|Cap. 24|

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-- Por Deus, o que faz aqui, Mirha?! -- minha voz soa alta, assustada pelo rompante de segundos antes. Meu espanto por toda cena posta, por tantos sentimentos e verdades que parecem dominar o ambiente e corromper o ar que respiramos.

-- Eu vim saber a verdade. Melhor... eu vim comprová-la! -- sua voz sai resoluta, seu corpo firme e ereto, pronto para  se defender ou atacar.

-- Há quanto tempo tem escutado nossa conversa? Quem te trouxe? -- André assume diante do que acontece, seus olhos que se firmam numa garota frágil e que tenta ser forte.

-- Tempo suficiente para saber de tudo. Tempo suficiente... -- Mirha responde ao questionamento, seu corpo ainda firme e parado na entrada, sua voz demonstrando a tensão do momento e a falta de vontade em responder ao homem que lhe força.

-- Então o que deseja com toda essa cena, se sabe o que passa? O que pretende fazer com mais essa informação? O que foi postulado é o que será, não cabe a mais ninguém decidir ou tentar intervir. -- Gues quebra o longo silêncio de todo momento tensionado, seu corpo também rígido e pronto para a guerra. Sua voz é ácida, fria e cortante.

-- Desgraçado! Maldito! Você... você... depois de tudo o que passou, tudo o que sentiu, todas as dores que compartilhou em memória e experiência comigo... Você é o pior de todos eles! --Mirha grita em afronta às palavra ferinas de Gues.

-- Você ainda não respondeu como conseguiu chegar aqui, Mirha. Como passou pelos meus homens? -- A voz de André se torna cada vez mais exigente, impaciente com os desvios de conversa de Mirha.

-- Foi meu irmão quem me trouxe aqui, Jack! -- sua voz é violenta, seu ódio retumbante quando mira ao meu irmão. -- Foi meu irmão quem me trouxe, pois eu precisava de respostas. Foi ele que me ajudou a passar pelos guardas, satisfeito?!  Diferente de vocês, ele não pode me negar mais nada. Diferente de você, Gues, meu irmão, mesmo não podendo mensurar o que passei naquele inferno, não me esconde nada.

-- Se espera desculpas, Mirha, abandone seu propósito. Fiz o que achei certo e isso é o fim. Você não quer viver, então qual o sentido de lhe mostrar mais uma morte?! De pedir sua ajuda?! Que encare seu próprio corpo definhando enquanto se mantém egoísta.

-- Maldita!... -- essas são as únicas palavras proferidas pela boca apertada de Mirha pouco antes de seu ataque. Seus olhos focados em um só ser e apagados para o resto do mundo, seu ódio quase consumado no gosto bom que surge no riso que sai de seus lábios ao pegar a faca que estava na calça de Gues e, como se os instantes contados pelo tempo desaparecessem, as mãos pequenas e os braços finos tentassem a todo custo acertar ao homem magro que recua pelo reflexo, mas logo nos surpreende ao segurar firmemente a mão assassina de Mirha e depositar a lâmina da faca contra o próprio peito.

-- Vamos, Mirha, faça! Faça! Acabe com isso de uma vez por todas! Faça aquilo que não consigo por ainda desejar viver, mesmo que cada dia seja o puro terror e o próprio inferno. -- Gues termina em sussurros. Suas palavras são como uma forte bofetada em meu ser, sua voz cortada, rouca e presa pelo desespero que se apresenta na calmaria de seus olhos e suas ações. A mão firme que ainda segue presa ao punhal de sua própria arma e que força lentamente a coragem de seu agressor.

-- Por favor... -- a voz de Mirha sai faca, suave e medrosa, mas suas mãos parecem avidas pelo golpe, pelo sangue e pela morte. Avidas para livrarem do sofrimento outro ser que agoniza.

É aqui, neste pequeno instante, nesta fagulha de momento que toca meus olhos na visão de um particular, que vejo como André fita ao pobre Gues. Seu corpo que não reagiu ao que sucedeu, sua imagem firme e permanente me assunta com o bom sentimento que se deixou sumir da relação desses dois. Mas seus olhos abertos, vidrados e desamparados, seus lábios que formam uma linha fina e trêmula, seu rosto se compondo em uma imagem assustada, nitidamente mortificada pelas palavras tristes de Gues, me fazem recobrar o amor e o medo na conexão dos dois. Não sei o que se passa, não entendo o que são ou os planos de cada um em suas ações presente, mas sei que a dor por querer viver que toma a voz doída de Gues, e a dor por saber que essa vontade dói, pelo meu irmão, me estremecem, me tomam, me atordoam e por esse milésimo de segundo me fazem perceber que o fim para esses dois só se encontra no pior.

-- AAAAHHHH -- a voz de Mirha me puxa a atenção perdida em instantes. Me agarra assustada. Seu grito de socorro, seu grito de morte, de arrependimento, de ódio, angustia e desistência. Ele me toma. Seus soluços e seu choro livre me comovem.

-- Agora você não pode mais morrer para o mundo, Mirha. Você é obrigada a lutar, pois escolheu também viver. -- Gues se pronuncia, suas palavras tomam a pobre menina em silêncio, deixando que seus soluços altos se apaguem com o curto tempo. Ela escolheu viver.

- Mas dói tanto... -- Mirha chora. Seus olhos brilhantes por lágrimas que caem descuidadas e violentas, seu rosto vermelho por tantas emoções apertadas em um corpo pequeno, seus braços moles e seus joelhos frouxos que a levam ao chão.

-- Dói sempre e infinitamente, mas cada dia é um dia de aprendizado para continuar vivendo, entendendo e aceitando essa dor. Pois esse sofrimento, Mirha, esse sentimento que corrói nossa alma e toma todos os instantes nossa memória, ele permanece enlaçado em nosso íntimo, preso em nossas vidas como grilhões, marcados em nossa pele como ferro quente. -- Gues continua -- Mas é a maneira como lidamos com ele, justamente porque queremos tanto viver, que faz com que sigamos por mais um dia. Ainda existe vida, Mirha. Ainda existe o nosso direito em querer viver.

-- Eu quero viver, Gues.... -- a voz da pequena mulher que se ajoelha no chão e aos pés do magro e abatido menino sai fraca, exitante em ter a força de poder ser ouvida.

-- Então venha, pois está na hora de voltar para a casa. -- Gues finaliza ao ajudar a erguer o frágil corpo agora determinado.

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