45. Primo (Parte III)

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Secando o suor em sua testa, Ronan entendeu o porquê do vilarejo se chamar Pinheirio. Assim como a cidade de Rioalto, a quantidade massiva de córregos, lagos, nascentes e outros cursos d'água pareciam batizar tudo ao redor. No alto de uma extensa elevação, envolta por um anel de pinheiros, colunas de fumaça branca e cinzenta eram cuspidas por meia dúzia de chaminés de tijolos vermelho.

Consultando o mapa entregue pelo Mestre Artur, Anna confirmou as suspeitas de Ronan:

— Aquela é a vila de Pinheirio, não há dúvida.

— Da para saber pelo rio ao lado e os pinheiros em volta das casas logo à frente.

Ignorando o comentário besta de Dario, ela prosseguiu:

— Agora temos de saber em qual casa ele está. Alguém precisa perguntar aos moradores. — Olhando para um dos dois com certa dose de malicia, ela sugeriu: — Eu aponto o Dario para a tarefa.

— Concordo plenamente — disse Ronan com pesar, dando um leve soco no ombro do amigo.

— Suas víboras...

E continuaram o tortuoso trajeto pela estradinha de terra até alcançarem o anel de pinheiros demarcando a metade da subida. A sombra inundou o rosto dos três. Mesmo Dario, irritado pela traição dos amigos, não deixou o mau humor afastar o prazer do frescor trazido pelas dezenas de árvores a sua esquerda. 

A pouco mais de cem metros. Não mais ocultas pelos pinheiros, surgiram as casinhas de madeiras cujas chaminés cuspiam fumaça. Eles olharam um para o outro, assentiram e prosseguiram o caminho restante. Latidos graves e agudos de cães amarrados em estacadas de madeira anunciaram a chegada dos visitantes. 

Rostos surgiram das janelas abertas das primeiras residências. Ninguém disse nada. Se revelando por detrás de uma casa à esquerda, quatro homens se aproximaram. A desconfiança no olhar transparecia, eles portavam lâminas na cintura, não em mãos, aliviando a adrenalina dos três estudantes.

— Estão de passagem? — perguntou uma voz feminina vinda da janela da casa.

Dario respirou fundo e cumpriu a contragosto o combinado com os colegas:

— Procuramos um tal de...

— Victor Ambrósio — Anna intrometeu-se — Ele é um primo meu, nós três seremos seus ajudantes.

— Aaaaaaah — surpreendeu-se o mais velho dos quatro homens, um sujeito magro, banguela e de rosto enrugado. — O Mestre Victor. Ele tá morando pra lá — disse apontando para o oeste, onde uma estradinha os levaria a uma trilha entre os pinheiros. — Não fica muito longe não, é logo um pouquinho pra baixo. É a única casa ali perto.

Incomodado pelo erro semântico do senhor, Dario quis corrigi-lo:

— Na verdade o Victor não é um Me... — Mas a sua boca foi tapada pela mão de Anna.

— Seu bestalhão, não o corrija. Deixe ele em paz. — Voltando para os simpáticos habitantes, Anna agradeceu com um largo sorriso: — Muito obrigado pela ajuda, nós prometemos ajudá-los o quanto antes. — E destampou a boca do colega tagarela.

— Eu só ia dizer que...

— Ia dizer nada. Eles nos ajudaram de boa vontade. Corrigi-lo seria uma falta de educação tremenda.

Insatisfeito, Dario imitou a amiga em deboche. Por sorte, ela nem deu atenção. 

Os cachorros mais irritantes continuavam latindo. Os habitantes voltaram aos seus afazeres e os três amigos seguiram em frente, alcançaram a esquina e viraram à esquerda. Seguiram reto, entraram na trilha descrita pelo senhor de idade e atravessaram mais uma vez o anel de pinheiros circundando o vilarejo, mas agora pela estradinha oeste e não sul. Neste lado as árvores formavam uma pequena floresta que se estendia por meio quilômetro, até desembocar no campo aberto, onde os raios de sol voltaram a irritar o trio.

— Lá. — Apontou Ronan para uma cabana à direita.

Motivados por livrar-se dos irritantes raios solares, eles caminharam num pique acelerado até a varanda coberta da construção. A porta abriu sem esforço algum dos recém-chegados, pois uma mulher jovem de longo cabelo avermelhados veio os receber.

— Estudantes?

— Sim — Anna respondeu entusiasmada, observando as sardas que agraciavam o rosto da mulher em frente com uma beleza exótica.

— De qual instituição?

— Universidade de Estudos Arcanos de Leon.

— Nome dos três.

— Eu Anna, ele Ronan e esse Dario — respondeu rápido, apontando cada um sem se virar.

— Ótimo. Agora a última etapa, folha de inscrição? — mal terminou a pergunta e uma folha repousou em sua mão recém-estendida. O olho dela não percorreu com a mesma voracidade do Mestre Artur, mesmo assim a leitura foi rápida o bastante para qualquer um dos três. Satisfeita, ela se apresentou: — Me chamo Vitória, tenho 23 anos e aspiro entrar na Ordem dos Magos. Atualmente ajudo o seu primo no trabalho dele e minha admissão depende de seu sucesso. Sejam bem-vindos e fiquem à vontade — terminou desobstruindo a passagem, estendendo o braço num convite para entrarem.

Anna entrou como se estivesse em casa, vasculhou cada cômodo e logo se perdeu da vista dos amigos. Ronan e Dario entraram tímidos pelo corredor como se temessem rachar as tábuas que formavam o piso. Duas portas, uma de cada lado davam acesso aos quartos, cada um com duas camas de solteiro. 

No fim do corredor Vitória os apresentou a sala-cozinha. Onde livros e panelas sujas disputavam o espaço limitado do cômodo central. Porém, o último cômodo não foi introduzido. Vitória os prometeu mostrar quando iniciassem o trabalho, pois Victor mantinha-o fechado quando não o usava. Isso apenas acrescentou mais lenha ao fogo da curiosidade que ardia na mente de cada. 

Um pequeno corredor à direita os levou à porta dos fundos, onde Vitória mostrou a varanda traseira. Diferente da frontal que se estendia por três metros de largura, esta se estendia por oito. O motivo do tamanho desproporcional se justificava pela criação de um cômodo adicional, onde dois leitos estavam rentes à parede da cabana.

— A gente vai dormir aqui? — Desapontou-se Dario.

— É claro que não. Nós atendemos alguns moradores quando necessário. Por isso criamos um local para eles repousarem.

Olhando com mais atenção, Dario notou os mais variados instrumentos desconhecidos, todos dispostos em mesinhas quadradas e estantes pregadas na parede. Não disse nada, guardou seus questionamentos para si. Seu olhar percorreu o fim da varanda quando caminhou vagarosamente até lá. As duas mãos envolveram a madeira do parapeito. Um metro à direita havia um vão, seguido por três degraus que desciam da varanda, desembocando em uma trilha marcada pela ausência de grama. O caminho de terra fazia uma curva sinuosa ao leste, para o bosque de pinheiros a pouco mais cinquenta metros. E de lá, duas vozes ecoavam uma conversa alegre e descontraída.


RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora