7. Uma Garota Muito Simpática (Parte II)

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O Centro de Práticas Arcanas contava com uma construção branca, retangular, de aproximadamente 400m² e com poucas janelas. Para Ronan, o edifício se assemelhava a um depósito, onde relevantes tralhas eram guardadas.

Um grande campo verde próximo à construção se estendia até a beirada do bosque cercando a imensa clareira. Tamanha área ao ar livre era dividida em campos menores, separados por muros cinzentos de três metros de altura. Havia também diversas repartições fechadas, localizadas na extremidade oposta de onde os alunos aguardavam as ordens do professor.

Devem ser reservadas para as manipulações mais perigosas, deduziu Ronan ao observar.

Sem mais delongas, Felix guiou os alunos para dentro do campo cercado, mas não fechado, iluminado pelo sol brilhante, mas não escaldante. Havia reservado um dos menores, afinal, manipular o vento não deveria ser tão perigoso.

— Turma, preste atenção — anunciou sacudindo o robe negro que absorvia os raios solares. — Manipular o vento pode parecer simples, mas requer esforço e muita calma, e por isso vocês devem em primeiro lugar tentar se concentrar ao máximo, como se fossem colocar o último andar num enorme castelo de cartas. Isso deve ser o bastante para manifestarem a energia arcana em redor. Somente então, feito isso, vocês focarão na respiração. — Imitou uma morosa expiração. — Quando soltá-la, vocês irão canalizar a energia manifestada no ar que é expirado por vocês, isso fará a energia sintonizar aos poucos com o elemento desejado: o ar que é empurrado pela respiração, fazendo a energia absorver as características do vento, pouco a pouco, ganhando o seu padrão.

Apesar de não muito simples, a explicação poderia ser desconstruída em um enorme livro. Ronan imaginou ter compreendido: a energia arcana deveria interagir com o elemento, assim iria absorver aos poucos suas características.

Terminada a lição, o professor Felix deixou a turma livre para praticar enquanto ele observava atento ao progresso de cada um.

Ronan espiou a dupla que outrora formava um trio.

Sua boca foi ao chão, o professor as elogiava com um sorriso satisfeito no rosto. Não ventava no momento, mas o cabelo castanho de Anna roçava em seus ombros enquanto os fios negros de Karen se embrenhavam em seu rosto simétrico, elas estavam extasiadas, orgulhosas com os resultados obtidos.

Felix estendeu o braço apontado o caminho de volta. As duas acenaram e saíram saltitantes do gramado, onde o resto da turma buscava desvendar "o segredo".

Ronan, assim como os amigos, parecia não sair do lugar. Os três irradiavam a dificuldade sentida nos semblantes. Jonas não conseguia mais aguentar tamanha frustração, e já suava o nervosismo para fora.

Percebendo a dificuldade expressa por todos, Felix Fitz decidiu simplificar:

— Tentem focar os esforços primeiro na concentração. Esqueçam que estão neste campo, esqueçam seus colegas. Fechem os olhos, foquem em si mesmo e mais ninguém. Só depois que estiverem relaxados e a única coisa que vier a mente seja o ruído da respiração, é aí que vocês devem imaginar o fluxo da energia acompanhando o ar em cada expiração. Lembrem-se, façam isso apenas com a expiração.

Mais relaxada, à turma voltou a praticar. Minutos passaram e alunos iam levantando após manifestarem a bendita energia. César foi o primeiro dos três a conseguir. Ver o amigo suceder apenas deixou Ronan e Jonas mais nervosos. Após uma hora e meia de prática o professor Felix dividiu a turma para ensinar a segunda etapa aos adiantados, levando-os ao campo ao lado.

Vê-los saírem acalmou os ânimos dos atrasados, pois não estavam mais sob os olhares de superioridade dos colegas. Ronan aos poucos foi demonstrando progresso. Era possível sentir o ar fundir-se a uma energia invisível, transcendental. Jonas conseguiu pouco antes do professor retornar, seguindo a ordem, ele iria esperar a próxima leva terminar, para só então, dirigir-se ao outro lado.

Restavam cinco alunos fora Ronan. O professor orientou cada um de perto. Apesar da raiva demonstrada quando repreendeu Dario e Nathalia no dia anterior, o professor ensinou os atrasados com enorme calma e paciência, pois essa era a chave para os iniciantes.

Pouco antes de a sua vez chegar, Ronan sentiu a expiração sincronizar com a energia misteriosa. Estava felicíssimo consigo mesmo, não precisaria da ajuda do professor, porém, ainda permanecia o antepenúltimo a conseguir, e isso o tornava um dos mais lerdos da turma.

Quando a última aluna conseguiu, o restante da turma foi guiado por Felix para o campo ao lado, que era pura algazarra. Os mais adiantados agora exibiam alegremente sua primeira manipulação enquanto os atrasados chegavam aos poucos. O professor reuniu os brincalhões que terminaram a segunda parte e levou-os de volta ao campo do exercício anterior, enquanto isso, a nova turma esperou Felix retornar. Poucos minutos depois, ele reuniu-se a Ronan e amigos, e os fez sentar formando um círculo.

— Parabéns por passarem na primeira etapa. Agora vocês vão canalizar o ar expelido por vocês para a palma da mão.

— Por que professor? Não é melhor manipular diretamente pela boca, ou pelo nariz? — perguntou César, um tanto curioso.

— Vejam bem, apesar de odiar ter que usar isso como exemplo, pensem no que o garoto irresponsável fez ontem; vocês viram como o vento rotacionava na mão dele?

O grupinho concordou com sucessivos acenos. Percebendo que os alunos compreenderam, Felix continuou.

— Focar a manipulação na palma da mão é uma forma de aperfeiçoar o resultado. Trata-se de um ponto onde a energia arcana flui intensamente, além de proporcionar maior controle ao usuário. Agora, além de repetir o exercício anterior, vocês precisam fazer o ar expelido convergir na palma, para só depois iniciarem a rotação. Lembrem-se, os mesmos princípios ensinados antes valem na segunda etapa — concluiu vagaroso ao se levantar.

Então a Anna e a Karen já conseguiram a segunda assim? De primeira? Relembrou delas manipulando o ar quando recém adentraram no gramado.

O grupinho concentrou-se nas instruções repassadas pelo professor, os adiantados agora aguardavam no outro campo. Esta parte é realmente mais difícil, pensou Ronan, mas não iria entrar em desespero como antes. Concentrou-se, tirou qualquer distração da mente e voltou a sincronizar a energia na respiração exalada.

Mas Jonas parecia não ter aprendido a mesma lição, pois já voltou a resmungar.

— Jonas — Ronan chamou sua atenção — Você tem a memória de uma formiga por acaso? Você não pode se desesperar de novo, o professor já falou que a calma é a parte mais importante.

Sentindo-se um burro completo por ter repetido o mesmo erro, ele deu ouvidos ao amigo e voltou a se concentrar.

Na mesma ordem do exercício anterior eles alcançaram seus objetivos. Ronan demonstrou melhora e havia alcançado César. O sentimento de ver o ar circulando devagarinho na palma da mão foi à coisa mais gratificante que experimentou em seus 17 anos. Parecia um feito digno das histórias mais mirabolantes. Mesmo para algo tão simples, esse foi o primeiro desafio em uma longa jornada.

Após aprenderem o básico, a turma retornou animadíssima à sala de aula. E, para finalizar a sessão, o professor tinha algumas observações a fazer:

— Tenho que parabenizar vocês, todos aqui conseguiram manipular no primeiro dia. Apesar de parecer algo simples e no momento, sem muita utilidade, esse é o primeiro passo para se tornarem manipuladores autênticos. Por isso, amanhã de manhã, iremos retornar ao Centro de Manipulação, onde eu os deixarei livres para praticarem a vontade. Mas estarei lá para tirar dúvidas e mostrar como vocês podem aprimorar suas rotações.

A aula então chegou ao seu fim e Ronan despediu-se dos colegas, saiu da sala, e ao passar em frente ao mural de avisos, olhou-o mais uma vez. Observou os convites dos clubes, pegou o que mais lhe chamou atenção: clube de esgrima; será? Ponderou. Decidiu dar uma passada antes de ir para casa, afinal, no máximo só iria perder alguns minutos mesmo.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora