Capítulo CXXVII

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(Heitor)

   — A quanto tempo você não toma banho? —. Minha avó me questionou, eu estava deitado, olhando para a janela, pensando nele.

  — Eu estou bem vovó não precisa se preocupar —.

   — Que bem o quê? Você não come nada, está pálido, com olheiras de um urso panda onde que isso é está bem? Sem falar que essa casa está um chiqueiro -.

   —  Eu quero ficar sozinho —.

  — Não vai ficar sozinho coisa nenhuma, eu vou ficar aqui pelo menos até você melhorar —.

  — Eu não preciso de nada vó, só preciso ficar sozinho —.

   Ela se sentou na cama, e colocou a mão na minha cabeça e começou a arrumar meu cabelo.

   — Eu sei que você o ama, deve estar doendo muito, mas você tinha outras escolhas e preferiu estar assim, ele está certo —.

  — Acha mesmo que se eu tivesse outras escolhas eu estaria aqui? —.

  — Sempre há outras escolhas filho —.

  — Nem sempre há uma saída —.

  — Vocês não se falaram mais? Ele não te ligou depois que chegou? —.

   — Ele terminou comigo vó, terminou comigo antes mesmo de chegar na França. Eu já sou passado para ele, enquanto eu estou aqui sofrendo no presente —.

   — Ele terminou com você, mas isso não significa que esteja tudo acabado, pegue um avião busque-o diga que o ama, nunca é tarde, eu sei que ele deve estar sofrendo também, e ele precisa de você mais do que tudo —.

  — Eu não posso ir, eu vou abandonar meu emprego? Minha faculdade, você, e tudo aqui? —.

  — Porque se preocupa tanto comigo? Eu estou bem. É melhor se preocupar em viver a sua vida, do que se preocupar comigo —.

  — Enfim, ele está muito longe, não há como —.

   — Adamastor mandou te dizer que... —.

   — Eu não quero o dinheiro dele vovó, eu não quero o que não é meu, agradeço bastante esse ato de bondade dele, do fundo do meu coração mas eu não aceito —.

   — Não é isso filho —.

   — Não?! O quê é então? —.

                            (Renan)
      
   Era o meu primeiro dia no ballet, eu estava muito nervoso, mas ainda assim eu cheguei naquele lugar com o máximo de confiança que eu poderia transparecer. No vestiário eu percebi olhares, mas não eram nada amigáveis, pelo contrário, senti inveja, uma inveja que tornou o ar pesado.

   Eu dancei o mais perfeitamente que eu pude, mesmo estando totalmente destruído por dentro eu não desabafar por fora. Acho que era o vazio, o vazio me tornava mais focado, sem outras coisas me atrapalhando.

   De repente uma das professoras veio até mim, me olhou dos pés a cabeça, pensou por um pouco até que soltou:

   — Esse daqui é menos pior —. Eu sorri por dentro, olhei para o lado, quando a professora passou eu olhei para os outros ao meu lado e sorri levemente. Era melhor eles entenderem qual era o seu lugar.

   Ela voltou até mim e falou:

   — Você, mostre aos outros como se faz —. E assim eu fiz, nesse momento relembrei de todas as lições que tive com minha mãe, que como professora de ballet era perfeccionista. Depois apenas deixei que meu corpo me conduzisse.

   — Qual é o seu nome? —.

   — Renan Donatello —.

   — Você será Colas, é melhor não me decepcionar, dizem que eu tenho um bom dedo para os grandes, não os contrarie —.  Esse era um dos protagonistas de La Fille Mal Gardée, só pude sorrir. Já cheguei mostrando que eu estava em um nível vem diferente deles.

   No final da aula, fui para casa, mas não sem antes dar um tchauzinho para os meus colegas, suas caras eram as melhores. Enfim, uma verdade seja dita, em toda escola de ballet, sempre há pelo menos um Cassiano. Eu já sabia que encontraria outros de sua espécie.

   Caminhei até minha casa, tomei um bom banho, depois saí para explorar um pouco mais de Paris, eu odiava focar em casa, pois ficando em casa eu ficava em ócio, e ficando em ócio eu lembrava do Heitor, e lembrar do Heitor me deixava triste.

   Queria ser uma pessoa menos emotiva, queria sair pelas ruas de Paris e fuder com a primeira pessoa que eu visse, mas eu não era assim, eu amava aquele homem demais, demais. Era uma coisa que me consumia a cada dia, meu corpo precisava do seu.

   Já esqueci da verdade, e fiquei por segundos olhando algumas pessoas de costas, pensando que talvez fosse o Heitor, mas no fim não era, apenas uma pessoa com o cabelo parecido, ou o corpo parecido. O meu homem era único, e estava do outro lado do Atlântico.

   Me sentei em um banco em uma pracinha qualquer, fiquei olhando os pombos, depois os ratos, e depois nada mais, apenas parado, pensando e pensando.

   Já fazia uma semana, e nem um sinal dele, acho que ele tinha desistido completamente de mim. Bonito como ele era facilmente já tinha outro, mais bonito do que eu, com mais tempo para ele do que eu e menos dependente do que eu. E isso nem era tão difícil.

   Me levantei fui caminhar um pouco mais, até chegar em uma pequena ponte. Fiquei parado exatamente no meio dela. Olhei o rio, o sol já estava indo embora. O vento gelado batia no meu rosto e o queimava, meu cabelo estava sendo lambido e bagunçado pelo vento.

   Dei meia volta, fui em direção a minha casa, eu tinha andado bastante hoje, não só hoje, mas nos últimos dias. Me ajuda a me acalmar e a não surtar. O que é bem difícil de se manter.

   No caminho um cachorro ficou olhando para mim, ele estava preso a uma coleira de uma senhora, era um poodle ele virou a cabeça de uma maneira bem fofa. Eu sorri. Ela acenou para mim eu acenei de volta. E olhei para os dois lados antes de atravessar a avenida.

    Eu já estava bem no meio dela. Quando eu ouço alguém chamando meu nome.

   — Renan —. Eu paro e olho para trás, eu quase não acreditei no que vi, era o Heitor, parado, na calçada que eu havia acabado de passar, bem perto da minha casa. Eu não pude deixar de sorrir. E isso foi a última coisa que eu me lembro antes de sentir o impacto. Em um momento eu estava vendo o Heitor, no outro eu estava vendo os carros parados, e as pernas das pessoas agitadas se aglomerando ao meu redor.

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO





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