-- Mirha! -- Este é o único e primeiro som que escuto ao sairmos da casa abandonada. Meus olhos que se acostumam com a claridade que nos brinda, com o sol que surge bonito e garboso em confronto ao mal tempo que se passou no fundo de uma lar que não é mais nada. Esse sol, essa força da natureza nos apresenta a vida, nos aquece, nos energiza e confere aos meus olhos a luz necessária para admirar o bonito à minha volta, o verde das árvores banhado em luz dourada, e o dourado banhado em preocupação, aflição e espera do homem que chama. Bjornan espera sua amada irmã. A força que a deixou ir encontrar seus demônios é a mesma que o fez permanecer e esperar pelas respostas.
-- Estou bem, irmão. -- a voz suave sai dos lábios finos e apagados de uma pequena mulher, uma quase criança. Seus olhos não ousam repousar sobe os urgentes olhos de seu irmão, sua voz tendo apenas o mínimo de sinceridade frente ao turbulento mundo que se rompeu e ao novo que se constrói duro, rápido e cheio de demanda. Essa jovem ainda tem muito o que pensar, mas uma coisa é certa: são novos tempos, um novo caminho e uma verdadeira vida.
-- Deixe que ela termine de aprontar seu cavalo e partamos daqui, amigo. Em casa vocês poderão conversar mais e com mais intimidade. O futuro parece ter-lhe sorrido com grandes coisas! -- a voz de André se levanta frente as necessidades que visualizo nos olhos turvos do belo homem loiro que agora está ao meu lado. Seu corpo firme, tenso, em espera.
-- Não é tão fácil quanto pensa, meu amigo.
-- Então porque a deixou entrar sozinha? Porque aceitou que ela descobrisse mais do que apenas as sombras que cobrem seus pesadelos? -- André questiona ao amigo enquanto o grupo está dividido em seus afazeres para o rápido retorno a grande casa. Seus olhos sempre atentos, seu rosto firme e de expressões mais severas e já acostumadas.
-- Ela precisava saber a verdade, André. Ela me pediu isso! -- a voz do homem ao meu lado é firme, profunda e quase silenciosa. Uma voz tranquila, sem culpa e sem medo dos erros possíveis na escolha que fez.
-- Você é muito corajoso, meu amigo! -- André acrescenta ao enfrentar Bjornan, seu corpo como uma respiração solta, a calmaria ou a indiferença já invadindo ao brilho dilatado de seus olhos.
-- A verdade é que não sou... apenas tento proteger a minha amada irmã, não dominá-la. Seus desejos, suas ânsias, seus medos e sua própria força de continuar seguindo cada dia, um passo de cada vez, é apenas dela. A questão, meu amigo André, é que eu a amo tanto que a única escolha que me resta é deixá-la resolver sobre sua própria vida, mesmo que precise oferecer a minha para protegê-la enquanto faz seu tortuoso caminho.
-- Então você é mais que corajoso, meu amigo, você é um grande homem!
-- Você também o é, Andre!
-- Não... eu não sou nada. -- as palavras saem como um lapidar fino, um falar triste em meio ao nada que encontra sua alma. -- E o que posso ser, abandono com facilidade em nome das escolhas que faço pelo outro. Não tenho coragem, Bjornan, pois sei que não conseguirei viver com a solidão que a acompanha.
-- Você é o homem mais corajoso que conheço, irmão! -- minha voz é firme, necessitada em sair, gritar pelo mundo o significado de amor e beleza de um homem que não mais se enxerga. Meu irmão é a criatura mais amorosa e boa que conheço, um sopro de vida em meio ao caos, a bondade para aqueles que acreditam não existir mais esperança. Mas ele não parece saber sobre seu próprio eu, apenas escuta a voz torturante que sai de sua boca em palavras que como agulha invadem e picam nosso coração.
-- Não diga bobagens, Helena! Sou apenas alguém agarrado a vida, alguém que passa os dias na esperança de viver algum deles. Sou apenas alguém que mente para todos. -- diz ao se aproximar de seu cavalo já preparado e lhe oferecido por um de seus homens. -- Mas agora preciso ir. Ficarei fora por alguns dias! -- acrescenta, para logo içar seu corpo num impulso único sobre sua bela montaria.
-- Gues irá contigo? -- pergunto antes que ele se vá, ainda sem fazer conta das palavras ditas, do inesperado da ação e do significado. Já estou acostumada a esses rompantes, essas suas saídas longas pelo mundo. Mas aqui e agora, depois desses dias calmos e da felicidade em revê-lo, esqueci por completo da correria de uma vida sem paz, do peso e da responsabilidade que o nome de nossa família carrega. Que Deus esteja com ele. Que Deus esteja com todos nós.
-- Não. Não desta vez! Ele prometeu ficar com Mullan, e esse parece ser o único alívio que posso proporcionar por mais alguns dias. Agora, se me dão licença... -- diz ao iniciar a marcha com eu belo cavalo, uma palavra de adeus como a de costume, a ausência de sentimentos de partida -- Helena, minha amada irmã -- ele diz já alguns metros de distância, sua voz um rasgo no espaço tomado pelas árvores, seu rosto um expressivo sorriso daqueles que me fazem lembrar os tempos de felicidade, de aconchego e de estar em casa -- Por favor, cuide bem daqueles dois! Os ame, os mime e faça com que se sintam tão felizes como o quanto eu sempre estou ao seu lado. Seja você, minha doce irmã! -- essas palavras soltas ao vento transpassam meu coração, me afetam profundamente. Seu riso, seus traços bonitos e apaziguados que agora me gritam coisas boas, palavras de afeto, me perturbam pelo que podem ser. Um verdade enraizada ou a capacidade de ser tudo, parecer sentir tudo enquanto a mentira toma seus lábios bonitos?! Não sei mais o que pensar diante do mundo.
-- Vamos para casa, Helena. Você parece cansada! -- a voz de Bjornan me toma no momento em que meus pensamentos se escurecem, elas me tiram do pensar muito, do meu afundar em desordem e desespero naquilo que é desconhecido. Seus braços que me puxam de encontro a um peito firme, que me apertam em cuidado e carinho, me aquecem e me fazem desejar aquilo que não posso ter. Seu calor retira o ruim e amargo que se acumula em minha boca. Que meu irmão ande o mundo, eu ficarei aqui e cumprirei todas as minhas promessas.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Desejo Viking
RomanceAlguém sabe quando o amor surge? Alguém sabe quando deixamos de temer perder a liberdade para ficar ao lado do outro? O amor seria mesmo essa faca de dois gumes, que de um lado te dá alegrias nunca antes vividas e do outro te toma alegrias nunca mai...