24. Visita (Parte II)

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Por duas horas elas conversaram sem parar, mas foi após a primeira que a soldada se apresentou. Chamava-se Lígia, ocupava o posto de sargento e era encabeçada da missão. Quando Anna perguntou o que havia dentro das caixas, ela resolveu dizer a verdade:

— Nós vamos distribuir essas duzentas lanças aos guardas de cada vilarejo e cidadezinha ao sul da capital. — Acentuou o que disse batendo com os nós dos dedos na caixa atrás de si.

— Hum... entendi... — Anna respondeu um tanto desinteressada.

— Mas então queridinha. Você disse que ia me contar porque está indo à prisão.

— Vou ver meu pai — terminou envolvendo as mãos nos joelhos.

O silêncio que seguiu permitiu as duas contemplarem os cavalos lutando contra a pequena elevação. Anna desejou ter em mãos (ou sobre a cabeça) um chapéu semelhante ao do condutor, algo com abas de palha tão grande que sequer um raio de sol atingisse o rosto, mas seus devaneios acabaram quando Lígia findou o silêncio.

— Ele era uma boa pessoa? — perguntou com o meio-elmo pelando em suas mãos, umedecido pelo suor quente que escoria do rosto.

— Eu já não sei mais.

— Mas o que ele fez?

Anna espantou-se com a prontidão que a pergunta viera. Foi como se ela previra sua resposta ambígua, engatilhando uma segunda na língua.

— Ele me bateu.

— Então ele é um monstro, um covarde.

Silêncio mais uma vez.

A companhia se aproximava de uma bifurcação, Anna sabia que para chegar à prisão precisaria pegar a direita, mas para onde eles iriam? Anna precisava perguntar:

— Escuta...

— Nós vamos pegar a esquerda, era isso que ia perguntar?

— Era isso mesmo.

— Então está na hora de nos despedir, Anna Ambrósio. Foi prazer te conhecer.

— Obrigada, igualmente...

— Não se intimide querida, faça o que é certo, ouviu? Apesar de tudo, seu pai precisa pagar pelo que fez a você.

Eu nem mencionei que ele emboscou, feriu e ameaçou minha amiga.

O balançar causado pelas rodas passando sobre rochas foi cessando conforme os cavalos reduziam o marchar, até pararem. Anna contemplou os dois companheiros que compartilharam o mesmo trajeto até então.

O condutor a encarou pela primeira vez e despediu-se num aceno, segurando a enorme aba do chapéu de palha em sinal de respeito. Já Lígia, pelo olhar emanando intenções ambíguas, parecia aguardá-la tomar a iniciativa. Arqueando as sobrancelhas, Anna estendeu a mão direita para um cumprimento, mas Lígia desferiu um tapa na mão que se aproximou.

Os olhos de Anna se arregalaram em incompreensão. A soldada ofereceu o elmo para o condutor, que o tomou sem titubear. Lígia se aproximou, arrastando-se sobre o largo assento de madeira que os três ocupavam. Anna sentiu o envolver dos braços dela irem até suas costas, lhe acariciando devagarinho com as pontas dos dedos.

— Vai dar tudo certo querida, boa sorte.

E um beijo no rosto.

Anna sentiu cada milímetro do rosto arder de vergonha. Ficou ali paralisada sobre o olhar da sargento, que se pronunciou quando a isso.

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