Capítulo LXXX

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  (Heitor)

  — O que é tudo isso? —. Indago ao ver as coisas que Renan havia trazido dentro de uma cesta. Ele estendeu um lençol no chão. Estávamos em um parque a beira de um lago, era bem tarde da noite, a cidade estava agitada, afinal aqui e acolá havia alguma festa. Mas ali naquele parque havia poucas pessoas. Esperávamos o início do novo ano.

  — Coisas —.

  — Vamos apenas ver os fogos, não podemos ficar aqui até tarde, nosso voo vai ser de manhã —.

  — Tudo bem —.

  Renan estava incrivelmente bonito naquele dia, ele havia feito duas tranças em seu cabelo, e as juntou na parte de trás da cabeça ele parecia ter saído de um conto élfico.

   — Amanhã é meu último dia de folga, depois começo a trabalhar de novo, e nem é preciso dizer o quão isso me deixa triste —.

  — Bom se serve de consolo eu também vou voltar a dançar, mas até que eu estava com saudades —.

  — Nem parece que reclama do quão exaustivo isso é —.

  — Eu reclamo porque é a verdade meu caro, às vezes é cansativo, mas as minhas conquistas me acalentam —.

  — Vovó chega amanhã também, estou com tantas saudades dela —.

  — E eu já estou com saudades de você —.

  — Mas eu estou aqui, não tem por que sentir minha falta —.

  — É por antecipação, já prevejo que vou sentir sua falta no resto dessa semana —.

  — Pior que eu vou dar uma bela sumida, segunda-feira a faculdade já volta com tudo. Tinha até esquecido que eu trabalho e estudo —.

  — Cada um com sua própria cruz —. Renan deitou-se sob o lençol, me juntei a ele, ficamos olhando o céu encoberto, sem nenhuma estrela. O vento frio tocava nossa pele. Renan tremia. O trouxe para mais perto de meu corpo, com o intuito de aquecê-lo.

  — Queria ser rico o suficiente pra não ter que trabalhar, dar tudo que a minha avó deseja e tudo o que ela merece. Ter você todos os dias do ano, e dar a você a liberdade de não precisar dançar —.

  — Mas eu gosto de dançar Heitor, dá muito trabalho, mas essa é minha paixão —.

  — Sei que sim, mas você não preferia passar mais dias assim? Viajando, conhecendo lugares, pessoas, coisas novas. O mundo é tão grande, ele não está apenas no palco em que você dança, está bem além —.

  — É isso até que seria bom —.

  — Bom eu te prometo que um dia vou ser bem rico, vou te dar tudo o que você quiser, com um estalar de dedos seus farei qualquer coisa. Só para te fazer feliz, só para ter o seu amor —.

  — Eu apenas preciso de você pra ser feliz, não quero dinheiro ou coisas —.

  — Mas você tem a mim —.

  — Não na quantidade que eu preciso, eu quero mais tempo com você, se o seu dinheiro poder comprar isso então o faça, mas se para ter o poder de comprar tudo precisar sacrificar dias e anos, então prefiro que apenas fique comigo —.

  — O quê quer dizer? —.

  — Não sei, pode ser coisa da minha cabeça, porque a cada dia eu me torno mais dependente de você. Mas vamos voltar para Curitiba, você vai para o seu mundo e eu para o meu. Nos veremos poucas vezes certamente, porque você tem seu trabalho e faculdade e eu tenho o ballet. E noites a dentro eu passarei sozinho, depois de ter me acostumado com sua companhia. Sabe, isso me assusta bastante, mas acho que ainda não posso te ter da maneira como eu quero, nem sei o que estou falando, deve estar me achando um egoísta, mas só quero te dizer que não aguento mais um segundo sequer longe de ti. Posso estar sendo grudento, mas esse é meu jeito de amar, é o meu jeito de te desejar —.

  — Olha, não sei se assim será, mas te prometo que nem que seja por um minuto ou dois, todos os dias vou te ver. Mas acredite, também vou sofrer dormindo noites sozinho —.

  — Acho que era por isso que eu tinha tanto medo de me apaixonar — Renan olhava para cima, sua voz estava dengosa, como se quisesse chorar, sua boquinha minúscula mexia de maneira fofa e agradável — Não que isso seja ruim, mas os efeitos colaterais são bem pesados. Eu me sinto sufocado naquele apartamento, mesmo ele sendo enorme, aquele silêncio de estourar os ouvidos, e os longos dias que parecem não ter fim. Isso não é nada bom —.

  — Sinto muito por te fazer passar por tudo isso —.

  — Eu ja passava, você só fez eu entender que tudo isso estava escondido em algum lugar do meu corpo, me matando devido a toxidade desse sentimento —.

   — Eu já te fiz muito mal, não é? —.

   — Não precisamos falar sobre isso agora, olha só faltam dez minutos para o ano novo, eu comprei um vinho, quero começar esse ano damelhor forma possível. Com o meu homem, com uma boa garrafa de vinho a beira-lago esperando as luzes subirem ao céu —.

  — Você fala como um poeta Renan —.

  — E você como um romancista —. Renan abriu a garrafa pegou duas taças e as encheu, uma ele deu a mim. Ele propôs um brinde.

  — Um brinde a nós, aos nossos momentos desse ano, e aos próximos que virão —.

  — A nós — Bebi um gole, e era realmente muito bom — Que eu me lembre naquele jantar depois da apresentação, você foi ao banheiro com uma mancha de vinho, então creio que tenho que ser grato a essa bebida por nos unir —.

  — Então meu amor, você tem que ser grato ao teatro, ao prefeito, aos meus fones de ouvido, a academia e sobretudo a Violeta também —.

  — Violeta é a sua amiga não é? —.

  — Sim, um amor de pessoa, ela que me dava conselhos, em alguns eu não gostava, porque ela sempre está do seu lado —.

  — Gostei dela —. Sorrio, ele vem até mim e morde meu pescoço, Renan era muito carinhoso, amava um dengo, um cafuné, um abraço e isso era o que mais gostava.

— Nossa, falta dez segundos —. Seu alarme tocou, ele rapidamente se sentou, eu também me sentei e o abracei. Ele ficou contado os segundos, olhando em direção a outra margem do lago, onde havia alguns fogos.

  — ... Três, dois, um. Feliz ano novo amor —. O céu iluminou-se em muitas cores, mas nenhuma delas era mais bonita do que o castanho, de seus olhos e de seu cabelo.

O vôo do CisneOnde histórias criam vida. Descubra agora