48. Contra-Ataque (Parte III)

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A vítima regurgitou sangue pela boca meio aberta, salpicando o entorno em gotas avermelhadas. Estas sucessivas engasgadas entre falhas inspirações inundaram a já pesada consciência de Ronan, que testemunhou a mulher tapar a perfuração que ele fizera com a espada. De olhos arregalados viu-a cair no chão e agonizar até o último suspiro. Ignorou os parabéns vociferados pelo capitão, mas ouviu passos pesados, arrastados, além do chacoalhar de uma pesada armadura metálica se aproximando. Brandiu o florete com desespero, girou nos calcanhares, mas tarde demais. A montante empunhada pelo cavaleiro antes caído aproximou-se de forma assustadora. O instinto o fez tentar bloquear.

Mas nada lhe atingiu.

Prevenido com o acaso, Dario havia lançado uma poderosa rajada de vento, derrubando o cavaleiro de Lince uma segunda vez.

— Ele será nosso prisioneiro — anunciou o capitão.

Dois arqueiros largaram os arcos e vieram amarrar o sujeito. Vitória e Dario os acompanharam, não para desempenhar a mesma função. A ruiva correu e jogou as mãos nos ombros de Ronan para perguntá-lo:

— Você está bem? — Aqueles olhos verdes ajudaram a lhe acalmar.

— Mais ou menos — disse entre suspiros, revivendo o olhar vidrado que recebera da conjuradora de Lince, pouco antes de morrer por sua espada.

Aos poucos foi recobrando a sanidade, grande parte graças às palavras de Vitória. O canto da guerra retumbou em seus ouvidos mais uma vez, trazendo-lhe de volta à situação desesperadora que se encontrava.

A gritaria e os lamentos somados aos impactos de armas contra armaduras, escudos e principalmente, carne, voltaram a lhe demandar a atenção devida. Virou-se para averiguar a situação da batalha nada favorável. A parede formada pelos guerreiros de Ian curvou nas extremidades.

Empunhando sua espada rúnica, Ian surgiu para avisá-los.

— Ficaram surdos? Estou a um tempo pedindo que recuem.

— Mas eles vão morrer... — indignou Vitória.

— É o trabalho deles. Precisamos recuar enquanto há tempo. Nossa missão foi um sucesso. As balistas precisam voltar para a cidade.

Acompanhados do capitão eles subiram a pequena elevação. As duas armas de cerco repousavam em cima das plataformas sobre rodas, prontas para serem empurradas de volta à Rioalto. Olhando-os com o canto do olho, as ordens foram vociferadas:

— Vocês voltarão com eles. — Apontou para os operadores. — E tratem de protegê-los. — O grupo composto por cinco homens e uma mulher encarou os três manipuladores.

Ronan, Dario e Vitória permaneceram em cima de uma grande rocha, até a única mulher entre os operadores trovejar:

— Vamos indo ou não?

— Não poderia chamar soldados seus para fazerem isso? Nós três podemos segurar uns dez de uma só vez. — Vitória direcionou a pergunta ao capitão.

Ian tirou sua visão do campo de batalha.

— Bastaria uma flecha ou uma simples apunhalada para qualquer um de vocês irem ao chão. — Parou e analisou Ronan por alguns segundos. — Talvez duas para o rapaz em armadura. Não temos mais tempo a perder, ajude-os a empurrar as plataformas de volta à Rioalto. — Terminou desembainhando a espada longa para empunhá-la com as duas mãos. — Orem por milagres enquanto há tempo, só assim sairemos com vida.

— Então ordene um recuo geral — Ronan esbravejou.

— Eles nos massacrariam em questão de segundos. Não temos soldados o suficiente para segurá-los. Além do mais, vocês morreriam sem nosso suporte, disso eu tenho certeza. — Bufou impaciente. — Então vão logo, antes que eu decida sacrificá-los numa retirada geral.

— Nós poderíamos...

— Poderíamos nada, Ronan, vamos logo. — Dario o puxou pela ombreira da armadura.

O capitão deu as costas para eles e desceu a pequena elevação aos berros, brandindo a espada longa, sumindo na escuridão da noite entre as folhagens do bosque.

— Não temos tempo a perder — disse a operadora. — Eu e os rapazes fizemos nossa parte em destruir os trabucos, agora nos ajudem a empurrar essas maravilhas da engenharia de volta à cidade.

— É claro — Vitória anuiu compreensiva.

Os dois pares de rodas em cada carroça giraram com a força empregada, pondo em movimento o caminho de volta à Rioalto. A gritaria da batalha continuava cruel. Sem ver o desenrolar com os próprios olhos ficava difícil dizer o que acontecia e quem estava vencendo, mas a resposta era unânime, estavam perdendo, sabiam disso porque lembravam com frescor da situação em que deixaram a companhia de Ian.

O movimentar das carroças enchiam os ouvidos dos mais próximos. O ranger somado ao bater das peças de metal e madeira incomodaram Ronan durante a viagem onde a discrição era chave, mas agora o problema era outro, não mais se importava com o estardalhaço das máquinas, pois a derrota é questão de tempo, não vai demorar até eles virem nos trucidar, ele pensou pouco antes de sua perna fraquejar ao empurrar a lateral da carroça de trás.

A poeira levantada por sua derrapada chamou a atenção do homem ao lado, que perguntou:

— Tudo bem com você? Não seria melhor tirar essa armadura?

— Não... e... não. — Virou o rosto para encará-lo. — Se os malditos nos alcançarem eu pretendo estar pronto.

— Mas eles não vão, o próprio capitão disse que...

— Disse apenas mentiras. — Parou de empurrar a plataforma sobre rodas. — Nesse ritmo eles vão nos alcançar em pouco tempo.

A discussão cativou a atenção de Vitória.

— Eles não vão se arriscar em nos perseguir. Quando a batalha acabar...

— Quando acabar eles correrão em busca das balistas. Nós não percorremos nem cem metros ainda. — A lâmina chiou ao sair da bainha. — Eu vou voltar, queiram vocês ou não. — Trajado em aço como um cavaleiro e munido de uma espada rúnica, Ronan deu as costas aos amigos e disparou rumo ao campo de batalha.

— Exibido... — resmungou Vitória com os braços cruzados.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora