Capítulo LXIX

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                             (Renan)

  Meu calendário estava quase todo marcado de vermelho, pois eu fazia questão de marcar com a caneta os dias que passavam, e todo santo dia eu contava quantos dias faltavam para o Natal. Eu chegava tudo, para ter certeza que tudo daria certo, já sabia o horário do voo seria dia 24 às 14 horas. Quem parecia não estar muito animado com isso era o Heitor, mas não quero falar nada afinal ele se desentendeu com a avó por minha causa. No fundo eu entendo ela, mas chamá-lo de desnaturado já foi longe demais.

  Ele me contou tudo, com a cabeça sob minha coxa, ele parecia uma criança carente, eu fazia carinho no seu cabelo para que pudesse se acalmar. Ele mantinha aquela postura de machão, mas era muito sentimental.

   Eu comprei um monte de roupa nova de frio para usar na nossa viagem. Heitor agora andava muito ocupado, fim de semestre era muito sobrecarregado para ele. O meu amor era tão guerreiro e eu o admirava demais por isso.

    Quando o tão foi chegando eu já estava quase tendo um ataque, era nítido minha felicidade.

  — Que cara é essa? Andou se drogando? —. Violeta perguntou assim que me viu.

  — Não, só estou feliz, é que falta tão pouco para nossa viagem, ainda nem acredito que vou passar uma semana inteira com o Heitor —.

  — Agora entendi, desse jeito até eu ficaria —.

  — Só espero que ele dia chegue logo —.

  — Olha você tem que fazer o melhor pro seu namorado gostar da viagem, e também pra vocês ficaram melhor do que já estão. Sei lá, brinca com ele, faz massagem, cócegas —.

  — Eu prometi que diria sim para ele durante toda a viagem —.

  — Eita, coitado então —.

  — Pois é —.

  — Soube da nova? —. Perguntou.

  — Não —.

  — O pai do Cassiano vai patrocinar a companhia agora —.

  — Já vi que isso vai dar muito errado —.

  — Também pensei nisso, do jeito que o pai dele é, vai querer que o filho seja o grande destaque do teatro. O André me contou que até uma equipe pra cuidar da redes sociais dele o pai contratou —.

  — Dançando desse jeito, ele vai fazer sucesso, mas em um circo —. O que mais me enoja nisso tudo é o fato daquela ratazana lutar pelo meu lugar do jeito mais sujo, pagando, subornado, porque ele sabe que eu danço muito melhor do que ele. Parece que o seu prazer é perturbar minha vida.

                                 (Heitor)

   Vovó ainda ficou alguns dias embirrada, até que pediu desculpas do jeito dela.

  — Heitor eu fiz pudim de coco, do jeito que você gosta, quer um pedaço? —. Perguntou ao entrar no meu quarto, eu estava em frente ao computador escrevendo um trabalho.

  — Quero sim, obrigado —. Sorrio e ela sorri de volta, eu odiava ficar com raiva dela, mesmo que ela me chateasse bastante, coisa bem rara de se acontecer inclusive, porque ela era um doce.

  — Já comprou a passagem? —. Perguntei a ela.

  — Ainda não —.

  — Ainda bem, é melhor a senhora ir de avião, é bem mais rápido, e esses ônibus só servem pra quebrar —.

  — Se você diz —.

  — Desculpa não ir, mas é que eu preciso mesmo fazer essa viagem, pra entender um pouco mais de mim mesmo —.

  — E você tem dúvidas sobre quem você é? —.

  — Muitas, a todo momento na verdade, tem dias que parece que sou um andarilho, que somente vaga pelo mundo —.

  — Bom, isso é porque você é muito sobrecarregado com tudo, nem se permite aproveitar um pouco da vida. Agora que você começou a sair mais —.

  — A senhora acha que eu me dedico demais ao trabalho e a faculdade? —.

  — Sim, o seu dever era apenas estudar, mas como você morreu, acabou assumi do o papel dele, providenciando tudo. Quando na verdade, era eu quem devia sustentar essa casa —.

  — Não fala essas coisas vó, eu só estou agradecendo o que vocês dois fizeram por mim, sabe lá Deus o que teria acontecido se eu tivesse ficado com a doida da sua filha —.

  — O seu avô sempre se preocupou em cuidar direito de você pra não sair igual a mãe, e pelo visto deu bem certo. Eu sinto muito orgulho de quem você é, eu já sentia, mas atualmente fico ainda mais. Então eu acho que você merece mesmo passar um tempo consigo mesmo. Aproveite enquanto pode, você ainda é jovem, e tem todo direito de aproveitar sua vida —. Ela se levanta e vai andando para fora do quarto.

  — Vó?! —.

  — Sim —.

  — Eu te amo demais, como neto, como filho, como amigo —. Ela veio até mim e me deu um abraço bem apertado, e beijou minha cabeça. Depois disso, fiquei mais leve. Consegui pensar com entusiasmo na viagem, Renan estava tão feliz, eu podia perceber em sua voz, ou no seu sorriso, e também nas milhares de fotos que ele me mandava da cidade todo santo dia.

  Olhando para aquele quarto e lembrando dele, percebo que ali certamente ele caberia, quase como uma alucinação aquilo passou por minha cabeça. Mas a ideia foi tão boa que me vez pensar mais sobre. Imaginei o quarto cheio dos seus livros, com aqueles espelhos e barras que ele tem em sua casa. Imaginei o gaurda-roupa cheio dos seus produtos de beleza.

  Depois das palavras de minha avó, começo a achar que um futuro com nós três não seja tão improvável, mesmo que pareça bem distante. Eu gosto de pensar no futuro, muito mesmo, só não falo para o Renan porque isso me deixa um pouco envergonhado, penso que ele possa me achar muito infantil. Mas penso em eu formado, trabalhado e ganhando bem, ele com o seu ballet, uma casa só para nós três. Isso é um sonho bem legal.

  Queria agradecer ao universo, por fazer aquele garoto esbarrar em mim por tantas vezes. Porque de todos os imprevistos ele foi o melhor. Bagunçou minha vida, com certeza, mas foi para melhor.

   Ele havia me mandado mensagem, uma foto, deitado fazendo uma careta bem fofa, ele disse que estava sentindo saudades. Respondo fazendo a metade de um coração com a mão.

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO.

O vôo do CisneOnde histórias criam vida. Descubra agora