Capítulo XCII

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(Renan)


      Em toda minha vida, nunca fui melhor tratado. Dona Olga fazia questão de cuidar de mim, era como se eu fizesse parte da família, se bem que eu fazia só ela que não sabia ainda. Vendo como aqueles dois cuidavam um do outro, eu concluí que essa era a razão pela qual Heitor temia tanto contar toda a verdade, ele tinha medo de perder aquela ligação. Creio que estou sendo egoísta ao cobrar demais dele, eu não conheço um amor daqueles, não por parte da minha família. Então não tenho medo de perder algo que eu nunca tive, e ao que parece nunca terei.

                Passei a tarde com eles, e após isso pedi que Heitor fosse me deixar em casa, eu fui contrariando a insistência dele, junto de sua avó. Mesmo que estar na companhia dele fosse algo extremamente agradável, eu ainda sentia uma vontade enorme de ficar um tempo sozinho. Eu precisava refletir muito, pensar e pensar exaustivamente nas coisas que aconteceram e também nos fatos que se entrelaçam e formam minha vida. Certa vez ouvi em uma canção que todos os esforços são em vão, e agora essas palavras pessimistas estão certas.

— Tem certeza que não quer dormir conosco? Minha avó te adora, podemos dormir juntos mais uma noite, vou cuidar de você, lhe abraçar e lhe encher de beijos —. Heitor questionou-me. Embora sua proposta fosse tentadora, minha resposta não seria nada boa.

— Quero ficar um pouco sozinho Heitor, preciso ficar sozinho na verdade, agradeço imensamente por ter cuidado de mim, mas agora quero ficar só —. Sua expressão não era nada boa, tristeza misturada a preocupação. Mas Heitor era teimoso, o homem mais teimoso que já conheci.

— Sei que está se sentindo triste pelo o que sua mãe disse, mas não deixe que essas palavras mentirosas atrapalhem sua vida. Você não merece sofrer pelos traumas dela, se ela tem problemas ela mesmo tem que resolver, a culpa dela não ter sido alguém não é sua —.

— Ah se apenas isso me causasse dor meu caro, queria eu que meu fardo fosse apenas esse, mas infelizmente minha vida é muito mais complicada. Só quero sumir com todos esses problemas e viver um pouco em paz. Você deve estar exausto de tanto ouvir isso, eu sei. Mas é que eu sou uma pessoa, não uma máquina, eu tento manter essa postura de inabalável, mas no fundo sou fraco, sou muito fraco. Essa droga desse ballet está me deixando louco, eu amo e odeio dançar, assim como amo e odeio a mim mesmo —.

— Não sei o que falar — Heitor falou cabisbaixo — Apenas queria que você fosse feliz, e não passasse por esses momentos, mas ao que parece você e obrigado a viver nisso. Acho que esse é o preço por tentar ser o maior, tropeçar em um caminho duro —.

— Eu sinto tanta vontade de desistir, sério mesmo, apenas queria ser livre para poder ser feliz de verdade, sair daquele ballet, viver uma vida normal, longe dessas obrigações todas e dessa pressão infernal. Isso me enlouquece, isso me mata aos poucos, corroí minha mente que já não é muito sadia —.

— E por que você não para? Nada lhe obriga a continuar dançando, você pode recomeçar, encontrar outra coisa que goste, tente outra vez Renan. Não quero pressioná-lo, mas posso cuidar de você, não posso lhe dar tudo da forma como você tem hoje, pois ainda sou apenas um bombeiro, mas eu juro que vou te dar todo o conforto que eu puder, e vou lutar muito por nós dois, um dia serei um advogado ou algo a mais, e vamos ser felizes e juro —. Eu lutei para não aceitar aquela proposta, lutei muito. Era quase irrecusável, mas eu ainda tinha um pouco de orgulho e ambição dentro de mim. Não era justo deixar a responsabilidade pelo nosso futuro apenas em seus ombros, Heitor já detinha problemas demais, não queria sobrecarregá-lo.

— Eu quero muito isso Heitor, mas não posso, pois também quero lutar muito por nós dois. Eu amo dançar, esse sou eu, eu amo os palcos, não tanto como amo você, mas não imagino minha vida sem o ballet. Não quero que no futuro eu olhe para trás e veja que todas as oportunidades boas foram deixadas devido a minha fraqueza. Não quero procurar uma desculpa por não ter sido capaz de lutar pela minha carreira, nem muito menos um culpado. Eu não quero ser igual a minha mãe, não quero ser um fracassado. Eu te amo demais meu amor, mas não quero ser ninguém. Portanto não posso aceitar sua proposta, vou lutar também por nosso futuro, por nós dois —. Digo-lhe, quase não me aguentando em pé. Heitor tentou não demonstrar sua decepção, mas ele era bem expressivo. Eu podia ler cada pensamento somente pelo seu olhar.

— Eu entendo, esse é você, me apaixonei por você assim, corajoso e destemido, sempre desafiando quem se coloca em seu caminho, não é Renan. Só tome cuidado para não exigir demais de si mesmo, ninguém nasce grande, ninguém se torna impecável do dia pra noite. Sei que já tentaram lhe fazer desacreditar de si mesmo, mas eu acredito em você, minha avó acredita em você também, o velhote, seu pai e até a doida da sua mãe, ela só não aceita que você além de ser feliz também consegue ser grande, como ela nunca foi nem nunca será. Porque superou ela a muito tempo Renan, ela sabe disso, mas não lhe diz para não se acomodar e ser preguiçoso —.

— Fico feliz que você sabe. Desculpa por te envolver nisso tudo, você já é cheio de problemas e agora tem que lidar com os meus, como se os seus não fossem suficientes para lhe encher a cabeça. Você merece alguém bem menos complicado, alguém que seja realmente um porto seguro, e não eu —.

— Fazer o que?! Gosto de você seu doidinho —.


CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO

O vôo do CisneOnde histórias criam vida. Descubra agora