-- Venham, sentem-se à mesa. -- Bjornan prontamente diz ao avistar André e Guez adentrando a espaçosa sala.
-- Vejo que minha irmãzinha consegue acordar cedo nesta casa! Seria fruto dos deuses?! -- André alfineta em brincadeira enquanto se dispõe num dos lugares ao lado de Bjornan, fazendo caso omisso de seu fiel escudeiro.
-- Vamos, sente-se também, Guez. Sabe que nesta casa você é mais que um empregado de André, você é meu convidado de honra. -- Bjornan diz ao ver o pobre menino em pé ao meu lado. Seu corpo magro fazendo presença imóvel e respeitosa ante a aprovação de seus superiores. Essa atitude, típica da hierarquia que cobre nossa sociedade não me é estranha, mas desnecessária. Aqui, mais que nenhum outro, esse grande garoto é o único que consegue aquecer o coração de uma menina perdida, o único a avivar as esperanças de um irmão desesperado.
-- Sente-se, Guez! Precisamos nos apressar para o dia de hoje. -- a voz gélida de André é como um balde de água fria em meu coração. Eu, sua irmã, quem o acompanhou boa parte da vida, reconheço que em meio aos traços alegres e uma voz cadencial, o frio que cobriu de significado o mando esteve presente. Meu amado irmão está se deixando ir cada vez mais fundo no abismo, cada vez mais perdido para qualquer sentimento.
--O que pretendem fazer hoje? -- pergunto em tom casual, tentando quebrar o silêncio constrangedor, a sensação de mal-estar que se abateu sobre um café da manhã que parecia tão inicialmente divertido e restabelecedor de energias.
-- Vamos buscar Magnólia ainda esta manhã, irmã.-- informa -- Se me permitir já trazê-la para esta casa, meu amigo. -- a voz de André ressoa em pedido afinado para Bjornan, seus lábios providos de uma emoção doce e seus olhos desprovidos de tudo, nublados por coisa alguma. Talvez a alma dele já não esteja mais ali, seu destino desgraçado e traçado em fogo queimou tanto que se apagou e ninguém viu.
-- Agradeço que tenha me comunicado, André, assim poderei pedir para que alguém prepare um quarto para a jovem. Mas de resto, meu bom amigo, se sinta livre para fazer o que bem lhe valha. Esta casa também é sua!
-- Já que estamos todos tão bem dispostos -- acrescento -- gostaria de pedir aos dois para acompanhá-los hoje, quando forem buscar a jovem senhorita. Sei que não tenho direito de pedir muita coisa, mas se vou passar um tempo com esta moça, bem como ajudá-la a se estabelecer e se sentir feliz por aqui antes que alcance para o inferno, gostaria de ao menos a conhecer logo que possa.
-- Não sei se seria a melhor opção, Helena. Mullan ainda segue um pouco instável, mesmo que tenha aceitado nos ajudar nessa empreitada.
-- Deixe que sua irmã nos acompanhe. -- Guez finalmente emite seu primeiro som desde que adentrou esses aposentos. Seu corpo rígido, seus olhos curvados para a mesa, suas mãos repousadas no colo. Uma imagem derrotada, mas um semblante que ainda consegue carregar orgulho. -- Será útil que ela descubra um pouco mais sobre o mundo que está a nossa volta. Assim, quem sabe, ela consiga perceber que ele não é rosa. -- a voz envenenada rasga o momento, parece compor em teias de amargura outros significados. Lembranças. Desespero. Dor.
-- Guez... -- André se levanta em reprimenda
-- Não, irmão! -- me adianto. -- Ele tem razão! Por mais que me esforce, ou o finja, ainda concebo o mundo como um todo rosa. O meu mundo foi. Ele foi rosa a custa do cinza de todos vocês. Não posso ajudar se não sei. Não posso aprender se não vejo. Este garoto está certo, não brigue com ele por dizer verdades.
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Desejo Viking
RomanceAlguém sabe quando o amor surge? Alguém sabe quando deixamos de temer perder a liberdade para ficar ao lado do outro? O amor seria mesmo essa faca de dois gumes, que de um lado te dá alegrias nunca antes vividas e do outro te toma alegrias nunca mai...