27. Irmãos Faisca

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A repercussão da invasão a Cidade Livre deixou os habitantes de Lince em polvorosa. A notícia tornou-se um mau agouro capaz de privar o mais alheio camponês do merecido sono após um longo dia no campo. Por outro lado, na capital de um novo império, a pressão sobre Triss Loboprata vinha sufocando-a, obrigando-a a se trancar em seus aposentos para evitar esbarrar com algum nobre ou conselheiro. Precisava de espaço para racionar e traçar algum plano, mas nada vinha em mente, ao contrário dos inúmeros indivíduos com inúmeras soluções para seus inúmeros problemas.

Nos aposentos imperiais, quilos e mais quilos de papéis rabiscados espalhados por todos os cantos criaram uma decoração excêntrica, digna dos quartos dos estudiosos excêntricos da Ordem dos Magos, agora nas garras do leão, o leal servo do grifo vermelho de Alexandre.

Bufando enquanto deitada sobre uma suntuosa cama coberta por papeis, Triss fritava seus neurônios em busca do próximo passo a ser dado. E ele veio como um raio. Era óbvio demais. A monarca de cabelo cinza prateado espantou-se por demorar tanto em bolar algo tão simples.

— Vou delegar essa porcaria para meus conselheiros sabichões resolverem entre eles — disse entusiasmada, enterrando o rosto no travesseiro que agarrava com afinco.

Estava na hora de reunir o conselho. Triss levantou-se da cama num impulso. Ignorando o amassado em suas vestes ela destrancou a porta e chamou os guardas montando vigila em frente aos seus aposentos.

— Procurem os conselheiros e os ordene a me encontrar no Salão do Lince.

Sem proferir um ruído sequer, eles curvaram em respeito, levantaram e partiram em busca das figuras requisitadas. Triss não ficaria mais trancafiada naquele cômodo. Devia ter pedido para eles buscarem alguém para limpar minha bagunça, deixando tal devaneio para trás, a imperadora pôs-se a percorrer o palácio de Lincevall num passo que exalava uma nova motivação: jogar sua responsabilidade para terceiros.

Como o quarto imperial ficava nos fundos do palácio, Triss chegaria pela pelos fundos do salão, por um acesso exclusivo da monarca vigente. Próxima do destino ela já avistava a traseira cinzenta da estátua de um grande lince sentado olhando em direção à entrada frontal do salão. Atrás dele, o caminho por que Triss viera dividia-se em duas escadarias descendo rente a cada flanco da estátua com quatro metros de altura e de comprimento, contabilizando a cauda virada à direita, rente à escadaria por onde ela descia.

Triss desceu o último degrau e pôs os pés no Salão do Lince, um cômodo espaçoso, decorado nas cores azul e cinza do antigo reino cujos símbolos ainda decoravam o ambiente. Diversas bandeiras e estandartes portavam o felino cinzento num fundo azul.

Ela ignorou seu trono e foi sentar-se no meio da longa mesa retangular disposta no centro do salão, para assim ouvir os demais integrantes com facilidade. Os dois guardas presentes, como de costume, vieram e retiraram as cadeiras ao lado dela para que eles permanecessem em pé, protegendo a soberana de qualquer ameaça.

O olhar âmbar e pesaroso de Triss mirou a ponta direita da superfície, onde Tricia, sua feiticeira costumava ficar até Edmundo, o antigo capitão da guarda, assassiná-la. O traidor costumava sentar na ponta esquerda, onde Triss encarou enojada para o assento vazio.

O primeiro integrante chegou.

Um leve ranger metálico cativou a atenção dos presentes para acompanharem as duas chapas de madeira da porta se abrirem graciosas para o interior do salão. A criatura vestia um sobretudo preto-carvão que estendia-se até os joelhos e, por baixo, Triss pôde ver uma camiseta de couro resistente. Apesar da fartura de tecido, a constituição avantajada da figura transpirava por baixo das camadas, porém, não rivalizava com a do irmão. Entretanto a figura gabava-se por ser mais belo que Eric, graças ao cabelo negro que roçava em seus ombros.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora