Capítulo 23

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Sufoco a vontade de olhar para trás, triturando todas as minhas entranhas com a curiosidade, me obrigo a olhar para frente e continuar a andar. Será que ele viria atrás de mim. Por quê? Para me proteger? Duvido que ele ligasse para isso a essa altura.
Ele não viria atrás de mim. Eles nunca vinham atrás de mim. Eu cresci acreditando em contos de fadas, em príncipes e em mundos alternativos onde eu era linda e magra. Mas tinha um porém, os príncipes nunca corriam atrás de mim. Eu sou estranha, confusa, tenho baixa auto-estima e drama é meu nome do meio. Por quê um Príncipe viria atrás de mim? Os príncipes da minha vida, ou seja, os garotos por quem eu já me apaixonei, nunca vinham atrás de mim, o que me faz achar que esse seria diferente? Resposta: não seria. O Príncipe sempre ficaria com a princesa no final, mas tem um detalhe, eu não sou uma princesa, nunca fui e não é agora que vou ser.
Blake pode ter tantas opções sendo o herdeiro do maior condado da dimensão celestial, por quê ele me escolheria? Eu não combino com o Blake e Blake não combina comigo. Para falar a verdade, eu não combino com ninguém, talvez eu tenha nascido para ficar sozinha. Eu poderia viver sozinha com a minha mente para sempre, eu nunca me cansaria de rir da minha idiotice.
Avisto um ponto de ônibus na virada de uma esquina e vou até ele, não é porquê estou em uma crise existencial que posso esquecer do casamento do Jason.
Pego o primeiro ônibus que vai em direção ao centro, vou a floricultura, ao restaurante responsável pelo bufê, e em vários outros lugares confirmar e ajustar detalhes do casamento. Só falta ir à loja de vestidos para confirmar o terno de Jason e os vestidos das madrinhas. Estou andando em direção ao próximo ponto de ônibus que tenho que pegar e agradeço mentalmente ao Luc por ter me ensinado a andar de ônibus e me levar a cada ponto turístico da cidade. Ele fez todos nós decorarmos os horários e destinos de todos os ônibus e cada ponto de referência na cidade para nós não nos perdermos.
Avisto um mercadinho de longe, era ali que ficava o antigo mercado do seu Jonas, ele era um cara legal. Vou até esse mercadinho para comprar algo para comer, já é meio dia e ainda não almocei, também não vi Blake ainda, acho que isso quer dizer que ele voltou para a casa, e deve estar se atracando com a Charlie em algum canto. Ignoro o nó que se forma em minha garganta ao pensar nisso e entro no mercado. Vou direto a sessão de guloseimas. Pego um salgado e um chocolate. Vou para o caixa e pago tudo. Saio da loja e um vento forte me recebe do lado de fora, arrepiando os pelos da minha nuca. Tenho a sensação de estar sendo observada, olho para os lados em busca de uma silhueta escondida nas sombras. Não vejo nada então continuo andando. O ponto de ônibus parece mais longe agora, será que eu fui para o ponto de ônibus errado? Minha cara isso! Passo por um beco quase escondido, espera! Esse beco não estava aqui antes, ótimo, eu fui para o lado errado, vou ter que voltar para o outro ponto. Dou meia volta rindo de mim mesma e passando pela frente do beco novamente.
Sinto algo pegar minha cintura e uma mão tampar minha boca, me debato tentando me livrar do aperto da pessoa que está atrás de mim. A pessoa é agressiva e me joga para dentro do beco. Levanto e tento fugir mas a pessoa me pega e me pressiona contra a parede, segurando meus pulsos com uma mão e tapando minha boca com a outra. O homem que está em minha frente aperta meus pulsos com tanta força que machuca. Ele está usando uma toca cinza, a barba por fazer e seus olhos cansados deixam transparecer que ele não dorme a dias.
-Eu não acredito! -ele pronuncia com a voz rouca, incrédulo, como se não acreditasse no que via- Você, no mundo humano? Achei que os celestiais guardavam você a sete chaves! Agora aqueles idiotas vão ver, eles irão me reverenciar quando eu entregar a Hallen Perdida de bandeja para eles!
Eu tentava gritar mas a mão áspera dele abafava o som, ele era um obscuro, iria me levar de volta para Aisha, para ser torturada de novo. Eu me debatia e tentava escapar, o obscuro só sabia rir da minha cara. Ele apertou mais forte meus pulsos e me prendeu totalmente na parede com as pernas.
-Você vale muito, meu bem! -ele fala tirando a mão de meus pulsos e acariciando meu rosto, agora ele prendia meus braços com o peito e não conseguia me mexer, algumas lágrimas escaparam dos meus olhos mesmo eu tentando não chorar- Shhh! Não chore, querida! Não vai demorar até você ser prisioneira de James, não se preocupe ele é um cara legal, quando o obedecem, é claro!
Ele se afasta um pouco e abre um portal, para a dimensão obscura, se não me engano. Aproveito a distância e consigo dar uma joelhada nas partes baixas dele, fazendo ele se contorcer de dor. Me solto dele e saio correndo mas ele me alcança antes. Começo a gritar enquanto ele tenta me impedir. Ele se irrita me virando de frente para ele e dando um tapa em minha cara, me fazendo cair no chão. Espero no chão por mais golpes, mas tudo que ouço é o som de um soco, e esse som se repete várias e várias vezes. Levanto a cabeça e vejo Blake batendo no obscuro que estava me sequestrando. Blake! Ele tinha vindo atrás de mim? Ele não parava de dar socos na cara do obscuro, acho que ele já estava até inconsciente.
-Blake, para! -peço a ele para parar, se ele continuasse batendo ele iria matar o obscuro- Blake! Você vai matar ele, para!
Blake para por uns instantes e eu penso que acabou, mas então Blake pega a cabeça do homem entre as mãos e a vira, fazendo um estalo. Arregalo os olhos de medo e escancaro minha boca, incrédula. Ele tinha quebrado o pescoço do homem, ele havia matado alguém.
-Você o matou, Blake! -exclamo horrorizada.
-Se eu não o matasse, ele iria contar para os outros onde você está e iriam matar todas as pessoas que você ama! -ele diz sério olhando com um olhar frio para o obscuro que recém havia matado.
-Nunca há motivo suficiente para matar alguém, Blake!
-Eu o matei para te proteger, Millena! Isso é motivo suficiente pra mim! -ele fala ainda olhando para o cadáver em seus pés.
-Como ele me achou, eu estou com o colar! -pergunto a ele, tentando não arranjar uma discussão entre nós dois.
-Eu ouvi os rumores, mas não achei que fossem verdade! -ele fala pensativo.
-Quê rumores?
-Tem fotos suas espalhadas por toda a dimensão obscura, quem trouxer você vai ganhar um desejo, o desejo que quiser! Esse cara era um exilado, ele foi expulso da dimensão obscura por algum crime. Se ele capturasse você, poderia voltar para sua dimensão, então...
Ele pega o corpo do obscuro para jogar no portal, sua camisa rasgada deixa de fora um pouco de sua pele. Consigo ver parte da barriga do obscuro, que carrega a mesma cicatriz que Blake tem na parte de trás do ombro, mas sem a tatuagem em volta. Perco o ar e me levanto rapidamente do chão, dando passos para trás, ele joga o obscuro dentro do portal e fecha o mesmo com um movimento da mão. Uma coisa que um dos professores que eu irritei falou para mim passa como um outdoor com letras neon na minha cabeça "qualquer celestial pode abrir um portal para a Terra, ou para a dimensão obscura ou para a dimensão celestial, mas só um celestial pode fechar um portal aberto por um celestial, assim como só um obscuro pode fechar um portal aberto por um obscuro". Se Blake era celestial, como conseguiu fechar o portal? E como era possível que Blake tenha a mesma cicatriz que a de um obscuro?
-Millena, deixa eu ver seus pulsos! -ele diz se aproximando de mim, eu me afasto dando três passos para trás.
-Fique longe de mim! -falo com medo.
-O que foi? -ele pergunta realmente confuso.
-Quem é você?! Ou melhor, o que é você? -pergunto a ele em um tom acusador.
-Você sabe quem eu sou Millena! -ele fala totalmente confuso.
-Tem certeza? Mais alguma mentira que você queira me contar?
-Do que você está falando?
-Você acha mesmo que eu não prestei atenção em nada do que aqueles professores disseram?! Um celestial não pode fechar um portal que foi aberto por um obscuro a não ser que você tenha uma poção, Blake! E como você me explica o obscuro que você acabou de matar ter uma cicatriz igual a sua? Me responde, quem é você, Blake?
Ele em nenhum momento se deixa abalar com minhas perguntas, sua expressão é sempre a mesma. Ele se aproxima mais de mim e eu fico firme no mesmo lugar, sem deixar que ele me intimide. Ele coloca os braços sobre meus ombros e olha em meus olhos.
-Eu não vou discutir com você, Millena! -ele diz baixo se aproximando mais e mantendo seu olhar no meu- Agora, você vai me obedecer e fazer tudo que eu mandar, não grite e nem fale com estranhos, você vai andar comigo até o carro e entrar sem sequer exitar, você me entendeu?
Tento lutar com todas as minhas forças para não cair na hipnose dele, mas minhas pernas gritavam para que eu andasse até o carro, na minha boca a palavra "entendi" se formava e estava pronta para ser pronunciada sem meu consentimento. Tento fechar a boca para que a palavra não saia.
-Millena! -meu nome tão doce em sua boca rompe todas as minhas forças fazendo eu me render a sua hipnose- Você entendeu?
-Eu entendi -pronuncio contra a minha vontade enquanto começo a caminhar para o carro, que detalhe, eu nem sei onde está.
Caminhamos até onde estava o carro e eu entro sem sequer parar na porta, Blake entra logo depois e volta a ficar sério.
-Pegue a corda que está no porta-luvas! -ele dá a instrução e eu obedeço sem sequer pestanejar. Por que diabos ele tinha uma corda no porta-luvas?Ótimo, ele vai me matar, me sequestrar ou algo assim. Olhando agora ele parece um pouco nervoso. Pego a corda e entrego para ele. Ele se debruça sobre mim e afivela o sinto. Depois ele pega minhas mãos e as amarra juntas. Depois olha para frente, ligando o carro e voltando a dirigir.
-Pode falar agora, Millena. - ele diz ainda olhando para frente, continuo calada apesar de ter muitas perguntas.
Eu tinha caído nessa de novo, não tinha? Tinha acreditado que ele não me trairia novamente, tão ingênua, como sempre. Começo a rir da minha idiotice e ele olha para mim confuso.
-Do quê você está rindo? -ele pergunta voltando a olhar para a frente.
-Não acredito que eu caí nessa de novo! -recosto minha cabeça no banco e começo a rir de novo- "Eu não vou mais mentir para você, Millena!"; "Eu me importo"; "Eu vou sempre estar do seu lado"; "Chega de mentiras!".
O provoco imitando a voz dele e rindo mais ainda de mim mesma.
-Tudo o que eu falei para você, era sério! Mas isso... é complicado! -ele fala receoso do que deve ou não falar.
-É sempre tão complicado, não é? Blake você sabe tudo sobre mim! Eu te conto tudo! Tudo mesmo! Sempre contei tudo para você, ou para o Allan, que seja! A questão é que você nunca conta nada para mim! Eu não sei nada sobre você, droga!
-Você sabe tudo sobre mim, Millena! Só não se lembra!
-Agora ficou tudo mais claro, Blake, obrigado! -exclamo sarcástica.
Ele estaciona em um motel, e desata minhas mãos, desvio o olhar para não precisar olhá-lo nos olhos. O que diabos estamos fazendo em um motel?! Só o que me faltava ele querer me matar em um motel agora! Eu merecia morrer em um lugar melhor! Pensando bem, um motel é um lugar discreto, um lugar que não deixa rastros! Perfeito! Tudo que faltava para o meu currículo, ser morta por alguém de outra dimensão e em um motel! E ele nem para ser cavalheiro e me levar em um motel mais caro!
-Fique quieta e me siga sem fazer escândalos! -ele diz saindo do carro e não espero ele abrir a porta para mim simplesmente saio do carro e olho para ele com nojo. Quem ele pensa que é para achar que manda em mim?! No momento não consigo sentir nada além de aversão a ele.
Ele pede um quarto e nós subimos as escadas entrando no quarto 312. É limpo pelo menos.
-Precisamos confirmar os vestidos de madrinha e o terno do noivo, Blake! -me lembro do casamento do meu amigo e uso como desculpa para sairmos dali.
-Me dá seu celular. - ele pede estendendo a mão. Penso em protestar mas minha mão se estica até meu bolso e estende o celular para ele sem pestanejar. Me sento na cama com lençóis brancos. Me sinto inútil, sendo controlada por ele sem conseguir me defender. Me perco em meus pensamentos enquanto ouço a voz distante de Blake falando com a moça da loja. Blake desliga o celular e o joga na cama. Decido ignorar ele, isso deve atingi-lo, ele está me atingindo e me manipulando de tantas formas, a única coisa que posso fazer é pelo menos tentar retribuir. Ele vê como isso tudo me afeta, e solta um suspiro passando a mão pelos cabelos, ele está aflito, eu encaro o chão, perdida em pensamentos, me sentindo usada, controlada, inútil.
Ele vai até o banheiro e volta com bandagens e um copo de água. Se ajoelha em minha frente e pega meus pulsos, os analisando. Eles estão roxos, Blake solta meus pulsos e fecha sua mão com força, muita força. Ele passa água e enrola as bandagens em meus pulsos com delicadeza. Ele fica observando meus pulsos enfaixados e leva minha mão à boca beijando-a. Ah se eu pudesse dar um tapa na cara dele agora! Continuo olhando para o chão até ele suspirar e pegar em meu queixo me forçando a olhar em seus olhos.
-Não precisa mais me obedecer, Millena. -ele diz ainda ajoelhado na minha frente. Olho para ele e dou um tapa na cara dele com toda a minha força, ele me olha incrédulo e eu o olho com todo o ódio do mundo.
Levanto e vou em direção à porta, mas antes ele fala:
-Achei que você queria respostas!
-Eu só quero ficar longe de você! -digo virando para olhá-lo.
-Reclama que não te explico nada, mas não me dá a chance de te explicar! -ele se levanta passando a mão no lugar em que eu havia batido.
-Okay, me explica, eu vou embora, você some e só volta depois do casamento do Jason, para me levar de volta para aquele inferno onde eu nunca mais vou falar com você!
-Isso não vai acontecer!
-Não me subestime, Blake! -O desafio dando um passo a frente.
-Nunca a subestimei, sei mais do que ninguém do que você é capaz! Você é que está cometendo o grave erro de me subestimar! -ele também dá um passo para frente, cruzando os braços.
-O que você é, Blake? Um obscuro? -pergunto e ele perde o ar desafiador e se encolhe com a pergunta.
-É difícil para mim falar disso, Millena! As únicas pessoas que sabem disso é meu pai e.... Você.
-Okay, vamos pular a pergunta óbvia! -falo ignorando o nó que ele deu no meu cérebro, precisava saber como eu sabia de coisas sobre o Blake que não deveria saber, como sabia o que cada movimento e cada respiração dele significavam, como ele me trazia tanta familiaridade e segurança- Como nos conhecemos tanto, Blake?
-Nós não nos conhecemos tanto assim, Millena! -ele fala tentando desviar o assunto, e colocando a mão no bolso, o que significava que ele estava nervoso. Outra coisa que eu não deveria saber, eu nunca vi o Blake nervoso com nada.
-Ah não?Então como eu sei que quando está muito irritado ou aflito você bagunça o cabelo, e que isso me irrita muito? Como eu sei que quando você está pensando em alguma coisa você fica com uma ruguinha linda na testa? Como eu sei que você é canhoto? Como eu sei que sua comida preferida é morango porquê eles te fazem lembrar a sua mãe, a mãe verdadeira? Como eu sei que sua cor favorita é cinza, porque você diz que é uma cor tão sombria e diz que sente orgulho de mim por conseguir transformar uma cor sem vida na coisa mais pura e maravilhosa que você já viu? Como eu sei que você tem cheiro de pinho e canela e que isso me faz lembrar de quando eu era criança e tomava banho de chuva sozinha no telhado do meu prédio ou na casa dos meus avós? Como eu sei que você sabe todos os elementos da tabela periódica? E como eu sei que você é um ótimo jogador de xadrez mas sempre me deixa ganhar para que eu não me sinta mal? Como eu sei que você é péssimo em palavras cruzadas? Como eu sei que você estava em cada apresentação, em cada show de talentos e em cada exposição de arte que já fiz? Como eu sei que eu me sinto tão bem quando eu faço algo certo e você me olha orgulhoso? Como eu sei que você é a melhor pessoa que eu já conheci? Como eu sei que só você me faz sentir segura e protegida? Como eu sei que não preciso ter medo de você? E o mais importante, como eu sei que quando você era criança, tinha medo dos trovões e da chuva, tanto medo que se escondia de baixo das minhas cobertas, e ficava horrorizado quando eu dizia que amava a chuva e ainda mais os trovões. Então, um dia eu te levei lá para fora no meio de um temporal, os trovões só pioravam e você estava com tanto medo, então eu me aproximei e peguei sua mão, nós começamos a dançar desengonçados na chuva. E nada mais importava. Não importava porque estávamos juntos, estávamos dançando e o som da chuva era nossa música, nada e nem ninguém existia, éramos só nós. Como eu sei disso, Blake?
Eu fico impressionada com tudo que eu acabei de dizer. Eu nem sei como, as palavras só transbordavam da minha boca como uma cachoeira. Estava cara a cara com o Blake, mais próxima do que minha saúde mental permitia. E olhando em seus olhos pude ver a criança que dançou comigo na chuva, a criança que cresceu comigo. Como eu sabia de tudo isso?
-Você tinha um amigo imaginário quando era criança, como você o chamava, Millena?
-Blay!

Tam tam taaaaaaaaammm!
Estou rindo da curiosidade de vocês agora! Muahahaha! Sou muito malvada! Já estou escrevendo o próximo capítulo então é provável que saia mais rápido! Será que nosso casal favorito finalmente vai se acertar? Será que tudo será revelado ou existirá algo mais que nosso lindo e maravilhoso Blake esconde? Isso tudo vocês só saberam nos próximos capítulos de... A Hallen Perdida!(imaginem a voz do locutor das novelas da Globo falando isso)
Desculpa me empolguei❤
Espero que gostem e até logo❤

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