Capítulo 74 - A Floresta

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Seus olhos se desgrudaram de Joane.

- Você! Você e unicamente você! - disse ela pausadamente. - Durante todos esses anos...

- Thomas? - Danna tocou seu ombro. Ela havia visto, ele soube ao olhá-la nos olhos. - Isso é verdade?

Não havia respostas, Thomas não as tinha por não entender o que aconteceu. Ele não sabia por que esteve ali na floresta, não sabia porque havia atacado Joshua, e muito menos identificava a habilidade de compelir em si. Ele não tinha todas as memórias para responder todas as dúvidas que o sufocavam, mas pela expressão fria de Joane, ele podia ver que ela tinha.

- O que aconteceu? - Thomas voltou-se para Joane, sem poder lidar com Danna naquele instante, sem coragem para encará-la. - Eu não posso compelir...

- Não pode compelir se não souber que pode compelir! - Joane o respondeu friamente. - Você esqueceu Thomas, como se esqueceu todas as vezes que ele o fez esquecer.

- Eu não entendo...

- Depois que Joshua sumiu, sua habilidade de compartilhar histórias se tornou diferente, não é verdade? - Joane se aproximou dele. - Naquele momento onde manifestou seu elemento, a terra, com tanta intensidade, com tantos sentimentos envolvidos, algo se rompeu em você, algo liberou poderes ocultos, habilidades especiais. Você acha que pode compartilhar histórias tão detalhadamente, assumir pontos de vista em memórias, ler memórias dos outros com tanta destreza, apenas por ter um alto grau de empatia? Você está enganado Thomas, algo em você se rompeu neste dia...

- Por que ele me compeliu Joane? - Thomas fechou os olhos, temendo severamente a resposta. Sentindo muito mais medo da verdade do que qualquer medo que jamais sentiu.

- Você se lembra de quando adoeceu? - Joane o questionou, seus olhos se encontraram. - Você alucinou, teve febre por noites e noites, sonhos atormentadores, uma ansiedade que não era compensada com nada... Aquela bela mulher, Lianna, - a forma suja e sarcástica como Joane disse o nome dela, fez Thomas querer enforcá-la ali mesmo. - cujo os braços serviram de abrigo para você por tanto tempo, ela cuidou de você! Ela também te afastou de seus dois melhores amigos. Lembra-se disso?

- Sim... - Thomas murmurou incerto.

- Lembra-se de quantas vezes imaginou machucados pela pele alva de sua melhor amiga? - Joane sorriu olhando para Danna. - Hematomas, mordidas, cortes...

- Sim! - Thomas lembrava-se disso com clareza em sua mente.

- Lembra-se de se imaginar correndo, perdido, assustado e sozinho pela floresta de Alcônva, em madrugadas escuras? Lembra-se da sensação sufocante que tinha ao chegar à margem do rio azul, perto do casebre onde seus dois melhores amigos dividiam a vida?

Thomas assentiu, sentindo-se derrotado por saber que Joane sabia a verdade sobre o pedaço de sua vida que ele não conhecia verdadeiramente. Estava apavorado por saber que de nada bom se tratava o que estava por vir, lembrando-se de todos os momentos em branco em seu passado, os buracos de incerteza e medo.

- Você tem o mesmo buraco em sua memória Danna. - disse Joane mudando o tom da conversa, parecendo ter empatia ao olhar para os olhos tristes e úmidos de Danna. - Você viu o mal por outra ótica, e depois disso, o ocultou mais e mais a cada vez que ele a fez esquecer também - Danna olhou para Thomas. - Não Thomas, meu bem, não ele. Joshua!

Thomas e Danna estavam imersos em uma memória azulada que se tornava mais escura a cada segundo. A noite da madrugada densa e silenciosa, na floresta de alcônva mais uma vez. Thomas se viu perdido, de pé na floresta, sem fôlego, como se tivesse despertado de um sono profundo repentinamente. Estremeceu ao sentir seus pés descalços contra o chão úmido.

Aos poucos se localizou. Achou seu caminho de volta a trilha que o deixaria na casa de Joshua e Danna, na margem do rio azulado. Sentindo medo, lembrando-se do que acontecera ao Sr. e a Sra. Smith.

A casa estava lá, silenciosa, escura, quieta, assim como a madrugada, mas Thomas sabia dentro de si que algo estava errado. Se aproximou vagarosamente, não queria espiar, mas precisava. Precisava vê-los dormindo lado a lado pacificamente, mesmo que isso o irritasse de certa forma.

Estava perto, aproximou-se mais um pouco quando ouviu um barulho na parte de trás da casa, onde a margem do rio se encontrava. Arrastando-se lentamente, Thomas continuou o caminho. Estendeu as mãos preparando-se para atacar caso alguém estivesse ali para ameaçar seus amigos. Chegou ao limite da parede de pedra, onde ao virar o rosto centímetros a esquerda poderia ver quem estava ali, até que ouviu passos rasteiros se afastando da casa.

Thomas respirou fundo, moveu-se lentamente para encarar o rio, quando se deparou com a luz da lua banhando a pele alva de Danna, nua, caminhando trêmula até a margem do lago. Thomas sentiu pânico dentro de si, vontade de sumir por invadir sua privacidade, de gritar de nervoso, mas isso só piorou quando ele percebeu as marcas na pele dela. Danna estava mordida nas costas, no quadril e no ombro, tinha marcas roxas severas em suas pernas e suas nádegas; Seu caminhar demonstrava dor.

A Danna do futuro estava ali testemunhando o que acontecia, do outro lado da margem, encarando seu jovem corpo nu, marcado por violência. Se observou com atenção, se vendo cair de joelhos na margem do rio, completamente atormentada. Olhos vazios, paralisados assim como sua expressão. Ela podia ver o Thomas do passado escondido na lateral da casa, petrificado de terror.

O Thomas do futuro moveu-se instintivamente, saindo de perto do seu eu do passado, querendo alcançar a jovem Danna nua, caída à margem do rio, querendo ajudá-la por instinto, tirá-la dali, mas um barulho atrás de si o assustou, assim como aconteceu com o jovem Thomas à poucos metros.

Dois passos na porta dos fundos da casa, era tudo que Thomas podia ouvir, sentindo ânsia, medo, enquanto seu corpo tremia da cabeça aos pés. Ele desejou, com toda a fé que tinha, não estar certo, mas ele estava.

Há poucos centímetros de Thomas, Joshua estava encostado na porta dos fundos da casa. Nu, impaciente e observando Danna caída sobre a lama gélida da margem do rio. Deu três passos em direção a ela, até que o jovem Thomas o atacou. Os dois caíram no chão e Danna mexeu-se, erguendo-se para entender o que acontecia..

Thomas tentava enforcar Joshua, fulminando ódio em cada centímetro de si, mas enquanto olhava em seus olhos querendo ver seu último suspiro de vida, os lábios de Joshua se mexeram murmurando algo que o fez o soltar. Thomas estremeceu sobre Joshua, compulsivamente, depois caiu no chão sem qualquer reação, petrificado. Sem qualquer memória do que vira.

Apenas o Thoma e a Danna do futuro viu Joshua fazendo a Danna do passado esquecer logo depois.

Tudo o que se via sumiu, e a memória sumiu como fumaça até que os dois estavam de volta.

Thomas olhou para Danna, com um sentimento de remorso e culpa tão horrível dentro de si

que a única coisa que podia desejar era deitar ali no núcleo da floresta dos Escuros e morrer. Podia ver que ela começava a se lembrar de tudo, paralisada de horror.

- Como...? - Thomas murmurou olhando para Joane.

- Lianna sabia que você havia sido encantado por alguém, estava tentando o seu melhor para limpar sua mente. Um dia você teve um vislumbre, ficou aguardando o momento certo para abordar Joshua, enquanto o observava e explorava o sentimento de certeza sobre suas desconfianças. Até o dia que ele soube que você desconfiava dele, e esperou que você algo dissesse... Você disse na floresta, no dia em que ele desapareceu com suas memórias pela última vez.

Thomas olhou para Danna, se aproximou dela e a puxou para si, a abraçando com força e desespero. Desejando com tudo de si que pudesse amenizar o que ela sentia.

- Me perdoa! - ele murmurou contra a cabeça dela. - Me perdoa! Eu sinto muito!

- Como... - sussurrou Danna se afastando dele, olhando para Joane. - Como você... - se colocou a centímetros dela, de forma feroz. - Como sabe tudo isso?

Joane sorriu e os encarou em silêncio por um tempo antes de dizer lentamente:

- Oh Danna, eu conheço Joshua muito melhor do que vocês dois jamais conheceram!

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