A Hallen Perdida

Capítulo 31

-Blake. -digo o nome dele baixo, ouvindo as batidas do seu coração aceleradas.
-Hm? -ele pergunta ainda me apertando.
-Pode me soltar, por favor? -pesso engolindo em seco.
Ele retira a mão da minha cintura, colocando as mãos no bolso e olhando para baixo. Desvio o olhar dele e me deparo com Josephy caído no chão.
-Joe! -grito preocupada e corro na direção dele.
-Joe? -pergunta Blake confuso, provavelmente se perguntando de onde eu arranjei tanta intimidade.
Me agacho ao lado dele e pego seu corpo mole nos braços. A cabeça dele cai em meus braços.
-Não! Joe, acorda! -começo a me desesperar- Josephy!
Uma lágrima escorrega pela minha bochecha e cai sobre a barriga de Joe e ele dá risadinhas silenciosas.
-Hey! -solto ele, mas antes que ele caia no chão ele começa a flutuar e rir no ar.
-A cada minuto que eu passo com essa garota, mais eu gosto dos humanos, Alteza! Eles são tão fáceis de enganar! -Joe fala entre as risadas. Eu balanço a cabeça incrédula. E Blake acompanha Joe na risada.
-Nunca mais me preocupo com você; seu gatinho traiçoeiro! -falo me levantando.
-Foi engraçado, admita! -Joe voa até ficar na altura dos meus olhos e fica deitado no ar me olhando de cabeça para baixo.
-Talvez. -falo tentando conter uma risada.
-Você não é tão ruim, pequena humana! -Josephy fala voando ao meu redor.
-Mas ainda tem muito para aprender! -Blake se pronuncia e a conversa fica completamente desconfortável, pelo menos pra mim- Vamos para aula?
Assinto indo em direção ao quarto dele. Ele e Joe entram depois de mim. Não sei o que falar, eu não deveria estar aqui, devia estar me escondendo em algum canto do Palácio, eu não sou corajosa, porém estou aqui, olhando fixamente para Blake enquanto ele pega algumas frutas azuis do seu grande arsenal na parede de seu quarto. O jeito como seu cabelo se mexe desgrenhado com o vento que vêm lá de fora. Ou como seu peito sobe e desce com a respiração. Ou o jeito como seus músculos se contraem quando ele usa a magia para levitar as frutas azuis até a mesa. Desvio o olhar a tempo dele não perceber como eu o encarava. Olho para o lado e Joe
está sorrindo e ao invés de pupilas dentro de seus olhos tem dois corações vermelhos. Corações iguais aos que tem nos olhos dele me rodeiam e eu os espanto com a mão, fazendo-os se desmanchar. Dou um tapinha na cabeça de Joe e ele volta ao normal, rindo.
Olho para frente onde Blake está colocando uma faca e uma fruta na minha frente.
-Sério? Vai mesmo insistir nisso? -pergunto apontando para a fruta e a faca.
-Você precisa aprender! E além do mais -ele fala aproximando mais a fruta de mim- eu não desisto fácil!
Duvido muito que ele tenha falado apenas da fruta, que olhando de perto agora parece uma maçã azul. Esse vai ser o nome dela, maçã azul! Pareci uma criança de cinco anos dando nome para blusa preferida. Rio do meu pensamento idiota e Blake me olha estranho.
-Do que você está rindo? -ele me olha desconfiado.
-Eeer... nada! Só... coisas, aqui dentro! -digo apontando para minha cabeça.
Ele me olha como se eu fosse louca e depois aponta para a maçã azul.
-Corta. -ele diz.
-Tem certeza absoluta disso? Porque eu...
-Só corta, Millena! -ele me interrompe.
Eu olho para faca e a pego com cuidado. Posiciono-a em cima da maçã azul e tento achar o ponto certo para cortar. Eu não faço a mínima ideia do que eu estou fazendo. Corto a maçã azul de uma vez só e BUM! A tinta azul explode na minha cara inteira e deixa visível Josephy que estava ao meu lado em sua forma invisível. Olho para frente e Blake está com a expressão séria, pouca tinta respingou nele e ele está tentando se limpar mas só consegue espalhar cada vez mais a tinta. Coloco a mão na boca tentando não rir. Sinto o gosto da maçã azul. E é muito bom! Caramba! Isso é muito bom! O sabor é indescritível, quase como estar dançando em nuvens ou algo parecido.
-De novo! -Blake chama minha atenção e me empurra mais uma maçã azul. Ele se afasta e cria alguma coisa parecida com um escudo. Uma parede invisível que impede que eu o suje com a explosão da maçã azul.
-Obrigado pela confiança! -digo com ironia e me volto para maçã azul.
Quatro maçãs explodidas depois, eu estava coberta e tinta e Blake limpava novamente o vidro do seu escudo com alguma coisa parecida com um para-brisa. Josephy se juntou a ele depois da segunda maçã.
-De novo! -Blake diz mais uma vez, me tirando do sério.
-É sério?! -exclamo exasperada- Até quando vai me obrigar a fazer essa coisa ridícula?!
-Até você estar completamente azul! Ainda estou vendo pedacinhos da sua pele então; de novo! -ele fala sério e eu pego outra maçã azul respirando fundo.
Corto a maçã azul de qualquer jeito nem tanto mirar o corte; ajustar a faca ou nada equivalente. Nada acontece. Olho para baixo e a maçã está cortada ao meio. Ela é de um azul mais claro por dentro, há apenas uma pequena semente amarela solitária em uma das metades azuis da fruta.
Estou perplexa olhando para maçã azul. Deu certo. Não acredito que deu certo! Olho para frente e Blake está me olhando com orgulho. O que me deixa bem e desconfortável ao mesmo tempo. Ele rompe a parede invisível e se aproxima do balcão pegando uma metade da maçã azul na mão. A parte em que está a semente, ainda intacta.
-É essa semente que causa a explosão, se conseguir cortar a gênesis com precisão suficiente para não cortar a semente, então ela não vai explodir na sua cara. Requer prática e treino, mas com o tempo você pega o jeito. -ele diz retirando a semente com cuidado e a colocando em um dos potes em seu arsenal junto a tantas outras e depois comendo a metade da maçã azul, que descobri que se chama gênesis.
-Então, esse é o nome da fruta, gênesis? -pergunto intrigada pegando a outra metade.
-Quê nome você achou que era?
-Maçã azul é mais legal que gênesis! -dou de ombros e ele ri.
Me sinto um pouco desconfortável aqui com ele, depois da briga que tivemos. Olho para o relógio na parede. A aula já acabou, faz tempo, na verdade. Eu tinha mais aulas com o Blake, ele deve ter usado todas as aulas só para me ensinar a cortar a maçã azul, sim, vou continuar chamando de maçã azul. Já são duas horas da tarde, ainda não almocei, acho que vou ir lá na cozinha implorar para Louis me dar algo para comer.
-Preciso ir, Blake. Suas aulas comigo já acabaram. E eu preciso me limpar. -falo olhando para baixo e cruzando os braços.
-Antes de ir, coma sua metade de gênesis, você não pode ficar sem comer. -ele ordena, parece ser uma ordem. Mas eu não o questiono. Só porque estou com fome. Como minha metade da maçã azul e me sinto mais que satisfeita.
-Vou ajudá-la a se limpar. -ele fala indo até o banheiro.
-Não precisa eu já estou...
-Faço questão! Eu provoquei toda essa sujeira! -ele volta do banheiro com uma toalha molhada na mão- Sente-se na cama. Por favor.
Sento-me na cama e ele se agacha na minha frente. Ele começa a limpar meu rosto com cuidado, atento demais a cada mancha. Desvio o olhar rapidamente quando ele olha nos meus olhos. Ele continua limpando e limpando. Parece uma eternidade até que ele termine de limpar meu rosto.
-Pronto! -ele fala deixando o pano agora todo azul de lado e se levantando.- A mancha da gênesis não é nada fácil de tirar. Talvez terá de pedir ajuda para suas criadas.
-Eu sei me virar sozinha. -falo andando em direção à porta- Obrigado pela aula, mas preciso ir. Tenho alguns livros que Jeff me mandou ler.
-Jeff. Já tem toda essa intimidade com meu tio? -ele pergunta com um sorriso cruzando os braços.
-Ele é legal, muito inteligente.
-Sabia que vocês iriam se dar bem. -ele fala com orgulho. E dessa vez a sensação de satisfação falou mais alto que meu orgulho. Mas logo me repreendi e tirei o sorriso do rosto.
-Tchau, Blake. -falo abrindo a porta.
-Espera! -ele diz fechando a porta e a trancando com apenas um aceno de mão.
-O que? -pergunto me virando.
-Me desculpa. Eu não devia pedir para você não defender a honra das pessoas que ama. Nem para se calar, sei como é difícil pra você. -olho para ele com desdém e ele sorri- Não vou mais interferir na sua implicância com a minha mãe.
-Implicância? -olho para ele incrédula- Ainda está a defendendo? Por quê?! Blake ela nem é sua mãe de verdade!
-O que? -ele pergunta com uma expressão séria. Não sinto medo, estou irritada demais para me importar com isso.
-Ela não é sua mãe! Sua mãe se matou, Blake! -falo e logo me arrependo. Sabia que era um assunto delicado para ele. E além do mais isso era hipocrisia da minha parte, afinal, eu também considerava Marta minha mãe; apesar de quase não a ter chamado assim desde que descobri que ela não era minha mãe de verdade.
-Você é a última pessoa que eu achava capaz de me dizer algo assim. -ele me olha com algo muito pior que acusação na voz, eu o magoei.
-Blake, eu...
-Não quero saber o quanto você sente muito! Você falou e não pode mais retirar isso! -ele fala tentando manter a calma.
-Blake eu não queria...
-Vá para seu quarto, nossas aulas acabaram por hoje! -ele me interrompe novamente se virando para não olhar para mim.
-Eu não queria magoar você, eu...
-Você subestima demais sua capacidade de me magoar. Eu sou o futuro rei, você não pode falar comigo assim. Já deixei você passar demais do limite! -ele fala ainda sem me olhar.
-Blake, me desculpa, eu...
-Se eu bem me lembro, mandei você ir para seu quarto. -ele fala sem se alterar, ainda, mas consigo ver sua mão de fechar com força.
-Se eu bem me lembro, não sigo ordens suas! -revido- Dá pra me ouvir só um segun...
Blake faz um sinal com a mão e tudo fica claro, depois escuro. Meus órgãos se reviram dentro de mim como se alguém estivesse fazendo malabarismo com eles. Sinto eles encolherem e voltarem ao normal. Tudo começa a esclarecer e estou no "meu quarto". Sinto uma ânsia de vômito mas nada sai da minha boca. Josephy está deitado na cama me olhando com reprovação.
-Ele me teletransportou pra cá? -pergunto olhando para em volta.
-Você foi muito insensível. -Josepby comenta virando e barriga para cima na minha cama.
-E hipócrita! -me sento ao lado dele na cama- Eu não queria falar aquilo, eu estava com raiva, a única coisa que eu queria era magoá-lo. Mas esqueci como magoá-lo me magoa também.
-Precisa se desculpar com ele! -Josephy fala esfregando seus pelos em mim e ronronando.
-Eu vou. Mas agora eu preciso de um banho! -falo me levantando e indo tomar banho.
Tomo um banho demorado, quase não consigo tirar toda tinta. Acho que vou ter que jogar minhas roupas fora.
Me deito com Josephy deitado no travesseiro ao lado do meu. Deixo ele lá, só espero que ele não ronque.