-- Vejo que bem aproveitaram a dança. -- Bjornan diz mal retornamos junto a ele. Seus olhos são como adagas sobre o corpo do belo homem ao meu lado.
-- Não se prenda a tanto ciúme, meu amigo. A raiva guardada nesses olhos ainda vão lhe trazer sérios problemas no coração. -- escuto a fala e o riso provocativo do encantador comerciante.
-- Não é questão de ciúmes, mas de evitar falatórios. Esses meus olhos guardam raiva, você diz, mas os seus pareciam despejar todo tipo de desejo impróprio sobre a mulher que tomou como parceira por esses poucos pares de minutos.
-- Como poderia ser diferente, meu velho amigo? Por acaso não faria o mesmo ao ter uma mulher tão pequena e tão bonita ao alcance de suas mãos?
-- Não a trouxe para este país para ser difamada, Zir. -- A voz de Bjornan parece comedida em cada pronúncia bem articulada, mas a cadência racional que a toma é o significado puro da violência contida. É normal para aqueles que costumam guardar fortes sentimentos, para aqueles que precisam mascarar as outras faces de sua existência diante de uma sociedade que a tudo vê e sobre tudo fala, prender turvas emoções em um corpo rígido, em uma voz calma e em uma perfeita conduta. É de conhecimento notório de todas as damas, de todas as mulheres e homens castigados pela rigidez da etiqueta que cobre a alta sociedade.
-- Por favor, senhores, não falem como se eu não estivesse presente. Pois malditos sejam, eu estou! -- minha voz retumba diante dos homens que se fitam fixamente, é como um rompante da tensão que silenciosamente recobre ao espaço de nós três, mas que vai cada segundo mais se alastrando pela sala abarrotada de olhos curiosos. -- Estou aqui e não permitirei que tomem notas sobre o meu nome, pois vejam bem, ele é meu e apenas meu. -- acrescento direta, minha voz voltando às proporções do espaço inscrito. -- Bjornan, a maneira como nos olhamos não lhe interessa o mínimo, principalmente se vai utilizar da hipocrisia contida no significado de "difamatório". Acredita mesmo que não há nada de difamatório em me trazer desacompanhada para este lugar, de me apresentar como uma mulher solteira que está sozinha sob seu teto, de deixar que as bocas aqui presentes murmurem sobre as joias que uso sendo pagas com os favores do meu corpo? -- os olhos de Bjornan se expandem em espanto, seus lábios parecem coçar para responder à altura daquilo que ouso falar para os dois homens. Este é um espaço público, mas ainda assim não consigo deixar que minha voz se cale diante dos pensamentos que já se apertaram o suficiente para, sufocados, saírem a todo vapor entre meus lábios indefesos. -- Ainda não terminei, senhor! -- adianto antes de qualquer comentário. -- E você, senhor Kurye, como ousa me tratar como alguma pessoa sem valor, algum objeto barato adquirido e usado conforme queira? Não o repreendo pelos olhares, não minto sobre aquilo que respondi em igual medida. Mas não me venha com fiados engraçados, não estou ao alcance de mãos que não escolho por vontade. -- termino subitamente a enxurrada de severos apontamentos. Meus olhos são firmes, minha boca se fecha em uma linha dura e sei que meu nariz se levanta à altura do sentimento de autorrespeito e superioridade que me foi passado pelo sangue e pelo nobre título.
-- Por Deus... André não mentiu sobre você! -- a voz suavemente espantada e estranhamente animada de Zeki rouba o silêncio que deu seus primeiros passos após meu prolongado sermão. -- Peço desculpas se a fiz se sentir inferior, Helena. Peço perdão se a fiz sentir menos que humana em toda essa situação. Devo me ater às brincadeiras que faço, às provocações que me ganham ao admirar o meu bobo e enamorado senhor das terras altas aqui. -- os olhos do homem que me responde se voltam brilhantes e animados para a massa silenciosa que nos acompanha em formato de homem.
-- E quais foram as verdades compartilhadas por meu irmão sobre mim, senhor? -- pergunto curiosa, evitando fitar ao viking que faz o peso de sua presença ainda mais sólida ao meu lado. Sua mudez continuada parece provocar em mim o pensamento de sérias consequências para um futuro próximo.
-- "Deslumbrante, voluntariosa e sem freios. Não a tire do sério, Zir, este é meu conselho." -- essas foram exatamente as palavras de seu irmão, senhorita Ianievna.
-- Confesso que não mentiu! -- afianço num riso ao reconhecer a sempre professada descrição que meu amado irmão faz sobre a minha pessoa a todos os homens que ousam colocar os olhos sobre mim. -- Mas agora que estamos bem resolvidos sobre cada um, porque não vamos logo ao que interessa? -- adianto sem rodeios.
-- Não seja tão apressada, senhorita Helena. Nunca lhe foi dito que as coisas têm preço? E eu, sendo um comerciante, não devo tentar tomar de você a maior oferta pelo produto que veio aqui buscar?
-- Vejo que escutou as palavras de meu irmão, mas não internalizou o significado delas, senhor Kurye. -- entro no jogo que novamente se inicia. -- Diga seu preço! -- acrescento com um sorriso indulgente.
-- Não me peça tal coisa, senhorita Helena. Meu preço seria alto demais, e não conseguiria arcar com as consequências de sequer pronunciá-lo.
-- Chega, Zir! -- a voz de Bjornan é dura, um som forte e inesperado que desmancha a tensão divertidamente sensual que toma a mim e ao homem receptor do chamado. -- Você está passando dos limites, mesmo os seus próprios. Pare de brincar e diga logo o que preciso, pois Helena e eu já estamos de partida.
-- Mas tão logo, meu amigo? -- a voz de Zeki parece não se alterar diante do que foi imposto pelo enorme viking que ainda se mantem inflexível em sua pose ereta, em seu olhar duro e nunca direcionado a mim. -- Se bem me é a memória, creio que não tenha sido esse o pedido de André para a noite de hoje. -- acrescenta.
-- E qual foi o pedido de meu irmão? -- indago curiosa.
-- A noite de hoje não é um árduo trabalho de detetive, senhorita Ianievna. Seu irmão, como disse anteriormente, é meu amigo, e entre nós não há o que angariar furtivamente. Tudo o que sei é repassado, já que também é de meu interesse que as dores que tomam a sua família se acabem pois compartilho com vocês alguns desses dolorosos caminhos. -- a voz de Zeki é tranquila, mas seus lábios e olhos me ofertam um sorriso triste.
-- Isso é verdade, Bjornan? -- pergunto ao me virar para o homem que ainda segue sem me dignar os olhos ou a palavra.
-- Sim, Helena. -- ele finalmente diz. -- Mesmo tendo negócios a cumprir na noite de hoje, você não precisava ter me acompanhado. Seu irmão queria que tivesse um bom tempo e um pouco da agitada felicidade que está tão acostumada a ter.
-- proklyataya muzhskaya glupost'!* -- solto colérica no mais sublime russo. Minha boca ardendo para descarregar os mais doces e indecentes impropérios. -- Como puderam achar que esse tipo de coisa seria divertido, que me fazer parecer uma rameira seria o mais encantador dos meus sonhos? -- solto ainda colérica diante da insensatez dos homens que me acompanham.
-- Parecia ser divertido até poucos segundos. -- Zeki diz em tom de provocativa brincadeira. Seus lábios entregando um sorriso ousado, seus olhos brilhando curiosos pelo desfecho daquilo que iniciei.
-- A ideia de "bancar a detetive" me fez não ligar para os comentários, pois cedo ou tarde saberiam o significado verdadeiro do meu nome.
-- E não será assim agora? -- Zeki provoca.
-- Não mais vale toda dor de cabeça, senhor. -- respondo. -- Ah, por Deus... estou cansada de todo esse teatro. -- anuncio como que para mim mesmo, a voz raspada pela raiva sufocada ao ponto da exaustão. -- Se não irá me acompanhar no caminho de casa, senhor, então nos despedimos aqui. -- digo ao encarar Bjornan que me olha perdido, seus lábios entreabertos pela surpresa lhe conferem uma fisionomia inocente e sensual ao ponto de me fazer tremer ainda mais pelo pensamento absurdo em momento tão desagradável. -- Ao senhor também, Sr. kurye. -- digo ao virar meu rosto para o homem ao meu lado, fazer uma pequena mesura com a cabeça, e calmamente me retirar daquele espaço contido e sufocante para caminhar por entre um salão abarrotado e estranhamente libertador.
* "Maldita estupidez masculina!"

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Desejo Viking
RomanceAlguém sabe quando o amor surge? Alguém sabe quando deixamos de temer perder a liberdade para ficar ao lado do outro? O amor seria mesmo essa faca de dois gumes, que de um lado te dá alegrias nunca antes vividas e do outro te toma alegrias nunca mai...