|Cap. 19|

177 11 4
                                    

O dia surge e com ele novas certezas. O calor branco e cheio de vida que o sol propicia todas as manhãs aquece minha alma, parece lavar as amarguras e os desesperos da noite anterior. O sol, essa entidade perfeita, cura. 

Meu corpo já recuperado pelas surpresas do dia anterior se deixa levar à sala de desjejum sem grande ansiedade, apenas seguindo livre em toda sua extensão. Minha musculatura está calma, meus pensamentos seguem vazios na iminência de nada pensar, nem por desejo, nem por escolha ou direito. Me recuso. Me recuso terminantemente a sofrer antecipadamente os males e as benesses marcadas por Deus para o dia de hoje. Que o hoje seja hoje em toda sua duração.

-- Helena? -- a voz de Bjornan me assusta pela distração -- Venha, moça distraída, sente-se à mesa e tome seu café. -- finaliza com um riso suave ao me ajudar gentilmente na disposição das cadeiras. -- Como passou a noite? -- pergunta em tom casual, mesmo que em nossa intimidade exista o significado desavergonhado daquele que dormiu comigo.

-- Terrível, meu senhor! -- o provoco -- Me senti como se um gigante houvesse tomado toda a cama, me espremendo pela borda. Meu corpo dói condenadamente! -- minto em continuada brincadeira pela ousadia do belo homem à minha frente.

-- Terrível assim, princesa?! Talvez seja necessária a minha presença em seus aposentos para que possa então matar qualquer gigante que ouse invadir a intimidade de seu dormitório. Um lugar tão puro... -- suas palavras ditas em alto e bom som conseguem provocar queimaduras de vergonha em minhas bochechas. Meu rosto queima pela  coragem e pela desavergonhada dominância sem limites deste belo tipo.

-- Por Deus, senhor!... Vamos mudar de assunto ou não aguentarei continuar aqui até o final do café. -- tento bravamente por fim a conversa indevida que surgiu neste início de manhã -- E já que estamos aqui, bem posso aliviar minha curiosidade e te pedir que responda algumas questões. -- apresento antes de qualquer espaço para contra-argumentação.

-- Muito bem, Helena! -- sua voz parece resignada diante de meu pedido -- Pergunte o que deseja e lhe responderei. -- seu corpo perde a fanfarronice, sua voz diminui o tom e seus olhos me fitam em seriedade. Estragar um momento divertido e feliz, um sopro suave de um coração exausto , assustado me entristece e me transborda em culpa, mas a necessidade não é mãe de arrependimentos.

-- Gostaria de saber um pouco mais sobre a relação de Gaspar e Mirha. -- inicio -- Sei que é uma pergunta um tanto inapropriada, mas gostaria de entender o porque Mirha, como o senhor disse ontem em nosso encontro, está mais aberta a conversar com o empregado de meu irmão do que com qualquer outro?

-- Minha irmã e este jovem tiveram alguns sofrimentos em comum, Helena. Talvez a dor de uma passado só deles, o medo das incertezas... Eu não sei! O único que sei é que minha amada Mirha gosta da companhia de Guez, se abre um pouco mais com aquele menino. E esse pouco, esse mínimo de felicidade ou de reconhecimento no rosto de minha irmã vale mais que tudo para mim. -- Bjornan me responde sincero, em seus olhos posso ver a dor de não ter a mesma sorte em dividir o amor de sua irmã como o faz Gaspar, mas também o alívio de saber que o choro da menina não é engolido pela solidão de seu próprio quarto. As palavras conseguem absorver e emanar a força do mundo. Talvez, bem lá no fundo do coração deste grande guerreiro, Mirha tenha a chance de novamente viver se conseguir falar tudo, mesmo que o tudo seja para outro que não o seu próprio sangue.

-- Mas agora, quando vocês voltaram a se encontrar, não lhe parece que Gaspar está diferente? -- continuo em meio aos pensamentos que tanto me bombardeiam ao fitar seus olhos bonitos --   Não me entenda errado, não quero causar qualquer mal-estar ou desentendimentos, apenas estou receosa com tudo isso. A última vez que vi ao jovem empregado de meu irmão eles pareciam inseparáveis, como irmãos de alma. Mas agora, depois desses meses, seus olhares não existem mais, o carinho em ações, as conversas divertidas, nada disso parece existir entre aqueles dois. Isso me preocupa, ver meu irmão tão desolado, abandonado, ainda mais sozinho. Deus, isso me assusta tanto... -- me deixo quebrar em uma fração de segundos, uma frase que não se conteve na dor do meu peito e que ousou se expor para o mundo.

-- Os dois passaram por muitas coisas durante todos esses anos, minha Helena. Algumas dessas aventuras não foram tão felizes... -- ele diz calmo, sua entonação tranquilizadora ao parecer entender meus sentimentos aflorados --  Prender Pedro não foi fácil. Enjaular aquele mau revelou algumas feridas abertas, trouxe à tona alguns novos demônios na vida de André e Guez. Então dê tempo para aqueles dois, deixe que os dias curem todas as suas chagas. É o que eu espero!...

-- Todos vocês estão sempre falando por enigmas, sempre com esse olhar distante e sombrio. Assim nunca dizem nada, por mais perguntas eu faça. -- forço minha voz diante do exposto pelo homem que me encara de maneira engraçada.

-- Alguns segredos não são nossos para serem contados. Alguns acontecimentos doem muito para serem lembrados ou esquecidos. -- ele acrescenta deixando seu humor melhorar ao passo das minhas afirmações.

-- Minha Nossa Senhora!... Era isso que estava bem dizendo. Um viking sendo assim, tão poético e misterioso. Já não basta minha própria família com suas loucuras?! -- digo tudo isso sem trégua, busco uma mudança de assunto e de sentimentos que estampam aos olhos deste vigoroso senhor das terras altas. Meu coração dói, mas a coragem não emana de meus poros quando vejo a dor no outro. Suas respostas por hora são satisfatórias, então porque continuar nos infligindo mais sofrer?! As vezes, num quase sempre de vezes, a ignorância é a maior das graças.

-- Gostaria que eu fosse mais direto, princesa?! -- sua voz surge em rouca provocação -- Que eu lhe falasse o que vem em meus pensamentos quando me questiona algo ou quando permanece em silêncio?!... -- ele continua -- Talvez não goste da resposta. Não quando ela envolve o seu corpo nu e calado pelos meus beijos. -- suas palavras ardentes me envolvem em um sentimento de desaforo e desejo.

-- Saberia dizer se meu irmão já levantou? -- pergunto mudando drasticamente de assunto, forçando minhas ideias para longe da tentação de responder a altura ao homem que parece se transbordar em uma gargalhada logo que termino de o questionar na mais forçada  inocência.

-- Helena, minha adorada princesa, você é surpreendente... -- ele diz segundos depois do estrondoso riso. -- Seu irmão e o jovem Guez ainda não se levantaram, estão muito cansados de toda a viagem. Não se preocupe em ver André, terá muitas horas com aquele danado homem. Creio que os dois permaneçam por essas terras por no mínimo um mês. -- ele me tranquiliza.

-- Obrigada por essas palavras, Bjornan! Obrigada por toda a conversa e, como não lhe agradeci direito, por me dar a oportunidade de rever meu amado irmão. Bem sei que há outras preocupações mais necessárias e urgentes, e prometo ter coragem e cooperar com tudo o que me for pedido. Espero realmente poder ajudar a sua irmã e a outra jovem que adentrará a essa casa. Espero, em toda minha mais profunda coragem, ser capaz de ajudá-los a seguir em frente.

-- Você é incrível, Helena. Bela e admirável!... -- suas palavras ressoam lentas antes de desviar sua atenção para a entrada do salão. -- Vocês dois...

☆ Gostou do capítulo? CURTA E COMENTE, sua participação é muito bem vinda!☆

Desejo VikingOnde histórias criam vida. Descubra agora