8. Sala, Salão e Prisão (Parte I - Prisão)

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As grevas de aço ressoaram os passos vagarosos do Guardião. O corredor gradeado pelas inúmeras celas foi iluminado pelo fraco queimar das tochas presas às colunas de pedra. O fétido cheiro da urina, fezes e sangue fez a memória do comandante relampejar os dias de caçadas intermináveis. Rostos sujos e olhares desesperançosos foi o que testemunhou entre as grossas barras de ferro da prisão Imperial de Alvovale.

Na cela do meio, sentado sobre um pano acobertando um monte de palha, estava quem Eduardo viajou para encontrar. A figura foi reconhecida pelo robe marrom que ainda vestia, surrado, sujo e desbotado. O bruxulear da tocha brilhou os seus olhos castanhos por entre os fios do longo cabelo desgrenhado, que se fundia à farta barba emaranhada em sujeira, enruivando ao distanciar-se do rosto do Sábio aprisionado.

— Eduardo? — ele perguntou esperançoso, sua voz rouca entoou o cansaço que sentia.

— Como estão te tratando? — o comandante perguntou em tom burocrático.

— Poderia ser pior, mas poderia ser muito melhor. — O olhar percorreu a runa talhada na couraça do Guardião, no formato de uma estrela de nove pontas, cercada por um diminuto labirinto. — Alguma boa notícia para um injustiçado mago da Ordem dos Magos? — emendou esperançoso.

— Vai depender da conferência no fim do mês. — Ouviu-se o carcereiro cuspir ao longe. — Além do imperador Alexandre, o Arquimago também convidou a Rainha Triss Loboprata, do reino de Lince; o Rei Henrique Belfort, do reino de Belfort e o Príncipe Ivan, representando os Principados do Oriente.

— Bom saber, mas então, você veio apenas me visitar?

— Quase. Além de você, vim visitar seu carrasco, soube que ele está por aqui.

Quando o comandante terminou de falar, outra figura adentrou na sufocante prisão.

— Eduardo, não posso dizer que senti sua falta — anunciou o recém-chegado, também trajando uma armadura, mas a sua tinha as cores do império: branco e vermelho.

— Leonhart, não posso dizer que me alegro em falar com você.

— Poupe nosso limitado tempo, não há o que negociar tudo será resolvido na conferência no fim do mês, não foi o que você e seu querido Arquimago combinaram? — Sacudiu a cabeleira dourada para trás.

— Não vou deixar um membro da Ordem preso sem fazer nada. — Acenou para o Sábio ali preso. — Ele tem a bendita permissão do Arquimago. Veja, eu trouxe uma cópia legítima para que possa verificar — justificou já procurando o papel nos pequenos bolsos presos à cintura.

— Ó Eduardo, continuas um inocente e pomposo cavaleiro, exatamente como era nos dias de recruta. Mas não há necessidade de tamanha formalidade. Aqui essa permissão não invalida o dispositivo do Primeiro Decreto. E pelo que lembro o Imperador e o Arquimago nunca sentaram para discutir a compatibilidade de uma permissão estrangeira frente um decreto absoluto em terras soberanas de Leon.

— Ele só usava aquela conjuração para fazer pesquisa. Não fez mal a ninguém — Eduardo buscou se justificar.

— Você sabe o que ele pesquisava?

— Não, é um segredo entre ele, o Arquimago e o conselho.

— Ele estudava a própria aplicação das conjurações de sangue. Eu soube quando minha subordinada o interrogou, se isso não o qualifica como renegado, eu não sei mais o que pode — afirmou imaginando um xeque-mate contra todos da Fundação Arcana.

Marcos observou incrédulo o diálogo desenrolando em sua frente. Eles o ignoraram por completo, então, pigarreou, chamando atenção para si.

— Senhor Leonhart, com todo respeito. — lutou consigo mesmo para não berrar sua indignação. — Aquilo foi tudo, menos um interrogatório. Diana, aquela subordinada sua me torturou, me feriu sem dó nem piedade até que eu cuspisse qualquer coisa para fazê-la parar.

— Cale-se renegado — Magnus Leonhart vociferou, fuzilando o Sábio dentro da cela com o olhar. E, testemunhou o dito cujo contrair os músculos da face em reprovação.

— Mesmo assim! — Irritou-se Eduardo — A permissão do Arquimago permitia que ele utilizasse conjuração proibida para fins puramente acadêmicos.

Com toda sua soberba Magnus fez uma citação levantando o dedinho enluvado para cima:

Eu Alexandre Griffhart, Imperador soberano de Leon outorgo sob a alcunha de "Primeiro Decreto", os seguintes dispositivos: Art. 1. É imperdoável sob qualquer justificativa o uso de manipulação proibida. Com pena de morte ou qualquer outra pena sobre julgamento exclusivo do Imperador vigente — recitou em tom categórico o caput e o primeiro artigo do referido decreto.

— Você sempre foi o cãozinho dele, não foi? Sempre correndo atrás das vontades dele, sobrevivendo das migalhas que ele deixa para você.

— Não precisa invejar tudo que conquistei. — Levou a mão ao cinto para ajustá-lo, sacudindo o florete em sua bainha. — Se eu tenho um palácio, um nome de prestígio, uma esposa e filha que amo, eu devo a ele no final das contas. E você o quem tem para se orgulhar?

Eduardo brandiu sua espada, não para atacar ou ameaçar o representante do imperador. O comandante segurou a empunhadura com as duas mãos e às levou na altura da runa em sua armadura. Chamas se projetaram da lâmina. O fogo vazava da extensa runa talhada no metal, complexa demais para que Magnus pudesse desvendá-la. Esse é o orgulho dos Guardiões, ele refletiu admitindo um pingo de admiração.

— Posso não ter uma mansão, viver uma vida de luxo, ou ter uma família para me gabar, mas todos os dias eu sei que luto por uma causa justa. E você, pode dizer o mesmo, vira-lata? — Eduardo finalizou apagando as chamas da espada longa.

A lâmina permaneceu intacta, sem uma marca sequer. Marcos, o mago ali prisioneiro ficara assustado, nunca havia testemunhado algo do tipo em sua vida, mas pôde compreender o efeito. Poderia não ser um criador de runas, mas era um entusiasta da arte. A espada tinha ao longo da lâmina uma gravura capaz de projetar as chamas entorno da arma. Por outro lado, para que não derretesse, uma segunda runa complementava a primeira, absorvendo o calor direcionado ao aço.

— Você é um diplomata de merda sabia? — concluiu Magnus zombando do antigo colega, relembrando os dias na Cidade Livre, quando era um Mestre da Ordem.

— Nos veremos no fim do mês, Lorde Leonhart — Eduardo respondeu categórico. — Quanto a você... — Encarou o Sábio. — Continue sobrevivendo da melhor forma que puder. — Tentou tranquilizá-lo antes de regressar à Cidade Livre e relatar o intencional fracasso.

— Como ela veio, minha esperança se vai.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora