9. O Dilema de Ronan (Parte III)

409 72 6
                                    

Ronan soube que algo ruim estava prestes a acontecer quando o rosto do amigo saiu da inércia do repouso. O olhar dele permaneceu ilegível, direcionando para a garota que o chamou, cujos olhos azuis arregalados exaltavam uma intenção encoberta em mistério.

Mas o rosto de Dario voltou para os seus braços cruzados sobre a bancada, para descansar.

Sentada em seu devido lugar, Nathalia ajeitou o colete que vestia sobre uma camisa manga longa. Ela girou o corpo para trás e retomou sua provocação empostando a voz:

— Sobre seu irmão... É uma pena, né... — começou brincando com seu cabelo. — Eu nunca fui com a cara de vocês, sabe? Pensando bem eu acho que é melhor assim. — Dario apenas fechou os olhos e respirou fundo. Mas Nathalia não se deu por vencida. — O que foi? Não suporta a verdade?

A cabeça dele foi desenterrada dos braços onde antes descansava. O olhar inexpressivo deixou de existir, dando espaço a feições bem determinadas...

De raiva.

— Meu irmão... — Dario hesitou por um momento. — Morreu protegendo gente como você, que se esconde atrás de palácios fortificados e guardas que dão as vidas por hipócritas em troca de migalhas.

Anna encarou a amiga com hesitação, mas Karen a viu com admiração.

— Ui! Se quiser me provocar de verdade porque não tenta uma conjuração proibida, de sangue, que tal?

Aquele comentário fez os presentes testemunharem o despertar de Dario. Ele se levantou num instante, fazendo a cadeira em que sentava ir ao chão, produzindo um baque agudo, cativando a atenção dos desinteressados com a rinha entre eles.

— Vai mesmo vir e me atacar, é? Não vai deixar eu me esconder atrás do meu palácio? — Ela riu em meio ao deboche.

Ronan também se levantou. Não estava bravo com as provocações entoadas, pois na verdade, buscava uma solução para dar um fim no que estivesse para acontecer.

Ao ver a reação de Ronan, Anna veio ao seu lado. Ela transpirava preocupação.

— Aconteça o que acontecer, por favor, não se meta. — Tentou fazê-lo lembrar do aviso que lhe deu.

Dario desceu os níveis e embrenhou-se no vão entre as fileiras, ficando na frente do trio e de costas as inocentes garotas ocupando a bancada mais próxima da porta.

— Ah. Eu lembrei — Nathalia disse entoando cinismo. — Eu tinha algo para contar. Sabe quem deu aquela missão para o regimento do seu irmão? Você tem uma chance para adivinhar. — Um sorriso malicioso formou em seus lábios.

A turma observou o embate sem dizer uma palavra. Qualquer coisa poderia acontecer a qualquer momento.

— Magnus — respondeu Dario com uma expressão sombria.

— Você fala como se existisse apenas um em toda Antares.

— Leonhart — acrescentou.

Nathalia sacudiu a cabeça para cima e para baixo.

Dario avançou.

O corpo dela foi puxado por uma força animalesca, a bancada estremeceu. Dario a levantou até seus olhos se encontrarem frente a frente. Ela contraiu os finos lábios num sorriso satisfeito enquanto aquelas mãos a segurava, amassando sua camisa branca como a neve e o colete dourado com a riqueza.

Ela não reagiu, seus braços continuavam colados ao corpo inerte.

Ronan não pôde mais ficar parado, aquilo poderia ir longe demais.

Ao ver o colega preste a ignorar seu conselho, Anna tentou segurá-lo pelo braço, porém, sem muito esforço Ronan desvencilhou-se para interferir no embate entre os prodígios da turma.

Ela se surpreendeu com a força do garoto.

— Para com isso! Você não percebe que ela tá brincando contigo?

— Eu já não me importo mais. — As palavras tremeram ao serem proferidas. — Como posso ficar parado enquanto ela zomba do meu irmão? — Lágrimas brotaram dos olhos castanhos exprimidos de tristeza. A ferida da perda tinha sido aberta para sangrar mais uma vez.

— Solta ela Dario! Você pode se prejudicar. Por favor — implorou.

— Se eu soltar ela vai continuar me atormentando. É o que gente dessa laia sempre faz. Vocês não perceberam ainda?

Ninguém se manifestou. Nathalia continuou em silêncio.

— Ela só quer te prejudicar, você não percebeu ainda?

Confiando em seu amigo, Dario soltou a garota em meio às lágrimas silenciosas, caindo assim com ela. Nathalia não demonstrou remorso por trazer a dor da perda à tona, mas parecia irritada por Ronan ter se intrometido, evitando que o colega fizesse alguma besteira ainda maior.

— Você não entende mesmo, não é? — acrescentou Anna. Decepcionada por ele ignorar seus avisos se intrometendo entre os dois.

— Eu acabei de evitar um desastre, você não viu?

— Eu pedi que não se intrometesse para não sobrar pra você, cabeça oca.

Para que não sobrasse para mim?

Nathalia se ajeitou no assento. Encarou Ronan com uma misteriosa dose de passividade. A sala permaneceu quieta sob o véu da tensão até poucos alunos conversarem baixinho com os colegas.

Dario regressou à bancada acompanhado por Ronan.

Dez minutos após o fatídico evento, Felix chegou à sala trazendo consigo sua usual montanha de livros sobre o colo, enquanto no rosto, o suor brotava dos poros e escorria em sua palidez. Ele cambaleou até próximo da mesa e largou suas tranqueiras sobre a superfície. Uma dúzia de volumes quicou na madeira e girou no ar para se esparramar no chão implorando por uma boa varrida.

Risos abafados e tímidos deboches foram captados pela audição nada aguçada de Felix, que humilhado, catou livro por livro e caderno por caderno. A lição de nada serviu, pois o professor largou na mesa as bugigangas caídas como sempre fazia. Ignorando o alerta do destino para ser mais organizado com seus pertences.

Como se nada tivesse acontecido, Felix Fitz deu inicio a aula. E como era tarde de segunda-feira, os alunos aprenderiam mais regras para um dia quebrá-las.

Ronan acreditava que o caos poderia irromper a qualquer instante. Nathalia poderia enlouquecer e voltar a provocar Dario sem mais nem menos, mas para o seu alivio, nada do gênero aconteceu. E, quando a aula chegou ao fim, decidiu passar na Biblioteca para buscar algo que ajudasse a desenvolver sua manipulação. Jurou a si mesmo que não iria se distrair com livros interessantes, mas não relevantes.

Em pequenos grupos os alunos foram deixando a sala A-101.

Ao se virar, Ronan notou o semblante de Dario denunciar o incomodo que o afligia.

— Se cuide, está bem? Pense sobre tudo que poderia ter acontecido. — reconfortou o amigo apoiando a mão no ombro dele.

— Ok, obrigado.

Dario se levantou do assento e saiu sem olhar para Nathalia, sentada ao lado das amigas.

Antes de partir rumo à biblioteca, Ronan quis perguntar aos seus amigos se estariam interessados em acompanhá-lo, mas antes que tivesse chance de levantar, uma figura se aproximou pelas sombras.

E Nathalia sentou ao seu lado, no lugar do Zeppeli.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora