|Cap. 35|

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As flores, o sol, o céu, o vento suave que envolve nossos corpos e tudo o mais se parece perfeito. Todo um mundo em perfeita ordem. Uma manhã alegre e que nos brinda para novos começos abraça minha alma e meu ser ao sairmos, Guez, Mirha, Mullan e eu de encontro às conversas fiadas e comidas gostosas que nos esperam de baixo de uma boa árvore nos arredores do enorme jardim.

Meus olhos filtram todos os espaços, espaços já tão observados e sentidos durante minhas andanças diurnas por este solitário e vívido jardim. Meus olhos admiram a força de uma natureza que não se deixa dobrar pela mão de nenhum homem, mas vê também o respeito que o homem que está enfurnado num maldito escritório dentro da casa tem por tudo isso, por toda sua história, pela força de seu nome e o sangue dos antepassados que desbravaram este mundo tão rico.

-- Acho que podemos nos sentar ali -- Mirha diz apontando para uma árvore mais distante da casa e tão próxima ao bosque que circunda a propriedade central.  -- Bjornan e eu costumávamos brincar por aqui e depois correr furtivos para a casa de armas um pouco mais adentro da mata.

-- Não creio ser o melhor lugar para ficar, Mirha. Estamos longe da casa e o tempo de resposta para um pedido de ajuda poderia ser fatal. -- Guez diz suas primeiras palavras em toda manhã.

-- Não diga besteiras, Guez! Eu passei toda a minha vida por este jardim, estas terras. Meu lar é meu porto seguro, aqui não temo mal algum. Não iremos mais longe do que isso, eu prometo. -- Mirha acrescenta, seus anseios por relembrar dos bons tempos, de um tempo onde a pureza alcançava seus olhos a toma em cada gesto e cada palavra proferida. 

-- Não devemos nos preocupar tanto, Guez. Tenho certeza que esta propriedade é segura, e não vamos adentrar para os confins da mata fechada de todo jeito. Além do mais, temos você aqui, e já escutei muito sobre suas façanhas com uma arma. -- digo, uma tentativa de convencer ao jovem rapaz a acatar o pedido tão necessário que vejo nos olhos de Mirha.

-- Não é questão de façanhas, senhorita Helena, mas de cumprir ordens.

-- Eu sei que tem um trabalho para fazer, Guez, mas gostaria que se sentisse mais convidado do que segurança durante nosso piquenique, e que atendesse esse pedido de Mirha para que ela possa vivenciar um bom passado, mas também perceber as coisas maravilhosas que o futuro lhe espera.

-- Muito bem, como queiram! -- Guez afirma após fitar o pedido que emana de nossos lábios e olhos para um dia sem as desventuras de uma lembrança ruim, para um dia em que só o desejo e a calmaria posso adentrar ao coração de todos nós.

-- Então sentem-se todos e vamos nos preparar para comer as coisas gostosas que posso cheirar neste cesto. -- tento soar calma e alegre após as poucas palavras pronunciadas pela boca fina de Guez. Meu coração teme que ninguém esteja seguro aqui, que ninguém nunca esteja seguro enquanto vida tiver aos desgraçados que corrompem com sua maldade o mundo. -- Sente-se também, Guez. Tenho certeza que comer algo e conversar conosco não atrapalhará seu bom desempenho em nos proteger. A casa de Mirha é um lugar seguro, tenho certeza que o irmão dela não deixaria que fosse de outro modo.

-- Sim, senhorita. -- Guez responde enquanto se senta junto ao grupo. Seu corpo segue firme, seus olhos atentos, e o medo acaba novamente invadindo meu sistema. Aceitar participar de uma refeição conosco parece ter sido uma árdua tarefa para os braços magros e olhar firme que se dispõe ao meu lado. As feições de um belo homem, os traços marcantes e mesmo assim delicados de seu queixo, de seus grandes olhos escuros e lábios finos roubam a atenção mesmo com a magreza excessiva de seu corpo longo e os bolsões escuros que repousam sob seus olhos. Guez é um homem bonito, mas também um homem do mundo e da guerra.

-- Alguma vez já esteve apaixonado, Guez? -- a pergunta sai de meus lábios momentos antes de meu cérebro reconhecer o significado de todo aquele som. Meu rosto vermelho e envergonhado ganha certa dificuldade em encará-lo. Eu, uma jovem tão aberta ao mundo e tão sem pudores numa sociedade que laça e tapa a boca de jovens mulheres, pareço ter descoberto a timidez em olhos tão bonitos e tão tristes que me fitam arregalados.

-- Não creio ser capaz de responder a esta pergunta, senhorita.

-- Então nunca se apaixonou, Guez? -- Mirha estende curiosa a pergunta, seus olhos e seus modos despertos pela curiosidade de toda a cena.

-- O amor não faz parte da minha profissão. -- ele apenas diz.

-- Eu vejo a maneira como olha para o homem que segue, bem como o olhar aflito que ele lhe despeja em cada momento. -- a voz de Mullan surge baixa, seu sorriso indistinguível entre maldade e inocência. 

-- Fala sobre André? -- pergunto num pulo, intrigada e assutada pelo caminho que as coisas começam a andar. Estranhamente aceito uma verdade que sempre esteve ali. Os olhares trocados, o medo, a dor, o desespero e o anseio que sempre visualizei em meu irmão caçula. Um jovem e belo homem russo que sempre pareceu ser o mais mulherengo, o mais selvagem e o mais sombrio morador do mundo negava e ainda nega a si mesmo o que sente por seu fiel escudeiro.

-- Por favor, senhoritas, este assunto me ofende.

-- Sim, claro! Peço desculpas, Guez. -- apresento calma e complacente ao por fim a esta conversa que nos perturba. --Então vamos comer! -- acrescento ao silêncio que reina por alguns segundos após um início de conversa tão desastroso. 

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