Capítulo 17 - Milesville

606 102 4
                                    

Na masmorra os jovens se serviam da ceia farta que cozinharam mais cedo. Era um natal não usual para todos ali, mas que se tornaria um hábito. Aquelas pessoas vindas de diferentes lares, com diferentes histórias, formavam uma família. Aquele lugar completava espaços deixados em branco em suas histórias.

Danna observou Thomas cochilar na cadeira de balanço. Lisa dormia no sofá, com a cabeça no colo de Liam. Shang e James conversavam animadamente perto da lareira, enquanto comiam biscoitos e tomavam leite morno. Amanda na varanda conversava por Skype com a mãe e o padrasto.

Danna subiu a escada da casa vagarosamente para ir ao quarto e ler um pedaço da bíblia, era o que ela fazia todos os anos. Não seria diferente agora. Caminhando pelos corredores longos da casa, ela observou a parede lateral ao quarto onde costumava dormir. Luc havia colocado as fotos novamente na parede. Ela observou as molduras que demarcavam aquelas memórias. Memórias essas que influenciavam na energia da casa. Memórias que compunham Alexis e Luc como pessoas. Ela já havia se familiarizado com aqueles rostos. Olhou para o sorriso largo de Matt e sentiu uma pontada de culpa no coração.

- Descanse em paz. - Danna tocou no menino através da foto. O observou abraçado a Alexis e Steve, e um lapso de memória a atingiu. Aquela foto foi um gatilho para trazer de volta fantasmas do passado.

Pensou sobre a vila de Alcônva e as crianças correndo em meio a poeira das ruas com suas vestes longas e grossas. Pensou na floresta que assustava os moradores, mas que era seu verdadeiro lar. Pensou em Thomas, jovem e destemido, os cabelos loiros voando até seus ombros, correndo com Joshua ao seu lado, um rapaz alto de cabelos negros curtos. "Vamos Danna!" eles a chamavam correndo para a floresta com sorrisos largos em seus rostos. Ela, uma menina de dezesseis anos, não deveria andar com dois rapazes bagunceiros como eles, era o que as pessoas da vila diziam, mas eles eram seus amigos e protetores.

Danna olhou para trás como sempre fazia, verificando se ninguém os observava com uma espingarda nas mãos ou com prontidão para denunciá-los. Era uma época de medo e sombras, e ela era ingênua, temia até mesmo a própria sombra. Seu pai a havia treinado para ficar em alerta, para temer, principalmente quando a deixou. Thomas e Joshua não tinham mais pais, talvez por isso não fossem cuidadosos. Era tudo uma aventura para eles e ela sempre embarcava em todas elas, mas gostava de sentir aquele resquício de medo. "Ter medo é sempre prudente" seu pai dizia. Para ela era um mecanismo de defesa.

"Vamos Danna!" Joshua gritou entre uma risada e outra, Danna correu ao encontro dele segurando o vestido para dar liberdade aos pés, ao mesmo tempo que mais movimento para caminhar sobre a fina neve que se acumulava na orla da floresta. Sentia o vento gelado bater em suas canelas. O natal se aproximava. Talvez os mais velhos do conselho estivessem os esperando para contar histórias. Danna apressou o passo. Seus dois amigos a ajudaram a entrar através dos arbustos na floresta.

Depois daquele dia, ela nunca mais viu Joshua.

- O que te aconteceu Joshua? - ela se perguntou em um murmúrio que se repetiu por séculos. - O que te aconteceu?

A Linhagem Winlook 3Onde histórias criam vida. Descubra agora