Capítulo CX

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                              (Renan)

   — Que cara é essa? —. Questiono Heitor quando entro no seu carro. Havíamos combinado de almoçar juntos hoje.

   — Estou feliz, apenas isso —.

   — Feliz por que? Posso saber? —.

   — Porque minha avó vai fazer um almoço domingo —.

   — Legal, tenha um bom almoço —. Não sei o que tem de tão especial nesse almoço para ele estar feliz assim, justo ele que costuma ser tão frio.

   — E ela chamou você —.

   — Sério? —. Fiquei surpreso com aquela informação. A avó do Heitor, me chamando pra comer na casa dela, dias depois de ter expulso o neto após descobrir que ele é gay.

    — Sim, isso não é um máximo? —. Era nítido sua felicidade e seu entusiasmo.

   — Com certeza —. Eu ainda não estava preparado para estar cara a cara com dona Olga depois de toda confusão que aconteceu. Mas para deixar o Heitor feliz assim, eu faria qualquer coisa.

   — As duas pessoas mais importantes da minha vida, cara a cara. Melhor que isso apenas você ir morar lá em casa —.

  — Isso daí já é outra história amor, não seja precipitado, dê um passo de casa vez. Até eu estou surpreso com esse convite de sua avó —.

   — Está com medo? —.

   — Só tenho ressalvas, já que na última vez que fomos em um jantar assim, o resultado não foi nenhum pouco agradável, e as consequências não foram muito boas. E algo me diz Heitor, que esse jantar não vai terminar nada bem, é como olhar para o horizonte e vê uma tempestade se aproximando —.

   — Acho que isso é apenas coisa da sua cabeça, vai dar tudo certo, minha avó me aceitou e agora está aceitando você —.

  — Assim espero, meu amor —.

  Após aquele almoço, liguei para Violeta atrás de conselhos, ela me disse praticamente a mesma coisa que Heitor disse. Acho que essa foi a gota d'água, pois quando ambos discordavam de mim eu estava certo, como da vez em que eu achei que o Hugo fosse um mal caráter.

  De qualquer jeito, nada me surpreenderá. Já estarei pronto para me defender de qualquer ofensa, insinuação, agressão ou sabe-se lá o quê que acontecer.

                             (Heitor)

  Vovó me arrastou até o supermercado para fazer as compras, ela olhava com atenção as coisas que ela precisaria. Demoramos bastante, fiquei feliz ao ver ela pegando espinafre, porque eu sabia que era pro Renan, pois nenhum de nós dois comíamos.

   — Acho que essa casa precisa de uma pintura nova Heitor —. Ela falou ao chegarmos.

   — Concordo —.

   — Ainda me lembro do primeira pintura dessa casa, amarela e branca, tão linda. Combinava bastante com umas roseiras vermelhas que haviam aqui na frente —.

  — E o que aconteceu com elas? —.

  — Você destruiu elas com sua espada de madeira, seu medonho —. Ela sorriu e depois entrou em casa. Disso eu não me lembrava, mas lembro daninha esposa de madeira. Pois foi meia avô quem fez.

                                  •••

   No dia seguinte tive muito trabalho, pois houve um deslizamento de terra, e eu fui fazer o resgate. No fim daquele dia eu estava fisicamente e mentalmente esgotado, mas ainda assim tive de ir a faculdade. Não tive tempo de visitar o Renan. Dormir por umas doze horas, incessantemente, tentando espantar o cansaço. Mal posso esperar pra me formar, e poder trabalhar longe de toda essa exaustão física.

   Passei o dia em casa, Vovó passou a tarde quase inteira no jardim, olhando com atenção suas flores e suas ervas. Quando não, estava sentada lendo.

   Deitei no sofá, fiquei olhando a foto dos meus avós com a filha deles, a mulher que me deu a luz. Ela não parecia nada comigo, e eu sou imensamente grato por isso. Ela tinha cabelos castanhos e ondulados, em todas as fotos ela está mal humorada. Às vezes me questiono, como ela está nesse mundo afora, ela é minha avó mal se falam.

  Nunca entendi, como surgiu uma pessoa tão perturbada, justamente de um casal tão perfeitamente ajuizado. Parece uma obra do destino. Ela nunca mais teve outros filhos, e nem espero que tenha, afinal filho nenhum merece uma mãe tão irresponsável e inconsequente como ela. Ainda guardo muito rancor, pelo fato de ela querer ter me abortado. E mais ainda por ela nunca ter tido o mínimo de consideração por mim.

   Quanto ao meu pai, tenho apenas curiosidade de saber quem é. Saber se ele era tão inconsequente quanto ela. Ou se pelo menos, ele teria um pouco de responsabilidade.

   Essas são coisas que vem a minha mente de maneira bem aleatória e me fazem pensar e repensar acerca do passado e do futuro. Acho que seria bom ter um pai, mãe eu já tenho uma, pelo menos de verdade, que é minha Dona Olga. Mas minha única figura paterna foi perdida.

  Olhei para o jardim, minha avó estava olhando para o céu. Aquilo me partiu o coração, pois ela costumava olhar o por do sol com meu avô, assim eles fizeram até o dia de sua morte. Depois disso ela parou, mas agora ela estava fazendo de novo por algum motivo.

   Caminhei até ela, soprava um vento suave e gelado, a abracei por trás. Ela estava sorrindo. Não ousei falar nada, apenas fiquei ao seu lado. Ambos sofremos, mas ela ainda sofria já que estava sozinha. Eu entendo a solidão, eu sei como é dolorido perder alguém que amamos.

  Quando o sol se foi, ela beijou minha mão e em silêncio entrou para dentro de casa. Deitei na grama e ali fiquei olhando as poucas estrelas do céu de Curitiba.

   Fiquei refletindo sobre o sentido da vida, o lugar do amor e o valor das coisas, na efemeridade da carne humana, a eternidade da dor e da mágoa. Sem perceber acabei dormindo, ali mesmo na grama. Só acordei quando minha avó sentiu por minha falta e veio me procurar.

   — Levanta daí Heitor —. Ela disse e depois votou para dentro de casa.

   Mandei uma mensagem de boa noite para o meu amor, fui o mais fofo possível, e disse que estava ansioso pelo jantar no dia seguinte àquele. Ele disse que também estava ansioso, e disse que mal podia esperar para estar comigo de novo.

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO
  
  

O vôo do CisneOnde histórias criam vida. Descubra agora