O vôo do Cisne

Capítulo CXXXII

               — Você fraturou o fêmur e a tíbia, foi uma lesão extensa, a recuperação será lenta, e você vai precisar tomar o máximo de cuidado com a sua perna pelo resto da vida, como o seu médico sugiro que desista de dançar ballet —. O médico me diz, estávamos a sós, meus pais e Heitor estavam do lado de fora, eu só queria que nada disso houvesse acontecido, que tudo estivesse da forma como estava. Mas acho que eu já deveria ter aceitado a muito tempo, que eu vim a esse mundo apenas para sofrer.

— Apenas por curiosidade, e seu eu continuar dançando o que acontecerá? —.

— Os ossos se regeneram, mas nunca mais voltam a ser o que eram, seus ossos estão frágeis se os forçar eles se quebrarão e só Deus sabe o que de pior pode acontecer com isso, mas fora isso você pode ter uma vida normal, poderá correr, poderá fazer qualquer coisa —. Não digo nada, meus olhos ficam marejados, era sempre assim depois que eu acordei, uma profunda e agoniante dor, que não passava, não passava por nada. Era mesmo verdade, minha carreira estava acabada, minha vida estava acabada, não sei mais o que eu faria dali para frente, não sabia o que eu ainda queria, não sabia se ainda queria o Heitor.

— Sei que pode ser difícil para você, seu corpo era o bem mais precioso que você possui, ele é o seu modo de vida, é você, eu sei quem você é, todos aqui ficamos encantados quando vimos você dançar. Fico muito triste em ter que lhe dizer que infelizmente essa é a sua nova realidade, sem dança, sem ballet. Acredite, eu já vi muitas pessoas aqui perdendo tudo, perdendo o mundo delas, e ainda assim consegui ser surpreendido pela força de alguns, não estou pedindo para que seja forte, você tem todo o direito de fraquejar, tem todo o direito de chutar o balde. Mas lembre-se, o jogo da vida só acaba quando o coração para de bater e somente isso —. Depois disso ele saiu e me deixou paralisado. Eu só queria sumir do mundo, morrer mesmo, mas infelizmente eu estava vivo. Por ironia do destino depois de 21 anos fugindo eu tinha me tornado minha mãe, no fim não houve escapatória.

— Oi, você está bem? —. Meu pai indagou, ele entrou no quarto e logo em seguida ficou fazendo carinho no meu cabelo.

— Estou, o suficiente para irmos embora, eu quero o quanto antes ir embora desse lugar maldito —.

— Tudo bem, você vai para a sua casa, tudo bem? —.

— Eu quero ir embora da França, quero ir embora dessa merda de país que acabou com minha vida —.

— Heitor não me falou que vocês vão voltar ao Brasil —.

— Ele eu não sei, mas eu vou voltar ao Brasil, eu que não vou ficar nesse lugar —.

— Mas você sempre quis viver aqui meu filho, tem mesmo certeza que quer ir embora? —.

— Eu sempre quis vir dançar aqui pai, eu não posso mais dançar, então eu não tenho o que fazer nessa cidade de merda —.

— E quanto ao Heitor? —.

— O que tem ele? —.

— Não acha que precisa dialogar com ele sobre os seus planos —.

— Eu não tenho que falar nada com o Heitor, meses atrás ele seguiu a vida dele, eu o respeitei e continuarei respeitando a sua vontade, deixe ele viver a vida dele como tanto quer, não quero ser um fardo na vida perfeitinha dele, alguém amargurado, como a mamãe foi na sua vida —.

— Sua mãe sempre foi uma pessoa difícil, isso é verdade, ela sempre teve os seus problemas, mas ainda assim ela me presenteou com as melhores coisas dessa vida, ela me deu uma família, ela me deu você, eu não tenho do que me queixar, minha vida poderia ter sido melhor, mas apenas se eu quisesse que houvesse sido melhor, mas infelizmente acabei gastando grande parte da minha vida com coisas tão vãs, e o que eu ganhei com isso? Dinheiro? Do que vale? —.

— O que quer dizer com tudo isso —.

— Você não é igual a sua mãe, você é igual a mim, sua mãe por mais errada que fosse, ela viveu os melhores anos da vida dela com você ao seu lado, cuidando de você te preparando para ser o melhor, acho que de isso irei me arrepender amargamente o resto da minha vida, de não ter estado com você, sua mãe estava lá, sempre esteve, ela o viu crescer, o viu cair o levantou, enquanto eu não estava, me matando de trabalhar, achando que isso me tornaria feliz, mas não isso nunca me tornou feliz, a verdade era que isso era apenas uma obsessão e quando finalmente eu consegui o que eu quis, simplesmente me senti a pessoa mais vazia do mundo —.

— Agradeço seus conselhos pai, mas minha situação é muito diferente da sua. Eu só quero ir embora desse lugar, eu quero ficar sozinho, mas não sozinho aqui, porque esse lugar vai ficar para sempre nos meus pesadelos como o lugar que destruiu a minha vida, como eu posso viver em um lugar como esses? —.

— Um dia daqui a alguns anos, você vai acordar e vai sentir que você está feliz, vai olhar ao seu redor e pensar que aquilo é tudo o que você precisa para ser feliz, mas lá dentro do seu coração uma pequena dúvida vai crescer, vai te fazer duvidar sua felicidade, mas não vá por esse caminho, acredite na sua felicidade, abrace a sua felicidade —.

CONTINUA NO PRÓXIMO CAPÍTULO