9. O Dilema de Ronan (Parte I)

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Aquela notícia atingiu todos como o avanço de mil cavalos. O olhar soturno do oficial por trás da porta da frente era genuíno, assim como os incansáveis rios de lágrimas escorrendo pelo rosto da senhora Zeppeli. Will reconfortou sua esposa num abraço legítimo, daqueles que exalam a perda sofrida e oferecem um consolo sublime. Mas Will permaneceu sóbrio, não chorou, não por fora.

Um baque de madeira contra o piso fez os presentes se assustarem em sobressaltos. A cadeira de Dario foi largada ao chão e seu ocupante correu até à escada rumo ao seu quarto. O passo irritadiço do garoto foi desvanecendo conforme ele se distanciava. O silêncio sobrepujou os lamentos de Susan por alguns segundos, até outra cadeira ranger ao ser arrastada, mas com muita educação.

— Meus sinceros pêsames. Acho melhor eu ir para casa — anunciou Ronan.

Os rostos do casal se viraram para encará-lo, aqueles semblantes tristes partiram o coração de Ronan, que em passos fúnebres foi até a porta onde o oficinal do exército não mais se encontrava. Caminhou para fora do terreno, segurou o pequeno portão da frente e olhou para casa erguida em tijolos vermelhos antes de iniciar o trajeto de volta a sua casa.

Cruzando um fétido bairro cuja rua era pura lama, Ronan ponderou observando as poucas estrelas que pontuavam a imensidão sombria acima de si. Não conhecia a relação entre os irmãos Zeppelis. Não sabia se eram melhores amigos ou piores inimigos. Ao pensar nisso, entristeceu-se por não ter mais a chance de conhecer Mario Zeppeli, um celebrado Procurador do Império aos 23 anos, uma conquista invejável.

O luto perdurou na aula da segunda-feira. Feições tristes e solidárias faziam jus ao clima instaurado na sala A-101. Uma roda foi aos poucos se formando envolta da bancada de Dario e Ronan. Jonas e César estavam presentes, admirados pelas histórias de Mario Zeppeli narradas pelo irmão enquanto o professor Felix não chegava.

Um silêncio seguiu após Dario terminar um dos relatos.

— Ao menos você não precisa mais fazer a limpeza das salas. — Jonas tentou animar o colega lembrando-o do perdão recebido a respeito da infração cometida na semana anterior.

— Como se fosse o bastante para trazer o Mario de volta — Ronan respondeu com rispidez.

— Tudo bem, não tem mais o que fazer mesmo — Dario lamentou semicerrando os olhos, cruzando os braços na bancada e repousando a cabeça nela, com rosto virado para a esquerda.

Atentos à mensagem oculta naquela ação, os colegas se despediram e voltaram aos respectivos lugares. No limite da visão periférica Ronan captou alguém entrando na sala, a silhueta feminina cumprimentou Nathalia e Karen, mas não sentou, seguiu reto...

Para a sua bancada.

— Dario — a voz melosa de Anna anunciou.

Ele levantou a cabeça e enrijeceu a coluna.

— Pois não... — Soou hesitante.

— É que... — ela levou o indicador à bochecha antes de prosseguir. — Meus pêsames. Eu posso não ter conhecido seu irmão, mas ficou triste em ver um colega passando por isso. — Dois pares de olhos castanhos se encontraram. — Eu sei que você tem suas desavenças com a Nat, mas eu não quero ver isso nos tornar inimigos, prometo não me meter na rinha entre você e ela — terminou voltando o olhar para Ronan.

— Obrigado, de verdade. — Um sorriso quase microscópico se formou nos lábios contraídos do rapaz em luto.

Aquelas palavras soaram sinceras o bastante para convencer Ronan.

Anna sorriu exibindo seus dentes perfeitos. Ela levantou a mão, abanou num sinal de "tchau" e voltou para o seu lugar ao lado esquerdo das amigas.

— Uma gata atirada num fosso repleto de cobras — Dario lamentou melancólico. Como se não quisesse ser ouvido por ninguém.

A figura cadavérica do professor Felix surgiu na sala como um paciente ceifador de vidas, pronto para levar alguém consigo. O robe negro que vestia roçava o chão escondendo o calçado. A estoicidade emanava em suas feições, dando o inevitável inicio a sua aula.

Apesar de tudo aquele seria um dia letivo, e Dario recusou os abonos concedidos a quem perde um familiar.

Ronan copiou os garranchos rabiscados no quadro. Aos poucos vinha decifrando aquela linguagem desconhecida, até o amigo questioná-lo.

— Sabe como ele se foi?

— Não. — Tentou disfarçar sua curiosidade.

— Emboscado por renegados — Dario respondeu, nem um pouco surpreso.

— Cretinos — esbravejou Ronan enquanto o professor mencionava os Mestres da Ordem dos Magos.

O rosto pálido de Felix Fitz abandonou o livro que segurava em mãos, para dizer o seguinte:

— Ronan, eu entendo que os Mestres são criaturas pedantes, mas isso não é jeito de fazê-los mais humildes, viu. — A turma riu da forma sagaz que o professor rebateu o xingamento de Ronan. Curioso com a atitude do aluno, ele prosseguiu: — Sobre o que você e Dario estavam conversando?

Ronan olhou para o vizinho, esperando sua aprovação. E com um aceno, Dario concordou em deixá-lo falar a verdade.

— Ele me contou como o irmão se foi.

— Hum... Uma tragédia de fato. Espero que esteja falando a verdade, não por mim, mas para o seu bem, não se deve brincar com uma coisa dessas.

— Sim professor.

Em mais um dia aprendendo as regras da universidade, a aula da manhã chegou ao fim. Ronan havia decidido passar na biblioteca e pesquisar algo para ajudá-lo a progredir. Apesar do tímido progresso demonstrado na segunda parte da manipulação do vento, não aceitaria ser um dos últimos da sala mais uma vez.


RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora