15. Procuradores (Parte I)

393 69 1
                                    


No dia 10 de fevereiro, uma tarde de quarta feira, dois estudantes foram internados em estado grave no Hospital Hobes, o melhor da capital. O motivo da internação foi a conjuração proibida lançada por Nathalia, ferindo tanto ela quanto o seu alvo. Mas para a sorte de ambos, a universidade se comprometeu a arcar com as despesas, afinal, foi dentro do Centro de Práticas, durante uma aula prática, que tudo aconteceu.

A mão direita por onde o sangue esvaiu para abastecer a conjuração, ficou em frangalhos. O ferimento originado pela queda no refeitório dias antes e, agravado pela conjuração, havia expandido e infeccionado devido à manipulação involuntária do sangue. O preço cobrado pela conjuração foi o braço açoitado por cortes. Precisamente 16 feridas de tamanhos variados, do comprimento de um polegar até o de um indicador.

Os médicos conseguiram apurar a causa dos cortes. A hipótese formulada apontava para uma rejeição com a sincronização de sangue, "talvez quando ela tentou cortar a conjuração para poupar a si e aos colegas, pouco antes de desmaiar", essa foi à justificativa dada pelo médico encabeçado. Nathalia fora medicada com anestésicos para que descansasse o máximo possível enquanto a equipe tratava como podia os seus ferimentos.

Na sala ao lado, a situação de Dario era mais complicada. Os locais onde fora atingido haviam inchado e infectado num aspecto semelhante ao ferimento principal de Nathalia, mas em escala maior, por consequência do sangue alheio manipulado dentro dos cristais pontiagudos da qual foi alvo.

A infecção em Dario alastrou-se envolta dos pontos alvejados: na lateral esquerda da barriga, no ombro direito e na parte direita e esquerda do peito. Tratar ferimentos do tipo seria complicadíssimo e exigiria muita paciência e dedicação dos médicos. Sorte sua acabar no lugar onde estavam os melhores de toda a capital.

Dario não havia acordado desde o incidente.

Devido à natureza e a gravidade dos ferimentos, ambos os pacientes não poderiam receber visitas de amigos ou familiares até o momento. Apesar do incidente, as aulas não foram canceladas, ao contrário da audiência para apurar a acusação de assédio contra Ronan, que foi adiada até a "vítima" receber alta.

Pela manhã do dia seguinte, uma representante da coordenação veio conversar com a turma A-101 sobre o acidente. Ela explicou que o ocorrido foi algo que, além de grave, era um tanto burocrático, complexo. E como uma conjuração proibida foi utilizada, os Procuradores do Império viriam ouvir cada uma das testemunhas presentes naquela fatídica tarde.

Para acalmar os ânimos da turma em polvorosa, a representante emendou dizendo que bastava dizerem a verdade, mas enfatizando que a conjuração proibida foi utilizada sem a intenção da usuária, pois assim ela não seria punida e tudo voltaria ao normal.

Para finalizar ela anunciou que os agentes: Adam e Smith viriam ouvi-los no inicio do período vespertino. Em seguida, a mesma ficou para responder algumas daqueles que não prestaram atenção na explicação e dos outros que realmente tinham algo substancial para questionar. Quando as perguntas findaram, a representante se retirou e a aula pôde prosseguir em paz.

Pelo resto da semana Felix não levaria mais seus alunos ao Centro de Práticas Arcanas, mas para compensar, iria revisar os assuntos já passados e apreendidos em sala. Para sua relativa felicidade, seus alunos não pareciam incomodados com a mudança, talvez quisessem evitar o horror de relembrar aquela cena trágica e assustadora, fazendo a aula prosseguir em silêncio, sendo perturbado apenas pelas fofocas dos mais ansiosos.

No refeitório da universidade, Ronan, Jonas e César sentavam numa das longas mesas de carvalho amendoado. Almoçavam quietos e sem apetite as suas refeições compradas ali ou preparadas em casa.

Foi Jonas quem quebrou o silêncio.

— Será que... Ele vai ficar bem?

Todos tentaram pensar em algo otimista para dizer, exceto Ronan.

— Eu acho que não.

Os dois o encararam com a incredulidade estampada em suas faces.

— O que vocês esperam? Ele foi alvo de uma... — hesitou, com medo de admitir —... uma conjuração proibida, de sangue ainda por cima. — Soou desolado.

— Tomara que a Leonhart seja presa — disse César.

— Ela não vai... não com esse sobrenome — Ronan admitiu.

Seu sanduíche de batata com carne de frango já estava frio e sequer chegou à metade, quem dera soubesse manipular o fogo. Ronan decidiu largá-lo as moscas afortunadas que nos lixeiros rondavam. Suspirou pesaroso ao apoiar os cotovelos na mesa.

Risadas descontraídas chamaram a atenção dos rapazes. Os olhares de Ronan e companhia se voltaram para a passarela que dava acesso ao refeitório. Um grupinho de garotas se aproximava, mas ficou difícil para Ronan ver quem eram, até ouvir um timbre conhecido, o familiar timbre da risada de Anna Ambrósio.

A face sorridente da garota surgiu entre as colunas da passarela pouco antes do grupo adentrar no refeitório. Distraídas elas seguiram em frente, Anna virava a cabeça de um lado para o outro, de uma amiga para outra, até flagrar a encarada de Ronan e devolvê-la na mesma moeda, constrangendo o pobre rapaz. Anna despediu-se das amigas e aproximou-se dos colegas do sexo masculino. Sentou-se à mesa e entrou na conversa inexistente.

— Olá rapazes, como estão? — Apesar de tudo, soava amigável.

Todos responderam numa variação nada criativa de "bem".

— Entendo. Eu me sinto responsável por aquilo. No fim, fui eu quem abandonou a Nat... deixando ela perdida daquele jeito.

Ronan sentiu que ela dizia a verdade, Anna de fato tinha levado aquilo para o lado pessoal, por isso, tentou tirar um pouco do peso das costas dela.

— O que mais você poderia fazer? Depois de tratar eu e o Dario daquele jeito. Ela até mentiu sobre... — Hesitou. Por pouco não mencionou a audiência que seria realizada em segredo.

Infelizmente, Jonas ficou curioso com a repentina hesitação.

— Ela mentiu sobre o que?

Tentou pensar em algo e falou a primeira coisa que veio à mente:

— Sobre o pai de Dario ser um renegado.

Jonas expressou surpresa, parecia ter acreditado.

— Sério? Ela falou isso mesmo?

— Sim — disse acenando com a cabeça.

Anna olhou intrigada para ele, mas entrou no jogo.

— É sim, eu estava lá, foi horrível demais.

César e Jonas pasmaram ao saberem que Nathalia era capaz de espalhar uma mentira dessas. Amaldiçoando a si mesmo, Ronan já pensava em maneiras para livrar-se dessa situação no futuro. Torceu para que após uma semana eles esquecessem que havia mentido para acobertar a existência da audiência.

Então percebeu o horário.

— Olha só. Está quase na hora de sermos interrogados pelos Procuradores.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora