42. Aventura de Verão (Parte III)

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Viajar numa carruagem luxuosa como aquela fez a raiva, tristeza e frustração de Ronan desanuviar a sua mente. Os três amigos contemplaram o mundo mover e sacudir pelas duas janelas laterais. Dario espichou a cabeça para fora, para dar uma espiada no tamanho da companhia que os acompanhava. 

Um demorado assobio confirmou o sentimento do rapaz. Anna e Ronan fizeram o mesmo, esticaram o pescoço janela a fora, e o que viram os maravilhou. Centenas de cavaleiros no alto de belas montarias devidamente trajadas em cotas de malhas e tecidos nas cores do império, trotavam ao redor dos veículos que alojavam estudantes e suprimentos.

Quando uma longa e sinuosa curva fez a companhia virar, os três puderam contemplar a extensão completa da guarda, ou melhor, do exército que os maravilhou minutos atrás. Lá no final, após centenas de metros longe da última carruagem, longas fileiras de infantaria marchavam com o passo acelerado. Ronan sentiu pena dos coitados, mas sorte de si mesmo. Dario parecia ter algo a botar para fora e Anna também havia percebido, tanto que perguntou:

— Que foi Dario? O que te incomoda?

Com o olhar distante, voltado para o horizonte em movimento, ele respondeu:

— Isso tudo é para nos proteger?

— Mas é claro. Nós somos o futuro desse Império — constatou Anna com o indicador levantado e com um riso no rosto.

Ronan tinha uma opinião divergente. Preferiu não se dar ao trabalho de expô-la aos amigos, mas não contava que a curiosidade de Anna se estenderia a ele.

— E você Ronan? Alguma opinião sobre o assunto?

Respondeu sem nem olhá-la nos olhos:

— Nenhuma — deixou o assunto morrer ali mesmo.

Dario e Anna se entreolharam e sacudiram os ombros de leve.

De dentro da carruagem os três ouviram uma conversa entre sodados ganhar volume. Ainda não era possível discernir cada palavra. E a curiosidade os motivou a espiarem o lado de fora como fizeram para contemplar o tamanho da comitiva.

Sentindo o vento nos cabelos, eles viram do que se tratava.

Uma enorme coluna de soldados marchava em direção contrária. A calma dos cavaleiros ao redor das carroças indicava serem aliados, mas devido à distância, não era possível ver como eles se trajavam. Ao menos agora com as cabeças para fora, os três discerniram fragmentos da conversa, até um cavaleiro os encarar com uma cara feia. Ronan e Anna se recolheram, mas Dario espiava pela janela do outro lado. E pelo que parecia, ele não fora repreendido por nenhum cavaleiro amargurado.

— Como eles sabem que não são inimigos? — Anna o perguntou.

— Acredito que apenas a vanguarda pôde enxergar direito. Imagino que eles repassaram a informação para quem vem atrás, para não se afobarem.

— Bem observado.

Ronan deixou os lábios se contraírem num sorriso. Anna puxou Dario de volta à carruagem, para interrogá-lo.

— Conseguiu alguma coisa?

— Não deu para ouvir nada, e vocês?

— Apenas algumas suposições. Parece que aqueles homens foram emboscados.

— Que bando fora da lei iria atacar tantos soldados imperiais?

Olhando para o horizonte fora da janela, Ronan sugeriu:

— Fora da lei nenhum... foram soldados imperiais.

Pela segunda vez Dario e Anna se entreolharam e sacudiram os ombros em dúvida, mas não o contrariaram. O silêncio tomou conta da carruagem. Em poucos minutos de silêncio, uma fileira de soldados marchando na direção oposta tapou a paisagem que os três viam da janela. Eram de fato soldados imperiais. Guerreiros com armas tortas, armaduras sujas, danificadas, portanto elmos amassados e um olhar derrotado.

Anna e Dario não se puseram para fora, mas espiaram com o rosto colado à janela, a marcha soturna daqueles soldados quebrados. Um dos cavaleiros, um oficial marchando ao lado da carruagem lançou um pergunta aos compatriotas derrotados, marchando em direção oposta.

— Mas o que diabos fez isso com vocês?

Um deles parou. Em seu tabardo branco o grifo estampado em vermelho fora manchado em sangue numa ironia cômica do destino. Levantando o rosto para encarar o cavaleiro que lhe dirigiu a pergunta, ele respondeu:

— Corvos na fronteira.

E retomou aquela marcha melancólica.

Na sexta-feira, um dia depois da viagem de Ronan e seus amigos. Hobb e Laura Briggs se preparavam para jantar, o que poderíamos resumir em: Laura fazendo tudo e seu marido absolutamente nada, nada além de sentar em sua poltrona enquanto lia o jornal entregue naquela manhã por um novo jornaleiro mal educado, que insistia após semanas no ofício, em atirar o jornal no canteiro de flores do quintal dos Briggs, tão bem cuidado por sua querida esposa.

Hobb odiava o jornal. Detestava as matérias escritas às pressas por copistas mal pagos, repudiava o papel de má qualidade, mais frágil que uma folha de grama ressecada. Mas não tinha jeito, não havia escapatória, de jeito algum o pai da família mancaria até a praça mais próxima para ouvir os anúncios esganiçados por um arauto de voz fina. 

Hobb sentou em sua poltrona empoeirada, apoiou a perna machucada na mesinha da sala e esticou o papel amarelado de péssima qualidade, onde a manchete o deixou de boca aberta.

— Querida! —chamou num berro.

— Que foi? — Laura respondeu da cozinha.

— Vem cá! — berrou mais uma vez.

Sua esposa largou o jantar no fogão a lenha e veio correndo ver o que o marido queria. Quando se encontraram, ele não disse nada, apenas apontou para a manchete, onde uma notícia mal escrita anunciava:

Alexandre Griffhart declara guerra após anúncio formal.


RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora