A carruagem corta a noite quente e úmida, o som das rodas no chão ecoa por ruas iluminadas e quase vazias. Meu corpo treme em antecipação, minha mãos seguem apertadas em meu colo pela espera infinita que congelam os minutos e os transforma em eternidade.
--Não fique nervosa, Helena! -- a voz de Bjornan surge, seu corpo grande sentado a minha frente, sua beleza bruta e pagã tão bem acomodada em um terno preto. Seu cabelo claro e brilhante para a iluminação amarelada de dentro do carro, seus olhos verdes que me fixam em animosidade e gula. Este homem, tão diferente da beleza etérea de Mikhail ou da dureza cínica de André, é rusticamente belo. Seus traços fortes, seus sorriso divertido e bom, seus olhos apaixonados, tudo me mantem prisioneira nesta relação sem futuro, nesta atração tão forte e tão sem sentido.
-- É difícil não ficar, Viking! -- tento soar divertida com o apelido, forço meus lábios em um sorriso. -- Estou com medo da noite que nos espera. Sabe, eu era uma moça de festas e divertimentos, alguém que não se apavorava diante de pessoas novas, e que adorava esse mundo iluminado e alcoólico que são os bailes. -- tento seguir altiva diante das duras sensações que me tocam em cada palavra -- Mas agora estou aqui, cansada de tudo isso. Esperando conseguir um milagre, uma resposta a tanta dor jogada sobre os ombros de meus irmãos. Tudo me parece tão sem sentido agora... Toda alegria, toda bebida e conversa desatinada que tive nesses lugares... Tudo me é tão desnecessário, tão injusto quando entendo minha cegueira abrilhantada por vestidos novos, joias pomposas e flertes diante das durezas sem escolhas que meus irmãos tinham que lidar. -- minha fala é cansada, a voz se sente como um sopro dolorido e sem direitos. Estar reclamando de um bom mundo que experienciei parece ainda mais cretino e injusto de minha parte.
-- Não se martirize tanto, Helena. O que passou já não importa mais... -- seus olhos me fitam firmes e gentis, seu sorriso parece me tomar o folego e acariciar meu espírito ferido. -- E deixe de pensamentos tão duros, já estamos a meio caminho de um pomposo baile Norueguês.
-- A meio caminho? Mas já tão logo? -- acrescento surpreendida pelo encurtamento da viagem.
-- Minha casa ainda fica em Rouen, Princesa. Por mais que não aguente vivenciar as movimentadas noites francesas da aristocracia, ainda não me perdi em selvageria para viver nos confins dessa terra. Nossa casa está a pouco mais de uma hora do centro da cidade, é um pequeno Oasis em meio ao turbilhão movimentado dessa vida metropolitana.
-- Mas se vive tão perto, senhor, porque não ser mais minimamente ativo na sociedade? -- saio de meu estado de ânimo negativo para essa nova e surpreendente conversa. Forço minha mente a mudar os rumos que toma, a tentar se encher pela orgulho e necessidade daquilo que nos espera. -- Pensava que vivíamos no fim do mundo ou ainda mais longe, que estava presa e agarrada pela terra e suas ervas daninhas naquela casa e pedra. -- acrescento com um riso.
-- Os aristocratas e homens ricos daqui não são diferentes de Petersburgo ou Moscou, mesmo de Londres ou qualquer outro lugar nesse velho mundo. Todos aqui parecem se sentir mais franceses que normandos, possivelmente um reflexo da força de Napoleão. -- inicia -- Então, aproveitando o momento, minha encantadora Princesa, devo pedir para que tome cuidado com o que fala e com o que escuta. Não estamos com pontos para nos indispor com ninguém, nem tempo para discussões que não nos pertence. -- ele finaliza enfático, seus olhos me fitando na busca de qualquer intervenção que meu sangue quente, que minha nacionalidade force sobre o momento. Sou uma mulher russa, uma aristocrata que viu o desfazer de todo um mundo, de todo um país e de tantas vidas. A invasão de Napoleão e seu fim trágico marcou não apenas a França e seu desejo por expandir ao último espaço de terra, nem foi simplesmente parada pelo frio pelo gelo. O poder de Napoleão foi dolorosamente interrompido pela fome e pelo sangue de milhares de russos.
-- Não se preocupe, senhor, meu foco hoje não será maldizer a vida daquele que forçou meu povo à guerra. Estou pela vida dos meus irmãos e o descanso de seus espíritos, busco por um pouco de paz a este coração que se arrepende. -- apresento o encarando firme, em meus olhos a certeza marcada pelas palavras que acabo de proferir.
-- Ao final de tudo isso, Helena, tomarei sua mão em casamento. -- ele apenas diz, seus olhos dourados e iluminados pela parca luz que nos agracia o interior do carro, seus lábios fechados em uma expressão séria. O som delicado de todas aquelas palavras, a certeza que parece emanar deste rosto forte, desta voz potente que entra em meu corpo e me aquece pelo mais puro medo. Sim, o medo de tais possíveis sentimentos, de gritante necessidade e aterradora incerteza me consome como o fogo.

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Desejo Viking
Storie d'amoreAlguém sabe quando o amor surge? Alguém sabe quando deixamos de temer perder a liberdade para ficar ao lado do outro? O amor seria mesmo essa faca de dois gumes, que de um lado te dá alegrias nunca antes vividas e do outro te toma alegrias nunca mai...