9. O Dilema de Ronan (Parte IV)

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Debruçada na superfície onde Dario costumava repousar o rosto cansado, ela ficou quieta, observando Ronan com os olhos bem abertos e sobrancelhas arqueadas.

A respiração de Ronan pesou em cada ciclo de inspiração e expiração.

— Me desculpe — disse ela convertendo a expressão no olhar para tristeza.

— Por quê? — questionou surpreso, encarando-a.

— Por te arrastar no meio disso tudo. — Soava arrependida de verdade.

— Tudo bem. Só acho que você pegou muito pesado com ele. — Sentiu-se estranho por repreender tamanha beldade.

— Eu sei. É que nossas famílias tem uma história já. Por algum motivo eu me deixei levar por isso. Injusto né? Eu sei... — Soou tímida ao desabafar, mas prosseguiu: — Sabe... Eu admiro muito você — ela confessou com um olhar convidativo.

Mãos se tocaram.

Ronan sentiu a macies dos dedos dela massageando sua mão. Mas o que é isso? Pensou enquanto o nervosismo o impedia de raciocinar direito. O suor gélido o banhava por baixo das roupas.

— P-P-Por quê?

Ela se aproximou.

— Você parecia tão heroico... — Ela se aproximou ainda mais —... Ao impedir seu amigo de fazer alguma besteira. — Aqueles lábios estavam a poucos centímetros da sua orelha. O nariz dela roçou em seu curto cabelo negro.

Nathalia foi se afastando aos pouquinhos. Ronan ficou sem palavras, poderia esperar de tudo daquela garota, mas uma intimidade dessas era algo fora de série.

— Aquele Zeppeli é tão bruto né? Nem parece um cavalheiro, ao contrário de você. — Um meio sorriso se desenhou.

— Obrigado...

Os mesmos dedos que acariciaram sua mão agora coçavam a nuca dela.

— Ele é uma má influência, não concorda? Sempre procurando confusão.

— Mas ele... Ele é meu amigo — tentou justificar enquanto se derretia pela doce voz de uma Leonhart.

— Não fale uma coisa dessas, ninguém pode saber que você é amigo de um. —Ela hesitou retraindo o rosto. — Bem. Você sabe né.

Fingiu entender, pois não quis se fazer de ignorante na frente daquela inofensiva criatura vinda de um conto de fadas.

Permaneceu impassível.

— Ronan, né? — Ela perguntou com um sorriso completo.

— Isso.

— Ronaaaan...?

— Briggs.

— Ah, você é aquele rapaz que conseguiu o financiamento? Nossa família é uma das responsáveis pela Fundação. Fico tão feliz que um cavalheiro de família comum possa ter a chance de entrar nesse mundo. Nós precisamos muito de gente como você.

— Obrigado — A felicidade propiciada por ela entender a importância daquilo tudo inflou a sua autoestima.

— Você sabia que essa sua amizade com o Zeppeli pode te prejudicar?

— Que? Como?

— Lembra quando eu falei que minha família é uma das cabeças da fundação que fornece o financiamento para gente como você?

Ronan anuiu balançando a cabeça.

— Você percebeu que eu e aquele garoto não nos damos muito bem, não é verdade? — Ela esperou que ele fosse capaz de juntar as duas pontas.

— O que isso tem a... — Foi então que percebeu. — Entendi... — Ronan concluiu, desolado.

— Espero que faça a escolha certa, tá bom? Até amanhã. — Ela se despediu lhe dando um beijo no rosto.

E assim, após envenenar sua presa, Nathalia saltitou sorridente pelos níveis que separavam as fileiras de bancadas.

Encravado no mesmo lugar, Ronan não iria mais para a biblioteca, quebrando a promessa que fizera a si mesmo. Por minutos afio ponderou sobre os eventos recentes ao testemunhar todos os colegas saírem, ficou sozinho até uma faxineira entrar na sala, dez minutos depois do último sair pela porta.

Ela não disse nada, mas deu inicio a tarefa de arrumar a bagunça deixada pela turma.

Ronan por fim acordou do transe induzido. Puxou a mochila e a pôs nas costas em dois movimentos. Saiu da sala sem despedir-se da humilde empregada, não por maldade, mas por incredulidade. Desceu as escadas até os sapatos atingirem o térreo, caminhou até a saída do prédio. Seguiu pela estradinha contornada por árvores. Cruzou o pátio e ignorou a fonte com os dois leões de pedras, de costas ao outro, vomitando água.

A menos de dez passos do portão, Ronan foi abordado por Anna uma segunda vez. A garota brotou de lugar nenhum, surgindo num passe de mágica em sua frente.

Isso vai virar rotina?

— Desembucha. Essa cara de peixe morto só pode significar uma coisa.

Ela já sabe?

— Ela me chantageou... Pediu para eu romper a amizade com Dário.

— Sinceramente. Eu não esperava nada muito diferente.

— O que? Como você pode ser amiga de uma cobra dessas?

— Por favor. Não me julgue por isso. Eu devo muito a ela e sua família.

Por algum motivo Ronan acreditou. Ao ouvir sua simples e humilde confissão, a imagem de Anna ao lado do pai no sábado de recepção aos alunos, veio a sua mente.

— Perdão por perguntar, mas isso tem algo a ver com o seu pai?

Ao ouvir tais palavras Anna arregalou seus olhos, surpresa por ele desconfiar.

— Sim, mas não quero falar sobre isso. O assunto agora é sobre o que minha amiga fez com você.

— Ela realmente pode cancelar o meu financiamento? — Precisava saber se tudo não passava de um blefe.

— Não tenho certeza. O pai dela faz tudo que ela pede. Aquela família é muito influente dentro da Fundação. Eu sei disso, pois costumo passar os fins de semana e feriados com eles, para ficar longe do... — Hesitou por um instante. — Do meu pai. — concluiu envergonhada.

— Obrigado pela honestidade, juro que vou pensar bem nisso.

— Você ainda quer pensar? Ronan, o estrago já foi causado, só não seja burro o bastante para pior ainda mais. — Ela deslocou-se para a direita e passou ao lado dele.

Os fios de cabelo foram à última visão que teve de Anna, pois ao se virar, ela já se perdera na multidão de alunos.

RonanOnde histórias criam vida. Descubra agora