Termino de escrever uma carta para meus adorados irmão e cunhada, o destino londrino parece ser um sonho doce que tento a todo custo romper e fazer adentrar o mar de escuridão que cobre e recobre nossos passos. Meu irmão se encontra perdido do lado de fora desta casa ou enfurnado em algum dos quartos livres, o certo é que não sei. Depois de toda aquela conversa que me tomou no início desta madrugada, do rompante de tantos sentimentos que me toma e da ausência de todos eles no coração de meu amado irmão caçula, o único que posso saber é sobre a necessidade insana que me cobrou seu valor para que escrevesse esta carta.
Meu corpo está cansado, curvado sobre uma escrivaninha cheia de papeis amassados, desgastado pelas sensações que percorrem meu corpo e pelo medo dessa aventura que marca um final que nunca chega. Estou cansada de viver atormentada pelo passado, de ser forçada a recuperar os dias de sofrimento que não tive durante minha juventude em algumas noites.
Estou abalada pelo que se passa, pela escapatória de Pedro, pelo olhar grotesco e sanguinário de meu pequeno irmão, pelas mulheres com passado ou destino amaldiçoados que se encontram nesta casa e pelo sentimento desesperado e louco que parece me tomar febril quando estou nos braços do senhor desses domínios. Estou enamorada por algo que não tem futuro, apaixonada pelo calor que consigo ver nos olhos ardentes do homem que me cobre com seu corpo toda noite. Estou perdida!
-- Volte para a cama, princesa! -- a voz de Bjornan me toma de sobressalto, sua potência me deixando desamparada.
-- Logo irei, só preciso fechar esta carta. -- respondo sem pressa.
-- E posso saber que carta seria essa?
-- Talvez fosse melhor que meu irmão lhe contasse, que ele colocasse na mesa os acontecimentos que nos cercam, os motivos de sua partida alguns dias atrás.
-- E porque não você, Helena? -- sua voz surge ao se levantar da cama e em passos lentos caminhar até a mesa lateral na qual me disponho.
-- Não quero estragar sua noite e quero fingir que nada disso existe, mesmo que só por mais um dia.
-- Há momentos na vida em que não podemos correr, apenas lutar, Helena.
-- Talvez seja este um deles. -- digo antes de respirar fundo e acrescentar as palavras que tremem em meus lábios -- ...Pedro fugiu! -- solto o ar de meus pulmões junto com cada palavra cortante, bebo a agonia do momento ao encarar suas feições numa madrugada acinzentada que nos cobre.
-- Era o mínimo que eu esperava. -- a voz de Bjornan apresenta sem qualquer sentimento acalorado.
-- Como??
-- Minha bela mulher, Pedro é um demônio que deve ser morto ou sempre atormentará nossas vidas. -- ele diz ao me puxar em seus braços e logo se virar para ocupar o espaço na cadeira e me colocar sobre seu colo num abraço apertado e infantil, uma caricia inocente e íntima para um corpo tão necessitado. -- André vive preso entre duas escolhas, e todas eles envolvem a morte.
-- Eu não entendo! -- apresento confusa ao me apertar ainda mais ao seu corpo quente.
-- Seu amado irmão, meu bom amigo, precisa escolher entre matar ao homem que arruinou nossas vidas e assim deixar morrer também a pessoa que mais ama no mundo, ou, como escolheu uma primeira vez, deixar que Pedro sobreviva para que aquele que ele tanto ama permaneça ao seu lado. O que ele não quer reconhecer é que enquanto Pedro existir, enquanto esse monstro andar pelo mundo, nossas famílias nunca terão paz, outras famílias serão igualmente devastadas e o amor de sua vida morrerá lentamente, morrerá cada dia mais um pouco.
-- Como assim, que amor?
-- Não tenho o direito de dizer, Helena. Talvez tudo isso seja só o reflexo do que André vê em Pedro. Talvez ele acredite ver neste demônio a sua própria alma, o seu próprio ser. André também tem medo, mas não sei se o medo é por ele mesmo ou pelos outros. Mas agora vamos dormir, deixe para amanhã esses pensamentos que congestionam sua mente. Não há o que fazer por hoje! -- ele diz ao se levantar junto comigo, carregando meu corpo moldado ao seu até a cama e me depositar em seu berço macio lentamente.
-- Não sei se consigo dormir. O mundo parece ser um caos e eu pareço estar apenas sendo jogada dentro dele.
-- Não se preocupe, irei protegê-la com todas as minhas forças.

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Desejo Viking
RomanceAlguém sabe quando o amor surge? Alguém sabe quando deixamos de temer perder a liberdade para ficar ao lado do outro? O amor seria mesmo essa faca de dois gumes, que de um lado te dá alegrias nunca antes vividas e do outro te toma alegrias nunca mai...