14. Cristais de Sangue (Parte I)

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O calor escaldante das noites anteriores perdurou na manhã da quarta-feira, forçando os moradores a vestirem-se conforme o clima. Das portas e janelas abertas, o aroma dos cafés da manhã sendo preparados perfumavam as limpas ruas do bairro por onde Nathalia caminhava apressada, atormentada com os eventos protagonizados. Havia mentido para seu pai, queimado o braço de Anna por acidente e tentara fazer dela sua cúmplice.

Idiota.

Dentro de si o desespero lutava para apoderar-se das emoções. Precisou se esforçar muito para não render-se às lágrimas quando recordou do julgamento marcado para o fim da próxima semana.

Frustrada, disparou pela rua abarrotada de transeuntes, extravasando a cada passo todo o ódio que sentia pelo mundo e por si mesma. Alcançou a esquina e ignorou a visão da universidade. A ansiedade a consumia. Nathalia cruzou a rua e percorreu rente ao muro branco de três metros que cercava o campus. Parou de correr e, esbaforida, adentrou no portão da frente. Caminhou até o pátio para encontrar Karen sentada sozinha em um dos bancos próximo às estatuas dos leões na fonte. 

Ela parecia estar lhe esperando. Estudantes abarrotavam a frente da universidade. Nathalia perguntou-se como ela havia encontrado um banco vago, pois até os gramados já serviram de assento para os veteranos conversarem em voz alta. O olhar inexpressivo da amiga sentada captou o seu olhar desanimado. Karen prendera o cabelo num longo rabo de cavalo, negro como a camiseta. Está maravilhosa hoje, pensou Nathalia, pouco antes de cumprimentá-la tentando camuflar sua angústia:

— Oi Ka.

— Oi amiga. Tá melhor? — Ela sorriu.

— Não né, quase nem vim hoje.

— Nem pense numa coisa dessas. Já ficasse uma semana suspensa depois daquilo.

Semicerrando os olhos, respondeu:

— Mas não tinha perdido a Anna pelo menos.

Karen levantou-se para abraçá-la.

— Fica tranquila. A gente vai trazer ela voltar. Eu prometo.

Karen, você é uma amiga para todas as horas... capaz até de mentir em uma audiência sem pensar duas vezes.

Após desabafar chorando no ombro dela, Nathalia se levantou, estendeu a mão e a convidou:

— Vamos indo?

Karen ofereceu sua mão e foi puxada por Nathalia. Infelizmente, elas não encontraram Anna durante os lamentos da Leonhart. O que indicava uma coisa: ela havia chegado cedo como de costume.

As duas saíram do pátio conversando. Seguiram caminho pela lateral do Bloco Administrativo. A cumplicidade compartilhada com Karen fez Nathalia esquecer seus problemas, mesmo que por alguns minutos. Pelo horário, todos da turma deveriam estar na sala esperando o professor chegar. E por sorte não encontraram Felix, nem nenhum outro colega no caminho. O corredor do prédio era ocupado por poucos alunos. As duas seguiram em frente e subiram os dois lances de escada que separavam o térreo do primeiro andar, ao subirem o primeiro e metade do segundo, duas silhuetas conversavam na frente da sala.

Ronan e Dario.

Os olhos do segundo flagraram as duas. Karen seguiu reto, mas Nathalia hesitou com um pé em cada degrau. Engoliu a saliva acumulada nesses poucos segundos. Inspirou, expirou e voltou a subir os degraus como se nada tivesse acontecido.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora