44. Aguarasa (Parte I)

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A bifurcação da estrada sinalizou que companhia havia atingido a metade da jornada. Não houve aviso prévio. Das 24 carruagens e carroças que partiram da capital, as oito que lideravam a expedição seguiram reto, rumo ao norte, para Alvovale e suas redondezas. Minutos depois da cisão, quando a carruagem de Ronan, Dario e Anna fez a curva à direita, eles viram os desgarrados subirem uma elevação, já distantes no horizonte.

De agora em diante eles seguiriam para o leste, em direção à Alvovale. Para sorte do melancólico Ronan, não houve oportunidade para se despedirem de Reiner e seus capachos. Dario foi o único curioso o bastante para acompanhar o partir da outra comitiva. Após minutos de contemplação ele virou-se para os amigos.

— Pessoal... — anunciou. — Nenhum soldado da infantaria seguiu norte.

Um lampejo de preocupação fez Ronan tremer um instante.

— E a cavalaria?

— Uma dúzia, talvez um pouco mais.

— Bizarro...

Anna parecia não se importar tanto com o assunto, então permaneceu quieta, observando a paisagem que aos poucos foi se alterando. As largas planícies verdes e floridas deram espaço à elevações, paredes rochosas e declives. Nos limites de cada acidente geográfico parecia sempre haver um rio ou lago de proporções variadas para lhes acompanhar.

Dores nas nádegas castigaram os três estudantes após três dias de viagens. Desde então, cada breve parada serviu de oportunidade para eles se exercitarem. Bem cedo, na manhã do quarto dia de viagem, os oficiais os informaram que iriam parar para descansar num vilarejo a poucos quilômetros de onde estavam. Dario foi capaz de discernir uma conversa entre cavaleiros e a informação obtida foi repassada aos colegas.

— Aguarasa? — Ronan repetiu o nome do destino.

— É o que eu ouvi. Vocês conhecem?

— Assim, do nada, não — revelou Anna. — Mas por algum motivo, esse nome não me é estranho.

A resposta ambígua dada por Anna confundiu a mente de Dario, que se perdeu mais ainda com a seguinte fala de Ronan:

— Pois é... eu também não conheço, mas parece que eu já li ou ouvi esse nome em algum lugar.

Ao menos o humor de Ronan apresentava sinais de melhora.

O balanço tremido da carruagem lutando contra os buracos da estrada foi reduzindo aos poucos, até parar. Cavaleiros montados em cavalos surgiam e desapareciam nas janelas do transporte, desmontando logo depois. Pouco antes dos três pensarem em se levantar para conferir o que aconteceu, o cocheiro abriu a porta da carruagem e anunciou aliviado:

— Chegamos criançada. Descansaremos aqui até amanhã.

Saindo pela porta esquerda e se utilizando dos degraus da carruagem, Anna foi a primeira a sentir o alivio do sangue voltando a circular livremente em seu corpo. Ronan saiu em seguida, ignorou os degraus auxiliares e saltou para fora. Não querendo ficar de fora, Dario seguiu o exemplo e também saltou para fora da carruagem, porém, quando seu pé direito raspou na areia, escorregou. Ronan virou-se pouco antes de testemunhar o corpo do amigo em queda livre, os milésimos duraram segundos, precisava ajudá-lo, avançou para aparar a queda.

Mas uma cena repassou em sua mente.

As mãos na cintura da garota do cabelo dourado, que o segurava pelo casaco, na altura do peito. O entreolhar apaixonado de dois amigos que aproximaram os rostos, primeiro num contato entre narizes e depois entre lábios. Aquela cena que o fez ruir por dentro, aflorando uma raiva reprimida.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora