38. Renegados (Parte I)

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Na penúltima quarta feira de outubro, tão cedo que o sol mal havia começado a nascer, Ronan sentiu o corpo ser envolvido por uma aura azulada. Tamanha sensação gratificante parecia justificar as dezenas de horas investidas em treinamento. Com olhos fechados, ele permaneceu sentado com as pernas cruzadas em meio ao gramado do Campo de Práticas Arcanas. Em sua frente, de pé, o professor Fernando Valadar observava seu desempenho em silêncio. E quando julgou ter visto o bastante, perguntou ao aluno:

— Isso é tudo?

— Por enquanto sim — admitiu Ronan. — Estou reprovado?

— Pelo contrário, seu baixo desempenho é um tanto... compreensível, por isso vou te aprovar. Pode se levantar agora.

Abriu os olhos, contemplou o pequeno campo vazio, esticou as pernas e levantou-se num impulso.

— Compreensível? Mas eu ainda não consigo fazer nada com essa energia.

— Você está apenas atrasado comparado ao resto da turma. Até agora, apenas um estudante conseguiu manipular essa energia.

— Uma estudante — Ronan o corrigiu.

Fernando Valadar assentiu e alisou a careca antes de prosseguir:

— Normalmente eu reprovaria alguém tão atrasado, mas como você entende bem os conceitos e a teoria por trás da manipulação, eu deixarei passar. Além do mais, seria um crime reprovar um criador de runas como você.

— Isso já aconteceu antes?

— Isso acontece com frequência. Criadores de Runas com dificuldade em manipular é tão comum quanto manipuladores geniais com problemas na criação de runas. Se o seu caso fosse o inverso, tenho certeza que o ex-professor Ronaldo te passaria. — Fernando parou, ajeitou a corcunda e reavaliou o seu comentário. — Pensando bem, eu acho que ele não seria assim tão compreensivo, mas basta, vamos indo?

Ronan não respondeu, pois se distraiu ao observar os muros que cercavam o pequeno campo. Vez ou outra podia ouvir o som ou ver partes das conjurações lançadas nos campos adjacentes. Imaginou que tipo de manipulações os alunos dos últimos semestres já eram capazes de produzir, e com pesar, lembrou-se da última conjuração a ser proibida pelo novo Arquimago, justamente aquela que mais ansiava em aprender, a temida por muitos: manipulação do fogo.

— Vai ficar por aqui? — chamou o professor. Com a distância que estavam um do outro ele parecia ainda menor, e ainda mais corcunda. — Você vai perder a minha aula, senhor Ronan. — Fernando apoiou-se na mureta com a mão direita.

— Ah, sim... quero dizer, não! Perdão, vamos indo. — atrapalhou-se e cambaleou numa corrida torta até a entrada do campo.

Uma hora e tantos minutos depois, em meio à aula oficial do professor Fernando Valadar, uma fofoca em particular fez-se ouvir.

— O quê? Você passou? Não acredito numa coisa dessas!

Dario surpreendeu-se a ponto de ofender o amigo. Segundos depois, os fios do cabelo de Nathalia esvoaçaram a centímetros do seu nariz quando ela virou-se para trás, num impulso.

— Fala baixo Zeppeli, você às vezes parece uma senhora histérica!

— Blá, blá, blá, me chamo Nathalia, eu só sei reclamar.

— Retiro o que disse. Você está mais é para uma criança.

Os dois se encararam em desafio até o professor Valadar intervir.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora