pôs de volta na mochila.
— Pode levar pro Victor? — perguntou entregando a mochila para Dario.
— Vai você!
— Por favor? — implorou piscando de um olho.
— Agora eu entendi... vou sim, pode deixar. — Ele colocou a mochila em suas costas e partiu cabana adentro.
Um abraço inesperado espremeu os ossos de Ronan. Ele sentiu a cabeça de Anna repousar em suas costas.
— Ronan... — a voz carregava um pesar destoante da animação demonstrada anteriormente.
Ele sacudiu os ombros se desvencilhando dos braços da garota, que o encarou confusa. Então a segurou pelos ombros e mirou o olhar nos olhos perdidos dela.
— Esta tudo bem? Pode me falar, não conto para ninguém, juro.
— Estou com medo. — Ela abaixou a cabeça mirando o gramado pisado por seus pés.
— Mas por quê? Trataram um senhor com a perna aberta em carne viva?
Com a mão ela jogou a franja para trás, deixando a testa à mostra. Anna o encarou com a seriedade que testemunhou horas antes.
— Foi algo do tipo, Ronan, mas ainda mais assustador.
Ele envolveu-a em um abraço longo e apertado. Não disseram nada, apenas aproveitaram a companhia do outro. Até Vitória surgir pela porta da cabana.
— Meu casal favorito! — ela anunciou bem humorada. — Ronan, gostaria de treinar manipulação comigo e com o Dario?
— É claro que sim.
— Posso treinar também? — Anna perguntou ainda abraçada ao rapaz.
— Você não querida, o Victor quer falar contigo agora, imagino que irá lecionar mais uma de suas longas e tediosas aulas.
— Tá bom. Então eu já vou indo. — Voltou para Ronan. — Vejo você mais tarde. — Lábios se encontraram em um beijo de despedida. — Anna desmanchou o abraço e caminhou de volta à cabana.
Ronan partiu logo em seguida. Passou por Vitória, cruzou o corredor, a sala e viu pela porta de trás que Victor já conversava com a prima, ambos recostados na cerquinha de madeira que contornava o ambiente externo.
— Venha Ronan — disse Vitória assim que passou por ele.
O garoto seguiu o cabelo avermelhado da instrutora e sorriu ao passar por Anna. Desceu os degraus entre a varanda e a trilha. Virou à esquerda, onde por detrás dos pinheiros, uma planície o aguardava com Dario sentado de pernas cruzadas. Ronan Se aproximou sentindo a grama oprimida, esmagadas por suas botas.
Vitória não perdeu tempo.
— Então rapazes, que tipo de conjuração vocês gostariam de praticar hoje?
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Ronan
FantasyQuando um implacável general toma as rédeas de um poderoso império, frequentes conflitos corroem os pilares em que a paz conquistada com sangue repousa. Temendo o pior, Nicolau Dumont, o Arquimago, movido por um desejo de paz, convida os líderes de...