A noite do quinto dia cai abrasadora sobre nossas cabeças, o ambiente fresco devido às arvores que nos rodeiam e ao chão de pedra que piso esfriam nossos corpos e refrescam nossas ideias. A madrugada se aproxima, entretanto meu sono não parece querer obedecer aos mandos naturais do corpo. Ele se força a permanecer aberto, acordado e meus olhos, ainda tomados pela vida, deixam que o mundo do sonhos pertença apenas àqueles outros que dormem dentro da silenciosa casa.
Fecho meus olhos novamente em busca de um sono que nunca vem, que me abandona de seu tato e de seu toque. Mas nesse pequeno segundo em que fecho meus olhos que ardem em busca de um falso descanso noturno é que posso escutar um grito. Um som estranhamente vocal, quase desumano e que se desprende de algum lugar da casa. Meus ouvidos se apuram para melhor perceber o que acontece, meu corpo se enrijece e se prepara para o desconhecido terror. Escuto novamente aos sons quase animalescos que invadem o ambiente confortável, um som desesperado, agudo, dolorido e forte. É ele como o de um animal em seu maior sofrimento, como o clamor desesperado da mais triste das criaturas.
Me levanto de um salto, corro descalça pelo chão de pedra fria, caminho sem rumo na direção da saída e adentro ao amplo corredor que acessa aos outros quartos. O grito está aqui, o medo está aqui e eu posso sentir, escutar e sofrer em cada grunhido.
O quarto de Mirha está iluminado, homens e mulheres entram apressados, buscam deprimidos e cansados um algo que nunca parece existir. Adentro preocupada, esqueço todos os agressivos sinais demonstrados por uma jovem mulher e me coloco frente a porta escancarada. Meus olhos, logo que se acostumam com a luminosidade exagerada, caem sobre uma cama desarrumada e vazia, uma poltrona revirada, cadeiras, papeis, vestidos e tudo o mais jogados pelo chão. Meus olhos, ao se desprenderem de toda bagunça, enxergam uma frágil mulher, um pedaço de gente envolto em seu vestido delicado de dormir. Seu corpo fechado, cansado e encurvado pelo que ainda domina seus gritos agora baixos e sem força, seu cabelo desgrenhado e sujo. Seus olhos vidrados, vermelhos e enlouquecidos me apresentam ainda mais a dor, ainda mais a vontade de ajudar, de abandonar meus tolos preconceitos e estender a mão para uma jovem dilacerada.
Acalmo meus nervos e meus pavores, procuro entender o que se passa. As mulheres que se dispõem a arrumar o quarto para uma nova hora de dormir me encaram sem fala, mas seus olhos medrosos e exaustos parecem querer me responder aquilo que a própria casa ousa calar e esconder. Meu corpo adentra ao recinto, meus pés que se arrastam pelo chão frio tecem um caminho até uma das empregadas que não parece ter jeito para se aproximar da jovem anteriormente ensandecida com um quente chá. Puxo uma das mangas de seu vestido colocado na pressa de atender as demandas assustadoras desta noite e pergunto aos olhos escuros marcados pelo sono sobre os acontecimentos anteriores.
–– Senhorita Helena –– ela sussurra –– A senhorita Mirha teve um pesadelo. Não se preocupe! –– seus traços apertados e seus lábios torcidos me contam o que parece ser menos que a verdade.
–– Não... –– a voz fraca e rouca da jovem fixada à janela impõe. –– Não foi um sonho. Estavam aqui. Alguém estava aqui!... vieram me buscar, eu sei! Me irmão...onde está meu irmão?... –– sua voz sopra cansada e perdida, seu rosto nunca desatento ao que se passa no mundo iluminado do lado de fora, sua mente presa na teia da loucura ou no seio do medo que recobre em verdade toda sua fala. Meu corpo treme, sinto, por mais que minha mente não queira, que a verdade sai da boca fina e pálida desta jovem. Sinto que alguém realmente esteve aqui, mesmo que o aqui seja o passado e seus horrores.
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Desejo Viking
RomanceAlguém sabe quando o amor surge? Alguém sabe quando deixamos de temer perder a liberdade para ficar ao lado do outro? O amor seria mesmo essa faca de dois gumes, que de um lado te dá alegrias nunca antes vividas e do outro te toma alegrias nunca mai...