|Cap. 37|

100 4 2
                                    

-- Me desculpe por aquelas palavras logo antes, na verdade, por todo o meu comportamento anterior. É que se você soubesse... -- Mullan diz, seu rosto escondido entre cabelos cacheados revoltos e escuros, toda ela um contraste com as flores brancas e selvagens que nos envolvem. Seus dedos suaves e cuidadosos ao colher cada uma delas, sua voz um rabisco fino para os ventos de um belo outono.

-- Não precisa se desculpar por estar triste ou revoltada com o destino, com o que estamos fazendo com você. Eu sei que concordou em nos ajudar, e agradeço por salvar minha família deste inferno. Prometo que não te abandonaremos! Mas sobre suas palavras com Gaspar, acho que o pedido de desculpas deve ser direcionados a ele. Nossa sociedade é cruel com o amor, não há liberdade para algo tão bonito.

-- Este mundo é cruel com aquilo que é diferente. -- sua voz novamente surge, um ponto ainda mais triste na alegria de toda aquela beleza viva, de uma natureza selvagem e perfeita que nos agracia de forma tão íntima. Mas a pureza de todo este momento, mesmo que sua verdade seja a dor, é invadida e sufocada por mãos bronzeadas, grandes e maléficas que surgem rápidas sobre o corpo da jovem Mullan. De um momento para outro, de um segundo arrastado para o outro, somos tomadas pela violência das mãos de um homem que surge das profundezas da mata fechada. Seus braços contornam o torço de Mullan, uma pequena faca apoia sua lamina fina e fria sobre a pele negra de uma jovem amedrontada e surpreendida.

--Meu D... Quem é você? Por favor, solte-a! -- digo em clamor e desespero, minha mente tentando se apoiar na razão e na rapidez de alguma efetiva resposta para solucionar o mau que se dispõe sobre nós.

-- Apenas pretendo levá-la, senhorita. Não faça qualquer besteira e seguirá viva deste pequeno pedaço de selva. -- a voz é grave, os olhos vidrados de um assassino.

-- Por favor, não a machuque! O que quer? Posso te dar dinheiro, mas não a machuque.

-- Ela vale muito mais do que estará disposta a me dar, senhorita. -- a voz continua, o rosto de um homem que não parece se importar com os riscos de adentrar esta casa ou com a vida que tende a querer tomar entre as mãos. -- Agora, vá embora ou serei obrigado a matá-la!

-- Seu maldito, largue ela! -- grito desesperada, apontando a pequena faca de metal para frutas que usava para cortar os cabos de algumas flores e que agora está servindo como arma improvisada. -- Não sairei daqui sem ela! -- grito ainda mais forte, orando para que o sopro de minha voz chegue aos ouvidos de Guez e que, em tempo suficiente, suas mãos possam surgir e nos salvar.

-- Sua cadela maldita! Eu irei...

-- O que acontece aqui? -- a voz do homem que surge é um balsamo para meus nervos aflorados.

-- Guez! -- sussurro um pouco mais aliviada, tentando acreditar em todos os louvores cantados sobre os grandes feitos deste magro e belo homem.

-- Solte-a! -- a voz firme de Guez surge, uma pequena faca se erguendo em ameaça. Seu corpo tenso, preparado. Seus olhos nublados, o canto de sua boca dobrado como se o desejo de sangue sempre houvesse repousado no mais escondido recôncavo do seu peito.

-- Acha mesmo que conseguirá me deter? Não pensa que poderei matá-la se der qualquer passo? Não contava com nenhum guarda para este piquenique, mas vejo que você não é bem um de todo jeito... -- as palavras em escárnio tomam os lábios finos e suados do homem a nossa frente. Seu desprezo ao encarar a possibilidade de um futuro combate parece resplandecer em olhos tão apagados.

-- Não faça nada que possa se arrepender depois, senhor. Largue-a e sairá daqui vivo. -- Guez informa, seu corpo já se costumando com a adrenalina que o banha, seus olhos já encarando um novo alvo.

-- Não me faça rir, sua criança magricela! Um pobre rapaz, maltrapilho e frágil como você não será capaz de deter a força de braços que já apresentaram tantas mortes aos céus. Eu sou um profissional, um homem que toma a vida de qualquer um pelo maior preço.

-- Helena, saia daqui! Leve Mirha para dentro. -- Guez diz, seu pedido direcionado, seu corpo não demonstrando surpresa perante as palavras jorradas pela boca de um assassino frio.

-- Mas e vocês? -- sussurro indignada, minha mente não conseguindo traduzir o insólito que foi dito.

-- Apenas me obedeça, Helena! -- sua voz é dura, seu olhar nunca deixando Mullan ou o homem que a ameaça.

-- Mas... Por que faz isso, senhor? Você não poderá fugir com uma refém. Os homens da casa irão caça-los! -- minha voz é angustiada, meu desejo e colocar razão sobre um homem que se arrisca em sair impune mesmo quando as possibilidades parecem nulas.

-- Agradeço a preocupação, senhorita, mas sei bem cuidar do meu próprio rabo, e também sei dar fim em outros.

-- Vá, Helena! -- Gaspar parece ordenar pela última vez, sua paciência se esgotando diante de minha rebeldia.

-- Salve-a! -- digo num trisco de voz antes sumir apressada entre a folhagem densa que nos cerca. O anseio e o desespero em achar Mirha, correr para casa e buscar ajuda apertam meu peito. Sinto o gosto de morte em minha língua. Sinto este gosto frio, metálico e assustador se enroscar em minha boca seca enquanto me guio atordoada e necessitada em direção ao socorro.

Desejo VikingOnde histórias criam vida. Descubra agora