Ficar sozinha me parece tão pesado, tão medonho e assustador. O sentimento de solidão me invade, a certeza compartilhada pelo que passou meus irmão me afronta. O medo revela os anseios de uma alma, a coragem para o enfrentamento ou a loucura que caminha para a morte. Esses devaneios me tomam, me entorpecem e me prendem no sem fim de um tempo que parece parar, se estender ao abismo.
-- Srta. Helena?! -- uma voz me surpreende à porta. A jovem empregada do lenço.
-- Sim, Alia?! -- respondo calma, suportando em meu íntimo o pequeno estrago que o susto causou ao meu espírito abalado.
-- O senhor Bjornan me mandou para passar a noite com a senhorita. -- ela diz ainda na porta, seus modos não lhe permitindo adentrar ao quarto mesmo que por ordem do dono da casa.
-- Por favor, entre! -- digo ao perceber seu corpo cansado de um longo dia de trabalho, o medo da recusa por minha parte levando ao descumprimento da ordem de seu patrão. -- Entre e se acomode como queira. -- digo ao estender os braços para o amplo espaço, uma tentativa de convite aos olhos de uma jovem que parece não saber se desvencilhar do embaraço do momento.
-- Obrigada, srta. Helena! -- ela apenas diz ao entrar cuidadosa no ambiente. Seus olhos vasculham tudo, eles parecem achar algo novo, uma experiência que se revela perante à curiosidade da jovem que se dispõe na poltrona à minha frente. Sua postura ainda firme me diz que não pretende abandonar com facilidade seu posto e com ele as ordens recebidas.
-- Poderia me tirar um dúvida, Alia?! Melhor... poderia responder a uma curiosidade minha? -- lhe pergunto no momento quase exato que uma ideia se forma em meus pensamentos.
-- Se o puder fazer, srta.... -- sua voz é tímida e controlada, seu corpo se objeta ainda mais firme na poltrona macia a qual se senta. A observo com cuidado, aprendo que as perguntas devem ser direcionadas lentamente, mas que esta jovem parece poder me responder ao passado. Pelo passado. Alia pode me dar respostas mais concretas do que as que venho obtendo dos lábios mentirosos do senhor da casa.
-- Creio que poderá, Alia! Mas não se assuste... -- me adianto -- não é nada que possa lhe por em algum problema. -- digo acalmando sua ânsia em sair dali, sua visível vontade de ter dito não às ordens de Bjornan -- É sobre o passado, digo, sobre o tempo em que Mirha não estava doente. Você saberia me responder algo? Entenda que fui chamada para ajudar na recuperação da jovem irmã do senhor Bjornan, mas para que preste alguma ajuda será necessário saber um pouco mais sobre ela. Creio que poderá ajudar, sim?
-- Isso eu posso fazer!
-- Então, por favor, continue -- incentivo cordial
-- Bem... comecei a trabalhar na casa pouco antes do ocorrido, e posso lhe garantir que tudo aqui ia muito bem. Me lembro que a srta. Mirha era uma menina-mulher cheia de vida e amada por todos. Seu irmão a tratava com tanto amor e dedicação, sempre fazendo tudo o que ela queria. Mas não pense, srta. Helena, que a jovem Mirha era algo de mimada. Pelo contrário, ela era tão gentil e atenciosa com todos... Portia diz que ela sempre foi doce desde o primeiro dia de vida. E sabe, era assim que eu via também! Mas depois tudo aconteceu. Foi tão rápido... ficamos todos preocupados e perturbados... e quando ela apareceu já estava mudada, sua mente parecia ter se perdido.
-- Entendo! E você saberia me informar o que de fato aconteceu? Me disseram que ela sumiu por muitos dias.... -- tento tranquila, elevando a conversa ao sutil grau de compartilhamento de informações secretas, porém não tão úteis.
-- A senhorita Mirha ficou sumida por aproximadamente quatro semanas. Seu irmão e amigos a procuraram na floresta incansavelmente, mas ninguém conseguia encontrá-la. Foi até o dia em que ela apareceu perto dos portões, seu corpo frágil e machucado por ter passado muito tempo perdida na mata. Ela costumava andar muito a cavalo por essas terras sozinha, mas parece que algo assustou seu cavalo e ela caiu perdendo a consciência, e com isso, ao acordar, não sabendo mais retornar para casa.
-- Ela voltou com o cavalo ou andando?
-- A velha Portia diz, pois eu não a vi entrar na casa, mas só depois quando me chamaram para ajudá-la com o banho e curativos, que ela chegou se arrastando e que, próximo ao portão, Bughie a encontrou e a carregou nos braços até a sala principal. -- as respostas de Alie são batidas, já repetidas, mesmo que sem todos esses detalhes, por outros. O que me pega neste momento, o que toma minha consciência de prontidão é o desconfiado e relutante olhar que a jovem parece carregar. Seu corpo é desconfortável nas palavras que pronuncia, sua voz se escorrega procurando os melhores pontos ou as melhores falhas para acabar não dizendo coisa alguma. -- Aqui ninguém comenta muito sobre o que aconteceu para não piorar o estado da srta. Mirha ou do patrão. Ela já passou por todo esse bocado, então o patrão nos pediu para que evitássemos qualquer coisa a respeito. -- ela diz ao talvez perceber os questionamentos que saem como faíscas de meus olhos curiosos e, como os dela, desconfiados .
-- Obrigada pelas respostas, Alia, vão ser de grande ajuda. Espero assim poder entender um pouco mais a jovem srta. Mirha. -- digo dando o devido fim a nossa conversa. -- Agora vamos nos preparar para dormir, você deve estar cansada do longo dia de hoje.
-- Obrigada, srta.! -- ela responde antes de se levantar e iniciar os preparos para uma adequada noite de sono.
-- Boa noite! -- digo momentos depois, quando já estamos deitadas e prontas para finalmente dar fim ao tortuoso dia.
-- O senhor Bjornan parece gastar muito de você, srta. Helena!-- sua voz sai calma, um som no escuro silencioso.
-- Por que diz isso? -- questiono com interesse.
-- Ele...
-- Se sinta segura para dizer qualquer coisa, estamos na liberdade de um quarto só nosso.
-- Ele parece se preocupar contigo, sabe. Ninguém nunca viu ele assim, alegre e tenso ao mesmo tempo. Ele está alegre ao seu lado e preocupado com sua segurança. A casa concorda que só vimos ele rindo ou falando besteira tão vivamente assim contigo e mais ninguém.
-- Pois ele me parece sempre falar besteiras. -- adianto essa verdade em nossa comunicação -- Em minha terra ou aqui, era o que sempre me ficou entendido. Este jovem senhor de língua solta! -- acrescento num tom engraçado, buscando trazer maior leveza para nossa conversa de final de noite.
-- Não... não é bem assim! O sr. Bjornan faz brincadeiras, parece ser divertido em seu sorriso bonito, mas seus olhos eram sempre tristes e duros. Contigo aqui ele parece mais relaxado ou mais feliz. Portia, a nossa velha cozinheira, ainda não sabe definir, mas ela garante que as coisas parecem estar voltando aos eixos do que deveria ser uma verdadeira casa.
-- Por mim?! Não sejam bobas! Eu mal cheguei nesta terra nova, eu mal sai do quarto ou abri minha boca.
-- Mas foi corajosa enfrentando a jovem srta. Mirha. -- suas palavras soam abafadas pela vergonha de expor o que viu na mesa de jantar.
-- E porque me diz tudo isso? -- tento não deixar que o embaraço apague a coragem que se expõe nesta noite íntima.
-- Eu... bem... A srta. Mirha já sofreu muito, juntamente com o sr. Bjornan e todos os outros da casa. Gostamos deles e ficamos preocupados, mas mesmo gostado, ainda somos empregados e não nos sentimos no direito de intervir em qualquer ordem. E a jovem Mirha precisa de um pulso firme, de alguém que lhe mostre que ela ainda esta viva. Que ela está "viva, jovem e forte para o mundo!", é o que Portia sempre diz.
-- Essa sua Portia está sempre em todas, não?! -- comento rindo.
-- Ela sabe muito! É a mais velha da casa. Trabalha aqui desde a época dos pais do sr. Bjornan.
-- Muito bem, Alia! Mas agora, por favor, chega de conversa e vamos dormir! -- acrescento logo mais, quando o sono parece me dominar num impulso repentino.
-- Sim, senhorita! ...Boa noite!
-- Tenha bons sonhos, Alia!
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Desejo Viking
RomanceAlguém sabe quando o amor surge? Alguém sabe quando deixamos de temer perder a liberdade para ficar ao lado do outro? O amor seria mesmo essa faca de dois gumes, que de um lado te dá alegrias nunca antes vividas e do outro te toma alegrias nunca mai...