|Cap. 45|

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-- Não! --Gaspar grita alto e firme ao empurrar o corpo febril de André para longe de seu abraço apertado e beijo violento. Sua respiração é forte, seus olhos brilham assustados diante da ousadia repentina.

-- Não gostou? -- a voz de meu irmão surge em escarnio, um som rouco e sínico que toma meus ouvidos diante desta nova experiência e deste outro homem que é meu tão amado André. Essas emoções e descobertas são claras, mas rapidamente se eclipsam diante do estalo que ganha em som todo o quarto. O punho de Guez alcança firme, direto e forte o rosto belo à sua frente. Seu olhar duro, cansado e raivoso domina o ambiente, seu ser superior diante de um homem que lhe forçou um beijo é digno de um príncipe. 

-- Não se sinta no direito sobre o meu corpo novamente, senhor. Eu lhe devo a vida e a lealdade, mas não a minha honra e meu direito de escolha. -- Guez diz duro, seus olhos fitando firmemente ao corpo meio curvado pela dor de um forte punho. -- Agora entenda, senhor, só não o matarei em respeito ao choro de sua irmã. -- termina antes de dar alguns passos rumo a porta de saída.

-- Você não se importaria com o choro de minha irmã, Guez. Diga a verdade, você não mataria o amor da sua vida. -- André apresenta já recuperado, seu corpo virado a minha direção, seus olhos duas adagas que perfuram o corpo magro que tenta seguir sua saída.

-- Se não amo a mim, senhor, como poderei amar alguém mais? -- essas palavras caem sobre o quarto que num instante se silencia no mais profundo, é o peso delas que cala nossas respirações e nossa coração que bate vivo. São palavras doloridas e reais, é o significado mais puro daquilo que cobre o rosto bonito do homem que agora sai silenciosamente do recinto e nos deixa livres para respirar desesperados o ar carregado que ainda permanece.

--O que... -- tento iniciar meu interrogatório ao me ver livre das amarras invisíveis de toda aquela cena, aquela dor. Meus lábios parecem querer seguir uma carreira de dúvidas, meus olhos procuram aos de meu irmão que ainda está preso na porta agora cerrada. Sua mente parece perdida nas palavras amargas proferidas por quem mais ama. 

-- Irmã, não se sinta no direito do julgamento. -- inicia -- Entendo que tivemos uma educação voltada aos dogmas e seguimentos católicos, mas os pecados de nossa família nunca serão perdoados por Deus. E dos meus pecados, a quantidade imensurável que tenho deles, este seria o menor. Este seria o que eu nunca abandonaria. Este pecado não é sobre amar outro homem, mas sobre me sentir no direito de amar. Então, por favor, guarde suas críticas para aqueles que querem ser salvos, pois eu quero me chafurdar no mais profundo do inferno e nunca mais retornar. 

-- André... Meu Deus!... Porque diz isso?

-- Outra hora, irmã. -- ele apenas diz ao mudar de assunto e de altivez. Seu corpo abandonando a fragilidade e a dor, se erguendo em músculo e potência. Sua voz retornando ao suave e firme de antes, seus olhos perdendo o brilho das emoções. -- Já sobre o que aconteceu hoje, tomarei as responsabilidades sobre o que vier a ocorrer pela morte daquele homem. 

-- Não há necessidade de se preocupar, André! -- Bjornan inicia -- Já tomei boa parte das iniciativas necessárias, e a morte daquele homem parece ter caído com um alívio ao mundo. Bem sabe que seu título não é algo tão bem vindo aqui, não quando nossas nações são animosas entre si. Então , por favor, apenas siga com o plano e me deixe a responsabilidade do que uma vez prometi a você. 

-- Que assim seja, Viking! -- André apresenta um sorriso aberto e amargo, uma pureza que alcança falsamente seus olhos. Sinto o dissimulado que este homem consegue ser, os outros mundo e personagens que consegue ocupar. Este homem é desconhecido para mim, mas também é todo o significado do nome Korcwovski. Ele, André, é a representação do Inferno de Dante vivo, é a dor dos pecados de uma lasciva e maldita família. -- E agora, o que mais descobriram?

-- Meus homens descobriram um casebre abandonado no meio da floresta e que parecia ter sido ocupado por alguns pares de dias. 

-- Meu Deus!... -- adianto aflita. -- Isso significa que estava nos vigiando!

-- Sim, Helena. E mais do que apenas vigiar, este homem, ao ocupar tão tranquilamente um bosque que pertence a minha propriedade, só mostra o quanto Gaspar tinha razão sobre algum traidor ao nosso redor. Maldição... eu, como sempre, um maldito tolo!

-- Não diga isso... 

-- Sim, Viking, escute minha irmã. Não há espaço ou tempo para lamentações. O fim está próximo, precisamos ser rápidos e certeiros. Hoje vão desempenhar um importante papel, devem trazer para o nosso lado algumas respostas, alguma vantagem. Encontrem ao senhor Zeki Kurye e tentem descobrir o que nos espera. Achem onde aquele maldito Pedro possa estar. -- sua voz é um forte imperativo, como um comando para os homens que lutaram ao seu lado na guerra. A força em suas palavras, em sua voz e na necessidade que parece correr líquida sob sua pele. -- Agora devemos ir, já estamos atrasados. -- finaliza antes de seguir rumo a porta sem esperar qualquer tipo de resposta.

-- Irmão... -- busco aflita, as palavras parecem queimar meus lábios

-- Sim, Helena... 

-- O que... o que aconteceu... -- tento sem sucesso desencadear as necessárias perguntas.

-- Deixe-o ir, Helena! -- a voz de Bjornan surge ao interromper os difíceis pensamentos que vazam em perguntas deformadas por um voz angustiada e presa.

-- Mas... -- ainda tento, minha garganta queimando a falsa sensação de direitos que sigo crendo ter por respostas.

-- Deixe-o! -- o comando de Bjornan é categórico.

-- Se não há mais nada... -- a voz dissimulada de André e seu sorriso encantador de um dandy  me tomam antes de deixar sem qualquer outra palavra o quarto em que estamos.

--Você não tem o direito de se intrometer... -- solto cada palavra com a raiva contida em meu corpo, deixo fluir todos os sentimentos ruins que respirei no ar pesado deste quarto.

-- Nem você, Helena!

-- Ele é meu irmão...

-- Será que ainda o é, Helena? O quanto conhece do André que não aquele belo e encantador jovem russo das festas de Moscou? Este homem que esteve no quarto agora a pouco é outra pessoa, Princesa. É um homem marcado por demônios que nunca sonharei conhecer. Não tente acreditar que ainda sabe quem ele é, muito menos julgar àqueles que ele ama. André e Gaspar são meus amigos, mas também são pessoas que a dor instalada em seus corações me fazem sentir culpa, remorso e medo. Sinto muito, Helena, mas não deixarei que ouse se meter antes de ter seu coração aberto às dores e cumplicidade que aqueles dois guardam.

-- Eu... Por Deus, já não se de mais nada! Quero bem ao meu irmão, mas ele parece querer achar sua própria morte. Eu... só tenho tanto medo! -- minha voz falha ao dar vazão a essas últimas palavras. O medo cai sobre meus ombros, desfalece meu espírito e toma com força as lágrimas que descem dos meus olhos.

-- Sei que tem medo, Helena. -- ele se dirige mais próximo e me puxa para um reconfortante e protegido abraço. -- Estarei aqui com você e por você, então não se preocupe em não ter medo. O medo nos faz mais fortes, mais espertos e é o que nos mantêm vivos. Agora vamos, não se termine em lágrimas pois precisamos cumprir nossa parte nas tarefas do dia. -- ele diz ao suavemente limpar as lágrimas teimosas que banham meu rosto. -- Precisamos de respostas para salvar seu irmão do inferno que ele tanto quer se atirar. Você está comigo nessa? -- acrescenta ao puxar meu rosto e forçar meus olhos de encontro aos seus. Um olhar terno, cativante e amável. É um sentimento que novamente me ganha, uma necessidade dele que entorpece meus sentidos. Tenho, agora, ainda mais medo, pois também tenho medo por nós.

Desejo VikingOnde histórias criam vida. Descubra agora